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“O país finalmente vai conhecer a verdade", diz Lula sobre Moro e Dallagnol


“O país finalmente vai conhecer a verdade", diz Lula sobre Moro e Dallagnol

Entrevista foi feita pelos jornalistas Juca Kfouri e José Trajano e transmitida pela TVT na noite desta quinta-feira (13) / Reprodução TVT

Confira os detalhes da primeira entrevista do ex-presidente após as denúncias do site The Intercept sobre a Lava Jato

Do Brasil de Fato 
Por Igor Carvalho

Nesta quinta-feira (13), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu à TVT sua primeira entrevista após os vazamentos das conversas entre Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, e Deltan Dallagnol, procurador do Ministério Público, no site The Intercept Brasil. 

“A Globo é a grande mentora dessa panaceia toda. Ninguém é contra combater a corrupção. Tenho certeza que vocês não são, todos os 210 milhões de brasileiros são favoráveis, até os que roubaram. Perguntem ao Cabral ou ao Cunha se eles eram contra. Eles eram a favor até uma semana antes”, afirmou Lula. 

Ainda sobre as reportagens do The Intercept Brasil, tema que dominou grande parte da entrevista conduzida pelos jornalistas Juca Kfouri e José Trajano, Lula expôs sua indignação com o cárcere ao qual está submetido a um ano e três meses e se declarou inocente das acusações impostas pela força tarefa da Lava Jato. “Você acha que eu ia sujar minha mão com um apartamento que eu poderia comprar? Que eu ia sujar minha mão com um sítio que eu podia comprar?”, perguntou. 

Sobre as conversas reveladas pelo The Intercept, que indicam que o ministro, na época juiz responsável pela análise dos casos no âmbito da Lava Jato, pode ter interferido em favor da acusação, Lula voltou a criticar a atuação Sérgio Moro e Deltan Dallagnol.

“O país finalmente vai conhecer a verdade. Eu sempre disse que o Moro é mentiroso, é mentiroso. Eu disse no primeiro depoimento que fiz, está gravado, que ele estava condenado a me condenar. O Dallagnol é tão mentiroso, que depois de ficar uma hora e meia na televisão mostrando um PowerPoint, ele consegue dizer para a sociedade: ‘Não me peçam provas, só tenho convicções’. Ele deveria ter sido preso ali”, defendeu o ex-presidente.

Para o petista, o objetivo da dupla era impedi-lo de disputar as eleições presidenciais de 2018. “Se eu pudesse participar de debate na televisão, se eu pudesse participar de comício, a chance seria muito maior. O bloco de esquerda estaria conosco e certamente o PDT estaria conosco”, lembra o ex-presidente, para quem "Moro deixou de ser juiz há muito tempo. Quando a mosca azul da Globo pousou na testa dele, ele virou um serviçal da Globo. É por isso que ontem eu vi a loucura de tentarem desmoralizar o Glenn  [Greenwald, jornalista e sócio-fundador do The Intercept]. A Globo está com medo de ser citada, com medo de aparecer.” 

Durante a entrevista, Lula, por diversas vezes, desafiou seus acusadores a provarem o que dizem. “Eu gostaria que sentasse aí onde você está, o William Bonner, que há seis anos fala mal de mim todos os dias”. Para o ex-presidente, a Globo deveria organizar um debate entre ele, Dallagnol e Moro. “Eu contra os dois”, pediu. 

Para o ex-presidente, a emissora adotou outra postura sobre os vazamentos. “Eu estou vendo nesse instante a Globo tentando salvar o Dallagnol e o Moro. Dizendo que não se pode vazar coisas que não se pode saber de onde é, que isso teria vindo de um hacker. Ora, por que não tiveram essa seriedade quando vazaram a minha conversa com a  Dilma, quando vazaram a conversa dos meus filhos com a mãe? Por que não tiveram esse pudor?”

Eleições de 2014 e Bolsonaro

Durante a entrevista, Lula contou que quase disputou as eleições de 2014. “Chegou um momento em que era unanimidade o Lula ser candidato a presidente em 2014. Não tinha um empresário que não pedisse isso. A salvação da lavoura era o Lula ser candidato a presidente. Eu poderia ter discutido minha volta. Eu estava nos cascos, eu estava afiado. Eu tinha tanta vontade de fazer o que eu não tinha feito, eu estava com tanta vontade de fazer mais coisas que eu achava que era possível fazer”, lembra.

