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Por que as mulheres estão tão cansadas?


Por que as mulheres estão tão cansadas?

Emma/Reprodução

Por Ana Luíza Matos de Oliveira*

Ninguém pode dizer que ainda duvida da desigualdade que existe na divisão do trabalho doméstico entre homens e mulheres no mundo, em especial o trabalho não pago. O tema tem sido discutido até na indústria do Petróleo, ramo ainda muito dominado por homens.

Alguns preferem denominar esse trabalho doméstico de trabalho de cuidado ou trabalho reprodutivo (em oposição ao termo marxista do trabalho produtivo, aquele que gera valor na esfera econômica). Mas qual seja a denominação, esse tipo de trabalho sobrecarrega as mulheres.

As mulheres não se ocupam do trabalho doméstico por “aptidão natural”, mas por existir uma divisão sexual do trabalho socialmente construída que relega a elas o trabalho doméstico, que apesar de importantíssimo é extremamente desvalorizado. E, mesmo saindo para o mercado de trabalho e vendendo a sua força de trabalho, as mulheres continuam em muitos casos as únicas ou quase únicas responsáveis pelo planejamento e execução do trabalho doméstico, levando à chamada dupla jornada.

Segundo publicação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em nenhum país do mundo mulheres e homens dividem o trabalho de cuidado não pago igualmente, com o ônus sempre recaindo sobre as mulheres. Segundo a OIT, o trabalho de cuidado não pago ainda é muito invisibilizado em todo o mundo. Mas estimativas para 64 países (que correspondem a 66,9% da população mundial) mostram que 16,4 bilhões de horas são gastas em trabalho doméstico não pago no mundo, o que seria equivalente a 2 bilhões de pessoas trabalhando 8 horas por dia sem remuneração. Além disso, as mulheres realizam ¾ do trabalho de cuidado não pago no mundo. Ao longo de um ano, as 4h e 25 minutos gastos diariamente em trabalho doméstico não pago das mulheres somam 201 dias de trabalho de 8h e as 1h e 23 minutos diários dos homens somam 63 dias de trabalho nos mesmos termos. O gráfico 1 mostra essas diferenças por grupos de países e regiões.

Gráfico 1 — Tempo gasto com trabalho de cuidado não pago, trabalho pago e trabalho total, por sexo, região e grupo de renda, ano mais recente


Fonte: OIT (2018) — “CARE WORK AND CARE JOBS FOR THE FUTURE OF DECENT WORK”

Por isso, apesar de na média as mulheres trabalharem menos horas fora do domicílio (como mostra o gráfico 1), ao somar a jornada de trabalho gasta dentro do domicílio, a jornada de trabalho total das mulheres é muito superior à masculina. Por isso as mulheres estão especialmente cansadas. Carregam nos ombros a reprodução da sociedade capitalista de uma forma completamente invisibilizada e que tem diversos impactos na sua inserção profissional, na sua ascensão na carreira, em seus salários etc. Por exemplo, como impacta o nascimento de um filho na vida profissional de uma mãe? Os dados do gráfico 2 da Dinamarca (friso, Dinamarca), retirado de artigo de Henrik Kleven, Camille Landais e Jakob Egholt Søgaard, mostram o impacto do nascimento de um filho no salário de uma mãe dinamarquesa e no salário de um pai dinamarquês. Em vermelho uma reta marca o nascimento do primeiro filho. Percebe-se que após o nascimento do filho, o salário da mãe nunca mais volta (na média, claro) ao mesmo patamar em que estava antes do nascimento do filho. Já o do pai segue sua trajetória anterior.

Gráfico 2 — Rendimentos de mulheres com filhos versus mulheres sem filhos e homens com filhos versus homens sem filhos — Dinamarca


Fonte: Kleven, Landais e Søgaard (2018) — “CHILDREN AND GENDER INEQUALITY: EVIDENCE FROM DENMARK”

Como dito anteriormente, isso não pode mais ser novidade para ninguém. Mas o desanimador é que parece que essa desigualdade ainda vai demorar muito para acabar. Dados do relatório da OIT supracitado mostram que, sim, a contribuição masculina no trabalho de cuidado não pago tem crescido nos últimos 20 anos e entre 1997 e 2012 o hiato entre o tempo gasto por homens e mulheres em trabalho de cuidado não pago caiu 7 minutos (de 1h e 49 minutos para 1h e 42 minutos) em 23 países analisados. Nesse ritmo, seriam necessários mais 210 anos, apenas, para fechar o hiato entre homens e mulheres nos países analisados.

Aqui no Brasil, parece que as coisas ainda vão demorar a mudar também. Dados mais recentes do IBGE mostram a reprodução dessa dinâmica de que as mulheres se ocupam mais do trabalho doméstico/de cuidado não remunerado que os homens está se reproduzindo com as novas gerações. Por exemplo, em 2017, das 48,5 milhões de pessoas com 15 a 29 anos de idade, 11,2 milhões não trabalhavam nem estudavam ou se qualificavam. Entre as jovens mulheres, 24,2% das que não frequentavam a escola, curso ou universidade e não trabalhavam afirmaram não realizar tal atividade por cuidar dos afazeres domésticos ou de criança, adolescente, idoso ou deficiente. Entre os jovens homens, esse percentual foi de 0,7%.

Apesar dos avanços na discussão sobre gênero, percebe-se que ainda temos um longo caminho pela frente.

P.S.: O título do artigo foi inspirado neste quadrinho.

Ana Luíza Matos de Oliveiraé economista (UFMG), mestra e doutoranda em Desenvolvimento Econômico (Unicamp), integrante do GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp e colaboradora do Brasil Debate

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