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Golpe no Zimbábue coloca presidente em prisão domiciliar


Golpe no Zimbábue coloca presidente em prisão domiciliar

Coluna de Kjeld Jakobsen
No site da Fundação da Perseu Abramo 

Na última terça feira, 14, as forças armadas do Zimbábue assumiram o controle do país e ocuparam as instalações de diversas instituições como a sede de governo, ministérios, parlamento, redes de rádio e televisão, entre outras, e colocaram o presidente Robert Mugabe e sua esposa, Grace Mugabe, em prisão domiciliar. Um porta voz do exército anunciou que estavam “sãos e salvos e que o movimento não era contra o presidente e sim contra os criminosos que o cercavam”.

O ocorrido é mais um movimento na conturbada história daquele país, que, ao lado da África do Sul, era um dos mais desenvolvidos do continente até a crise política ocorrida entre 2004 e 2008, que destroçou a economia e a coesão social do Zimbabwe. Seu governo foi um dos que apoiaram a proposta brasileira, em 2003, de criar o G – 20 no interior da Organização Mundial do Comércio (OMC) para defender o fim dos subsídios dos países desenvolvidos à agricultura.

Robert Mugabe era comandante da União Nacional Africana do Zimbábue (Zanu, na sigla em inglês), o principal agrupamento guerrilheiro que lutava pela independência do país e pelo fim do regime de apartheid, semelhante ao sul-africano. Este último foi implantado pela minoria branca, no país então conhecido como Rodésia do Sul, em 1965, quando esta declarou a independência unilateral da Inglaterra. O governo que se instalou, liderado por Ian Smith, somente obteve reconhecimento da África do Sul e de Portugal e foi um importante aliado destes, respectivamente, no combate aos militantes do Congresso Nacional Africano (CNA) e da frente pela Libertação de Moçambique (Frelimo) no contexto da Guerra Fria.

A verdadeira independência do Zimbábue com a vitória da Zanu e de outro grupo guerrilheiro, a União do Povo Africano do Zimbabwe (Zapu na sigla em inglês) deu-se em 1979. Ambos grupos se transformaram em partidos políticos e na eleição ocorrida em 1980, a Zanu foi vitoriosa e Mugabe assumiu a presidência do país. Os dois grupos tinham origens étnicas diferentes e, enquanto a China apoiava a guerrilha da Zanu, a Zapu era apoiada pela União Soviética. Após um período inicial de conflitos de baixa intensidade entre elas, as duas se fundiram, em 1987, formando a atual Zanu – PF (Zanu – Frente Patriótica).

O poder de Mugabe foi desafiado em 2004, e, novamente, em 2008, pelo Movimento pela Mudança Democrática (MDM), liderado por Morgan Tsvangirai, presidente do Congresso de Sindicatos do Zimbabwe (ZTUC na sigla em inglês). A Zanu perdeu a maioria parlamentar em 2008, e Morgan obteve a maioria dos votos para presidente, entretanto, sem alcançar 50% mais um, o que provocou a realização de um segundo turno, onde ele abandonou a disputa frente à violência desencadeada pelos apoiadores da Zanu – PF, e Mugabe, então candidato único, foi reeleito mais uma vez.

Houve uma intervenção política de parte da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC na sigla em inglês), por intermédio do presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, que gerou um acordo de “compartilhamento de poder” no Zimbábue, mantendo Mugabe como presidente e Morgan como primeiro-ministro, que, na prática, preservou a hegemonia política do presidente e da Zanu – PF.

No entanto, o processo todo foi extremamente conflitivo e afetou gravemente a economia, além de coincidir com uma epidemia de cólera. O parque industrial do Zimbábue entrou em colapso, a inflação disparou – levando a moeda local (dólar do Zimbábue) à lona – e milhões de pessoas se tornaram refugiados econômicos nos países vizinhos. Durante um longo período, as únicas moedas circulantes eram o Dólar estadunidense, o euro e o rand sul-africano. Para reforçar seu poder na Zanu – PF, Mugabe desapropriou as propriedades rurais pertencentes aos remanescentes dos colonizadores brancos e as redistribuiu para veteranos da guerra pela independência. Porém, a maioria destes não possuía a menor experiência em agricultura e pecuária, e a produção agrícola sofreu uma queda significativa, levando os preços dos alimentos às alturas.

O único setor que se manteve lucrativo no Zimbábue foi a mineração, inclusive de diamantes, porém apropriados pelos integrantes do governo, e a questão política passou a ser a manutenção de Mugabe na presidência como forma de assegurar os privilégios e a corrupção dos que ascenderam ao poder no país junto com ele, como os veteranos da guerra da independência, militares, ministros, comerciantes e dirigentes da Zanu – PF.

Posteriormente, a oposição se dividiu, e o presidente tornou a ser reeleito. Neste momento, com 93 anos de idade e 37 na presidência do Zimbábue, preparava-se para mais uma disputa política em 2018. O golpe está relacionado com isso, pois mesmo eventualmente reeleito no próximo ano, a questão central era sua sucessão. Sua atual esposa, Grace Mugabe, de 52 anos de idade, já havia sido alçada ao posto de presidenta da Comissão de Mulheres da Zanu – PF e liderava uma fração no interior do partido conhecida como G-40, composta por dirigentes mais jovens, incluindo alguns ministros do governo. Ela passou a ser vista como uma possível sucessora de seu marido, embora seja extremamente impopular devido a vários abusos de poder que teria cometido e que se tornaram públicos.

Na semana passada, o vice-presidente do país e presidente da Zanu – PF, até então considerado o mais provável sucessor de Mugabe, Emmerson Mnangagwa, foi sumariamente demitido da vice presidência. Porém, ele foi anteriormente chefe da inteligência do governo zimbabuano e é influente junto aos militares e veteranos da guerra da independência. Além disso, seria também o preferido das instituições financeiras internacionais por considerarem que implementaria o ajuste estrutural que defendem.

A avaliação corrente é que o golpe militar visa garantir que Mnangagwa ou alguém com seu perfil seja o próximo Presidente do Zimbabwe, pois a escolha de Grace traria impunidade para os integrantes da família Mugabe e integrantes do G-40 envolvidos com a corrupção, mas não para os veteranos, militares e pessoas ligadas à comunidade da informação que também participaram da lambança durante muito tempo e que detêm a hegemonia na Zanu-PF. O desdobramento mais provável do golpe parece ser a costura de um acordo que permita a Robert Mugabe concluir este mandato desde que apoie um sucessor que não seja sua esposa. A ver nas próximas horas.

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