Em seguida, questionado sobre o que faria diferente, o petista emendou: “Era possível cuidar mais dos pobres, era possível fazer mais coisas… Era necessário, e hoje é urgente, fazer uma regulação dos meios de comunicação nesse país. Esse país não pode ter os meios de comunicação dominados por nove famílias. A nossa última regulação é de 1962.” 

Sobre 2018, Kfouri quis saber como Lula encarava o voto dos que não queriam eleger o PT e buscaram em Bolsonaro uma opção. “Alguém que se sentiu traído pelo PT, não precisava ter votado no Bolsonaro, poderia ter votado numa coisa melhor. O Boulos foi candidato. O Ciro, embora não mereça o voto por ser muito grosseiro, foi candidato. A Marina foi candidata. Não é porque estou me vingando de você que vou pegar um martelo e bater no meu dedo. Eu não estou me vingando, estou sendo um babaca”, argumentou. 

Para Lula, “Bolsonaro é resultado do pânico que os meios de comunicação e uma parte da elite brasileira criaram no Brasil sobre a política. O Bolsonaro funciona como se fosse um dos piores coronéis da política brasileira. Ele é presidente, tem um filho senador, um filho deputado e um filho vereador. Mesmo assim, se vendeu para a sociedade como um antissistema.”

Por fim, o ex-presidente falou sobre sua expectativa para a audiência do próximo dia 25 de junho, quando a segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) irá analisar um pedido sobre sua liberdade. “Eu espero que a Suprema Corte recupere o padrão de confiança da sociedade. Se a sociedade brasileira tem desconfiança da Igreja, tem desconfiança da imprensa, tem desconfiança da política, não acredita no Senado, não acredita na sua polícia e não acredita no Judiciário, aí estamos criando uma sociedade anarquista”, encerrou.

Leia a entrevista completa do ex-presidente:

Juca Kfouri: Presidente Lula, primeiro, muitíssimo obrigado por nos receber. Em segundo lugar, eu gostaria de saber do senhor o seguinte: durante os últimos tempos, o senhor tem dito que viveria para ver Moro e Dallagnol desmascarados, pegos na mentira. Isso acabou acontecendo mais rapidamente do que o senhor imaginava?

Lula: Juca, primeiro, eu sou um cristão fervoroso. E eu sempre disse que Deus é tão justo que ele consegue escrever [certo] por linhas tortas. Se a gente tivesse sido levado a sério pelos meios de comunicação no Brasil, quando nós fizemos todas as denúncias que o Intercept está fazendo agora, durante o processo, não teria surpresa o que aconteceu.

O que aconteceu foi dito por mim várias vezes, foi dito pelo Cristiano [Zanin Martins, advogado de defesa], foi dito por todo mundo que me defende. Eu, aproveitando para dizer a você que, estou ficando feliz com o fato de que o país finalmente vai conhecer a verdade. Eu o tempo inteiro disse que o Moro é mentiroso. É mentiroso. Eu disse que no primeiro depoimento que eu fiz, e isso está gravado, que ele estava condenado a me condenar, porque a mentira tinha ido muito longe. O Dallagnol é tão mentiroso que depois de ficar uma hora e meia na televisão mostrando o powerpoint, ele consegue dizer para a sociedade: não me peçam provas, eu só tenho convicção. Ele deveria ter sido preso ali. Ele deveria ter sido preso por enganar 210 milhões de brasileiros.

Mas como houve uma mentira no inquérito feito pelo delegado, houve uma mentira pela acusação feita pelo Dallagnol, houve uma mentira do Moro no  julgamento, referendada pelo TRF4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região] que nem leram o processo e julgaram, porque o objetivo é evitar que o Lula participasse do processo eleitoral de 2018, agora veio à tona. E o que está acontecendo de mais grave? É que estou vendo neste instante a Globo tentando salvar o Dallagnol e tentando salvar o Moro. Tentando mostrar, "olha, não pode vazar coisa que não se sabe de onde é porque isso aí foi um hacker…" Ora, por que é que não tiveram essa seriedade quando vazaram a conversa da Dilma comigo, quando vazaram a conversa dos meus filhos com a mãe, por que não tiveram esse pudor? Por que não tiveram o pudor de colocar a gente na televisão no momento em que acusavam a gente?

