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Juiz e procurador ordenam esterilização de mulher em Mococa


Juiz e procurador ordenam esterilização de mulher em Mococa

Reprodução

Da Revista Fórum 

Uma mulher pobre e em situação de rua, chamada Janaína Aparecida Aquino, foi obrigada por um promotor a se submeter a uma cirurgia de esterilização sem direito de defesa, inclusive, sendo vítima de condução coercitiva para que o procedimento fosse realizado. O caso aconteceu na cidade de Mococa, em São Paulo. O juiz, por sua vez, não realizou audiência, não nomeou um defensor e não pediu documentos que mostrassem que ocorreu consentimento por parte da mulher, que tem filhos. Apenas determinou a condução coercitiva para a operação. A denúncia foi feita por Oscar Vilhena Vieira, na Folha de S.Paulo.

Primeiramente, o promotor usou de uma ação civil pública para ordenar o procedimento e, com isso, forçou o município a praticar um ato ilegal. Outro grave aspecto é que, em função da situação de vulnerabilidade de Janaína, ele deveria ter nomeado um defensor público para que a representasse judicialmente. Portanto, a mulher não foi ouvida e nem defendida. Não houve, sequer, uma audiência a respeito do caso. Ela foi conduzida à força. Além disso, a prática da condução coercitiva foi suspensa por decisão liminar do Supremo tribunal Federal (STF).

O caso provocou indignação. O Instituto de Garantias Penais (IGP) divulgou uma nota de repúdio à situação:

O Instituto de Garantias Penais (IGP) vem a público repudiar com energia a ultrajante violação dos direitos e garantias fundamentais de – necessário atentar para o que a pobreza dificultou perceber – uma cidadã brasileira, Janaína Aparecida Aquino. Como noticiado, o Ministério Público manejou, de forma aberrante, ação civil pública para pedir que o Estado laqueasse as tubas uterinas da mesma mulher que, em 23.01.2017, compareceu ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) para retirar todos os pedidos de exames agendados com essa finalidade.

Um juiz da comarca de Mococa/SP não só deferiu o pedido como ordenou que fosse realizado mediante condução coercitiva. À Janaína, mulher de rua e drogadicta, não foi oferecido advogado que fizesse sua voz ser ouvida no processo. Ela não teve vez alguma quando se discutiu o seu próprio direito à reprodução. Em suma, a inobservância do rito a transformou não em sujeito, mas em mero objeto processual.

Ao tempo que o Tribunal de Justiça de São Paulo foi provocado para interromper a marcha violadora, a cirurgia já havia acontecido. A esterilização compulsória e eugênica, como a que se faz com os animais, evoca “O Processo” kafkiano. Janaína K. acordou detida por pessoas que não conhece, a fim de responder a processo judicial do qual não sabe o motivo, movido por uma justiça que agora rende à clientela típica do direito penal os abusos em outras searas jurídicas.

Como analisou o crítico Luiz Costa Lima, o pesadelo literário nem mesmo permite o alívio de se pensar: o Estado não pode bater à minha porta à hora que bem entenda. A Lei do Planejamento Familiar dispõe, em seu art. 10, hipóteses em que a esterilização voluntária é permitida. Leia-se: mesmo quando desejada, sua consecução é legalmente restrita. Nosso ordenamento jurídico repudia que a pessoa seja obrigada a se submeter à esterilização. Cirurgia invasiva desautorizada não é cirurgia: é lesão irreversível à integridade física. O princípio da dignidade da pessoa humana, apesar de sua envergadura constitucional, foi sumária e sucessivamente atropelado pelo parquet e pelo judiciário de primeiro grau. Essa distopia dá vida, portanto, às palavras do Min. Marco Aurélio, quando preconizou “tempos estranhos, muito estranhos, geradores de grande perplexidade nacional”.

É de Janaínas cotidianas que se alimenta o jacobinismo togado, adubado pelo afã do Ministério Público, que assola o país. A sociedade tem amargado sucessivos desrespeitos às garantias fundamentais embaixo do próprio nariz, e sua gravidade crescente impossibilita sabermos onde esse momento crítico aterrissará. Por fim, o IGP vem reiterar suas finalidades institucionais de primar pela escorreita observância dos preceitos constitucionais por parte dos agentes do Estado, repudiando de pronto quaisquer abusos cometidos.

Ticiano Figueiredo, Presidente do Instituto de Garantias Penais

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