E nós estamos vivendo nesse instante, Juca, uma coisa extraordinária, que é o seguinte: acho que a máscara vai cair. O que vai acontecer não sei. Só quero te dizer que neste instante eu estou mais tranquilo do que o Moro, mais tranquilo do que o Dallagnol, tô mais tranquilo do que qualquer juiz neste país. Porque a minha tranquilidade é daqueles que sabem que é honesto, que sabe que Deus sabe que eu sou honesto, eu sei que sou honesto, o Moro sabe que eu sou honesto, o Dallagnol sabe que eu sou honesto, e eles sabem que estão mentindo. Então, essa é a minha tranquilidade, que eu espero que se faça justiça neste país. E o que eu espero? Que a Globo, porque a Globo, é, na verdade, a grande mentora dessa panaceia toda. Ninguém é contra combater a corrupção. Tenho certeza de que você não é, tenho certeza de que o Trajano não é, todos, 210 milhões de brasileiros são favoráveis ao combate, até os que roubaram são favoráveis. Perguntasse pro Sérgio Cabral uma semana antes, para o Eduardo Cunha uma semana antes se ele era favorável, ele me dizia que era, só que não sabia…?

Então, eu estou aqui, Juca, agradecendo essa entrevista, porque é a oportunidade que eu tenho. A Polícia Federal invadiu a minha casa. A Polícia Federal invadiu a casa dos meus filhos. A Polícia Federal invadiu o Instituto [Lula]. A Polícia Federal sabe que não encontrou absolutamente nada e não teve coragem de dizer na televisão que não tinha encontrado nada. Quando encontrava uma barra de ouro na casa do Nuzmann, fazia um carnaval, quando encontrava na casa do Sérgio Cabral fazia um carnaval, na minha casa não tiveram a coragem, a sensatez, não encontramos na casa do Lula, na casa dos filhos dele, debaixo do colchão da dona Marisa, desculpa, presidente Lula. Não fizeram isso. Porque embora eu seja o brasileiro que mais respeita as instituições… Duvido que a Polícia Federal tem um presidente que cuidou mais dela do que eu, duvido. Sem pedir um favor. Duvido que o Ministério Público tenha um presidente que mais respeitou a instituição do que eu.

Agora, essas instituições, que são poderosas não podem ser manipuladas por moleques irresponsáveis. Denunciar pessoas honestas. Eles só falaram que apuramos, arrecadamos R$ 3 bilhões. A pergunta que se faz é a seguinte: quantos bilhões, quantos empregos e quantas empresas quebraram pela brincadeira de vocês? Não era possível apurar corrupção sem quebrar empresa? Era. Prende o dono e deixa a empresa funcionando, como a Samsung continuou funcionando, como a Volkswagen continuou funcionando na Alemanha. Por que quebrar as empresas? Por que desmoralizar a Petrobras, quebrar a Petrobras?

Hoje, Juca, eu quero aproveitar vocês dois pra dizer: é porque o Dallagnol, o Moro e a Lava Jato estão hoje muito mais a serviço dos interesses norte-americanos do que a serviço aos interesses do combate à corrupção. Estou afirmando isso, espero que o Moro esteja ouvindo. Aliás, a Globo poderia fazer um debate entre eu, o Moro e o Dallagnol, eu sozinho contra os dois. Os dois fizeram curso em Harvard, são bem preparados, têm muitas informações, poderiam fazer um debate comigo, em qualquer horário que eles tivessem, pra gente ver quem está mentindo nesse país. O Brasil hoje é vítima de uma grande mentira. E estou dizendo isso sem negar as coisas importantes de combate à corrupção.

É muito importante que empresário que roubou esteja na cadeia, é muito importante que político que roubou esteja na cadeia. É muito importante que a delação seja feita espontaneamente, não manter as pessoas presas três ou quatro anos, pedindo pra pessoas citarem meu nome, como pediram pra muita gente citar meu nome. Tinha gente que era presa, a primeira coisa que ele falava: e o Lula, e o Lula? Eu passei quantos ouvindo falar: o que dia que prenderem o Emílio Odebrecht, o Lula está ferrado, o dia que prender o Marcelo está ferrado, o dia que prender o Léo [Pinheiro], o dia que prender o ? tá ferrado. Pode prender até o Moro, pode prender até os parentes dele. Porque eu duvido que neste país tenha um empresário, tenha um político, que tenha a coragem de dizer que um dia eu pedi 5 reais pra ele.

Juca: Mas o Lula não tá ferrado, presidente?

Lula: Eu não tô ferrado, não. Sinceramente. Eu estou acabrunhado. Eu gostaria de estar em liberdade, gostaria de estar vendo o meu Corinthians jogar, gostaria de estar vendo a minha família. Sabe? Eu já falei pra todo mundo que quando eu sair daqui eu vou casar.

Juca: Aliás, o senhor se arrepende de ter dito para o ex-ministro Bresser-Pereira da sua namorada? Porque parece que ela foi prejudicada por causa disso.

Lula: Eu não me arrependo, não me arrependo. Veja, deixa eu falar uma coisa pra você. Tem uma frase que é o seguinte: o amor sempre vencerá. Demora, mas vencerá. É como disse o Batochio (José Roberto Batochio, advogado) ontem: a verdade pode ficar doente, mas ela não morre. Eu gostaria de estar em liberdade, gostaria de estar na rua, gostaria de estar conversando (?) com vocês, mas eu estou aqui consciente que tem milhões e milhões e milhões de brasileiros pior do que eu, em liberdade. Ontem eu vi na televisão em Recife, na porta de um supermercado, o povo invadindo um caminhão que cata lixo para comer. Nós tínhamos acabado com a fome neste país. E essas pessoas não se dão conta que o falso moralismo delas levou o país à bancarrota. E digo levou o país à bancarrota porque a Globo tem culpa nisso. A Globo transformou o combate à corrupção numa grade dela, em que o Lula é citado, sabe, em quatro anos mais de 100 horas no Jornal Nacional.

Trajano: O próprio Glenn [Greenwald, editor do Intercept], numa entrevista ontem, coloca a Globo como parceira da Lava Jato.

Lula: Veja, quando o Moro começou esse processo, o Moro visitou a Folha, o Estadão, a Veja, a Épocaa IstoÉ, a Globo, visitou todos os canais de televisão. Ele diz no artigo dele, Mani pulite, que só é possível dar certo se a imprensa ajudar. Ora, é muito importante que a imprensa ajude, o que a imprensa não pode é condenar as pessoas antes do julgamento, o que não pode é um juiz votar pela manchete de um jornal. Um juiz tem que votar pelos autos do processo, pela testemunha.

Trajano: Mas, presidente, as matérias do Glenn na Intercept revelaram uma série de diálogos que mostram o conluio do Sergio Moro com o Dallagnol e os outros procuradores. A gente pode listar aqui vários assuntos diferentes, até listei alguns aqui: a sua condenação rápida, em segunda instância, a proibição da entrevista à Monica Bergamo, pode eleger o Haddad…

Lula: Mas, tudo isso, Trajano, tudo isso, a bala já saiu do cano, a bala já está em direção a mim. O que é duro é inventar o processo. O tal do apartamento da cota da Bancoop está na minha declaração de Imposto de Renda desde 1975.

Trajano: E ele mostra uma insegurança que não tinha provas.

Lula: Então, eles inventaram toda uma história. Porque o objetivo da Lava Jato… eu era a Copa Jules Rimet. Precisaria me conquistar, precisaria ganhar, nem que fizesse como a do Brasil (que roubaram depois) e me deixar logo depois. Mas era preciso chegar no Lula, senão não tinha valido a pena o golpe. Pra quê tirar a Dilma e deixar o Lula voltar em 2018? Então, eles montaram a estrutura de me trazer pra cá. No apartamento não dava para me trazer pra cá, então eles inventaram a seguinte fantasia: tinha uma empresa offshore no Panamá, que tinha comprado coisa da Petrobras, e que eu estava envolvido nisso, tal. Quando prenderam a moça do offshore, descobriram que o offshore era dono do apartamento dos Marinhos em Paraty e descobriram que a empresa era dona do helicóptero da Globo. O que que fizeram? Soltaram a moça, mas não me tiraram do processo. Quando nós entramos com o agravo, depois da sentença mentirosa do Moro, o que o Moro disse? Nunca disse que a Petrobras está envolvida e que o apartamento é do presidente. Então por que eu estou preso, por fato indeterminado? Que fato é esse, não se sabe? O que eles pensaram? Já que tá tu, vai tu mesmo.

Juca: Presidente, deixe eu fazer uma pergunta. O senhor há de se lembrar, quando fizemos este livro, A Verdade Vencerá, da editora Boitempo – aproveito pra dizer que está praticamente esgotado e vai sair uma nova edição –, há um momento em que o senhor se refere ao fato de que no Instituto Lula o senhor foi visitado por inúmeros grandes empresários brasileiros.

Lula: Todos.

Juca: O senhor poderia nominá-los? Porque, por exemplo, até onde é possível imaginar, algum dos Marinho (donos da Globo) o visitou?

Lula: Muitas, tive várias conversas. Estive com o João Roberto Marinho na casa do Palocci. Logo depois da manifestação de 2013, que eu queria saber qual era o papel da Globo de suspender a sua novela para transmitir aquela… E o João Roberto Marinho, com a maior cara do pau, me disse: olha, porque tinha um clima insustentável dentro da Globo, então nós achamos que era melhor suspender, os artistas queriam participar… Sabe? Ora, eles não suspenderam a grade da Globo nem pro enterro do doutor Roberto Marinho.

Juca: Mas ele não estava entre aqueles que lhe pediam para ser candidato à Presidência?

Lula: Deixa eu falar, chegou um momento… Isso não é bom falar por mim, senão dá a impressão que estou sendo arrogante…

Juca: Cabotino.

Lula: Mas chegou um momento em que era unanimidade o Lula ser candidato a presidente em 2014. Unanimidade. Não tinha um empresário, de qualquer setor, seja do agronegócio, do etanol, do açúcar, da indústria automobilística, da construção civil, da indústria de máquinas, seja banqueiro. Roberto Setúbal (então presidente do Itaú) esteve comigo. O Trabuco (Luiz Trabuco, presidente do Bradesco) esteve comigo. O Santander esteve comigo. Todos eles, a salvação da lavoura era o Lula voltar a ser presidente. Bom, a partir de junho de 2014, eu disse que não ia ser candidato a presidente. Não tinha, primeiro, havido nenhuma demonstração da Dilma de discutir o assunto. Se ela não queria discutir o assunto, é porque queria ser candidata, e ela tinha o direito, porque era presidente. Então, morreu o assunto. O PT queria que eu fosse, mas o PT também não tomava a decisão, abrir a discussão. Até que chegou no Anhembi, a Dilma foi convidada para um ato do PT que tinha lá, e o pessoal começo a gritar “volta, Lula, volta, Lula”. E eu fui obrigado a fazer um discurso, acabar com a brincadeira, a Dilma é nossa candidata a presidente, acabou.

Então, a partir desse instante começou a haver um afastamento dos empresários. Eu não era mais, então eles ficaram todos atrás do Aécio, alguns atrás da Marina, tal. Mas houve um momento em que eu era unanimidade. Isso poderia ser perguntado a outras pessoas, porque eles poderiam dizer melhor. Todo mundo achava que eu deveria voltar pra presidente. E eu na verdade, hoje, passados cinco anos, eu poderia ter discutido minha volta. Eu estava, como é que se fala, eu estava nos cascos, eu tava afiado, eu tinha vontade de fazer o que eu não tinha feito, com tanta vontade de fazer mais coisa que era possível fazer…

Juca: Por exemplo…

Trajano: Está se arrependendo, então, de ter feito esse discurso lá?

Lula: Não, não, não cabe arrependimento, sabe, em política não cabe arrependimento. Não foi, não foi, o tempo passou, tivemos um outro presidente, a Dilma foi eleita, o Aécio fez a bobagem que fez de criar esse clima de ódio estabelecido no Brasil, de não acatar o resultado, tivemos o golpe com o impeachment, e tivemos agora, como resultado, o país pariu essa coisa chamada Bolsonaro.

Juca: O que o senhor queria fazer que não fez e que estava em cima dos cascos para fazer?

Lula: Deixa eu te falar, primeiro eu acho que era possível cuidar mais dos pobres, era possível fazer mais coisa. Eu sei que fui o presidente que mais fez. Mas era possível fazer mais, era possível gastar mais em educação, era possível fazer mais universidade, mais escola técnica. Uma coisa que eu digo era necessário, hoje é urgente, fazer uma regulação dos meios de comunicação neste país. Este país não pode ter os meios de comunicação dominados por nove famílias, não pode. Não pode o cidadão ser dono da televisão, do jornal, do blog, é preciso regular. A última regulação nossa é de 1962. Portanto, não tinha nem fax, nem telefone celular, não tinha nada. Então, é preciso regular. Nós tínhamos um projeto de regulação, feito nas conferências convocadas em 2009 pelo companheiro Franklin Martins, depois a gente achou que era imprudente mandar pra votar no último ano, em que os deputados todos estavam disputando a sua reeleição, e a gente sabia da quantidade de deputado que tinha rádio nos seus estados, se a gente mandasse era perder, que era importante mandar no começo do mandato.

Juca: Eu certa vez ouvi de um alto dirigente do PT que certas coisas não foram feitas porque quando você está numa situação de “tá tudo bem, tá todo mundo feliz?”, é melhor não mexer nisso porque se mexer vai dar problema. Tem um pouco disso?

Lula: Tem um pouco do seguinte. Toda vez que você tenta brigar com a imprensa, sempre aparece alguém dizendo assim pra você: “Você tem que tomar um café com eles, você tem que almoçar com eles, você tem que convidá-los prum jantar”. É preciso uma conversa. Isso foi feito, o coitado do Zé Dirceu cansou de jantar com o Roberto Civita, eu conheci o Roberto Civita na casa do Zé Dirceu. O João Roberto Marinho vivia conversando com o Palocci, com o Guido Mantega, com o Zé Dirceu, conversava comigo, conversava com a Dilma. Nunca resolveu.

Uma vez, tem um episódio fantástico, na eleição de 2006. Eu era candidato à reeleição, e nós chamamos o João Roberto Marinho para conversar sobre o papel da Globo na campanha. Eu era o presidente. E comecei a notar que candidato que tinha 2% na pesquisa tinha mais tempo no jornal que eu, mais espaço. Aí chamamos o João Roberto Marinho para conversar, nós tínhamos um observatório da imprensa, e a gente mostrava, o Globo, a Folha, o Estadão, a revista… Era um absurdo, a Heloísa Helena tinha o dobro de tempo que eu tinha no jornal O Globo. E aí, nós chamamos o João Roberto Marinho para uma conversa, o que estava acontecendo, não, todo mundo é igual, nós tratamos igual, não sei das quantas, tal… Aí a Dilma, mas se vocês tratam igual, por que no editorial vocês dão tratamento diferenciado pro Lula? Não, o editorial sou eu que faço. Aí a Dilma pegou e disse: “Este aqui foi você que fez? Um editorial metendo o cacete em mim”. “Não, eu não vi” (Marinho respondia). “Se você não viu, como é que você fez? Como é que você faz o editorial?”

Então, eles só pararam de inflar a candidata quando perceberam que ela tirava voto do Alckmin e não de mim. Aí esvaziaram. Como fizeram com a Marina também. Então, tem também uma outra coisa, Juca, que é o seguinte. Com eu dizia pro Franklin, eu vou derrotar todos eles. Deixa ele falar mal de mim, não precisa dar colher de chá pra eles, não tem almoço nem cafezinho, eu vou derrotar eles. Acontece, meu caro, que em 2010, a última pesquisa de setembro eu tinha 87% de bom e ótimo, eu tinha 10% de regular, somado os dois dava 97% que você poderia falar de aprovação. Quando é que alguém teve 87% de bom e ótimo? Então, eu estava também inflado de vaidade de ter derrotado eles. E, talvez, não mandei pro Congresso o projeto também porque eu falei, o ideal é ir pra rua, vai pra rua conversar com o povo que a gente derrota eles. Não derrota.

Eu tenho assistido mais televisão agora, porque eu não tenho o que fazer, eu fico vendo missa, fico vendo culto, fico vendo a TV aberta. É um absurdo a que a sociedade está submetida nesse dia a dia. Então, é preciso que haja uma regulação. E isso tem que fazer parte de um programa. Qualquer candidato do PT, daqui pra frente, tem que colocar no programa dele de campanha regulação. E não tem que ter medo.

Trajano: Queria falar da EBC [Empresa Brasileira de Comunicação], que não foi pra frente como se previa, o canal de televisão. Por que não decolou?

Lula: Olha, talvez a gente tenha errado muito… Deixa eu te falar. Eu não sou de televisão. Eu tinha vontade de criar um canal de televisão que tivesse um papel que tivesse a RAI da Itália, a BBC de Londres, que não precisava ter uma grande audiência, mas que fosse um canal de formação de opinião das pessoas que fazem acontecer as coisas no país. Nós, quando aprovamos ela, nós devemos a aprovação a uma heroína, como a Tereza Cruvinel, que foi pra dentro do Congresso, conversar com os senadores, a Helena Chagas… E nós conseguimos aprovar uma TV com orçamento na época de 300 e poucos milhões, que era o orçamento da Bandeirantes. E eu queria criar uma televisão que tivesse alcance em toda a América Latina, em toda a América do Sul, principalmente. Pra que a gente pudesse, sabe, ensinar português também, fazer com que a gente fosse um bloco de verdade. Mas aí nós criamos um conselho muito republicano, começamos nós mesmos a nos vigiar, tomar cuidado nisso, tomar cuidado naquilo, não pode fazer isso, e terminamos criando uma televisão que não funcionou, a ponto de nem o ministro das Comunicações dar as antenas em alguns lugares para que a TV pública pudesse funcionar corretamente. Por isso que eu tinha vontade de voltar. Para rever e refazer coisas que eu não tinha consciência de que era possível fazer.

Juca: Agora, deixa eu voltar só um pouco a uma coisa que o Trajano…

Lula: Esta TV que eu estou dando a entrevista agora, a TVT. Você sabe quando foi que nós reivindicamos esse canal de televisão? Em 1985! O ministro das Comunicações era nada mais, nada menos, que o Antônio Carlos Magalhães. Eu fui na reunião com o Vicentinho [Vicente Paulo da Silva, então presidente do ainda Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, atualmente deputado federal] reivindicar. Isso veio sair, eu já não era nem presidente mais. Você percebe para nós como é difícil as coisas? Mesmo quando nós estamos no governo.

Juca: Presidente, deixa eu voltar um pouco, porque não podemos passar tão rapidamente como passamos pelas denúncias do site Intercept. Zé Trajano já fez referência a isso. Eu lhe pergunto: o senhor leu todo o material que o Intercept publicou? O senhor, por exemplo, se deu conta que uma procuradora chamada Laura Tessler diz…

Trajano: Textualmente.

Juca: … que precisamos evitar a entrevista do Lula com Mônica Bergamo porque vai que isso muda o resultado do segundo turno e o Haddad se elege?

Lula: Eu vi. Mas era esse o pensamento deles. Não havia outra razão. Todas as pesquisas de opinião pública mostravam, nesse período 2015, 2016, que qualquer eleição que tivesse no Brasil eu seria eleito presidente no primeiro turno. Todas as pesquisas demonstravam. E se eu pudesse participar de televisão, se eu pudesse fazer comício, a chance seria muito maior. Porque nós estaríamos todo o bloco de esquerda, certamente o PDT estaria conosco, estaria todo mundo conosco, certo?

E eles, quando começaram o processo selecionado ao Lula, o objetivo era o seguinte: olha, não dá pra gente fazer a lambança que fizemos com o golpe na Dilma. Inventar a tal da pedalada pra tirar o PT do governo e dois anos depois entregar pro Lula. Não dá. É preciso tirar o Lula. Essa era uma questão. A outra questão, que pra mim está muito claro, é que eles construíram um processo de mentira. Eu disse ao Moro na audiência que eu participei com ele que a desgraça de quem conta a primeira mentira é que passa a vida inteira mentindo pra poder justificar a primeira. E eles exageraram na mentira. Em 2014, logo que a Dilma ganhou as eleições, eu comecei a alertar o PT de que era preciso ter em conta que eles vinham pra cima do PT. E pra vir em cima do PT iriam em cima de quem? De quem presidiu o país e em cima de quem era seria a figura pública mais importante depois da Presidência da República. E aconteceu. Aconteceu.

Engraçado, porque eu recebi muito conselho, sabe? Que eu deveria ter saído do Brasil, que eu deveria ter ido para uma embaixada. É engraçado, porque eu estou tão consciente do que está acontecendo no Brasil, tô tão consciente da submissão, do complexo de vira-lata dessa gente com relação aos Estados Unidos, que eu falei: não, se eu fugir eles vão colocar que eu sou fugitivo. Então, o Moro decretou a minha prisão, eu vou pra Polícia Federal. Vou lá pra pertinho deles. E aos poucos as coisas vão acontecendo.

Eu vi ontem o desespero da Globo de tentar dar ao Dallagnol mais tempo do que deu à artista principal da novela A Dona do Pedaço. Ela apareceu menos que o Dallagnol tentando se explicar, tentando dizer, porque prendeu não sei quem, porque fez não sei das quantas. A tentativa… Porque a Globo sabe que a hora que cair, não o processo de apuração de corrupção, que tem que continuar. É importante lembrar sempre, Juca e Trajano, que todas as leis, todas as leis que facilitam a apuração de corrupção, todos os mecanismos legais, foram criados pelo partido que eles odeiam, chamado PT.

Trajano: Mas, presidente, de todas essas denúncias que apareceram na matéria do Intercept, várias, todas elas te indignaram muito, dá para pinçar uma, ou o contexto geral é tão absurdo que não dá?

Lula: Eu acho que está errado você utilizar a palavra denúncia. O Intercept não fez nenhuma denúncia. Ele apenas trouxe para a sociedade brasileira a verdade. Ele mostrou o que aconteceu

Trajano: E vem mais chumbo grosso por aí…

Lula: Eu não sei o que é que vem. O dado concreto é que a imprensa brasileira não teria coragem de fazer aquilo. Você não acha estranho que depois da decisão, da entrevista, do ministro Lewandowski a Globo nunca tenha pedido uma entrevista? Você não acha estranho que as grandes revistas nunca pediram uma entrevista? Você não acha estranho que o SBT, nem o programa do Ratinho, que levou o Bolsonaro, nem os programas de debate da Bandeirantes, você não acha estranho que essa gente não tenha pedido? Afinal de contas, eu sou uma pessoa que ainda tem uma certa audiência no Brasil, mais do que todos os programas deles. Eu gostaria de conversar, eu gostaria de ver sentar na minha frente, onde você está aí, o William Bonner, que faz seis anos que fala mal de mim todo dia no Jornal Nacional. O nome Lula é mais falado na boca dele do que os filhos dele. E eu só queria uma chance.

Trajano: Mas, presidente, de todas essas denúncias que apareceram na matéria do Intercept, várias, todas elas te indignaram muito, dá para pinçar uma, ou o contexto geral é tão absurdo que não dá?

Lula: Eu acho que está errado você utilizar a palavra denúncia. O Intercept não fez nenhuma denúncia. Ele apenas trouxe para a sociedade brasileira a verdade. Ele mostrou o que aconteceu

Trajano: E vem mais chumbo grosso por aí…

Lula: Eu não sei o que é que vem. O dado concreto é que a imprensa brasileira não teria coragem de fazer aquilo. Você não acha estranho que depois da decisão, da entrevista, do ministro Lewandowski a Globo nunca tenha pedido uma entrevista? Você não acha estranho que as grandes revistas nunca pediram uma entrevista? Você não acha estranho que o SBT, nem o programa do Ratinho, que levou o Bolsonaro, nem os programas de debate da Bandeirantes, você não acha estranho que essa gente não tenha pedido? Afinal de contas, eu sou uma pessoa que ainda tem uma certa audiência no Brasil, mais do que todos os programas deles. Eu gostaria de conversar, eu gostaria de ver sentar na minha frente, onde você está aí, o William Bonner, que faz seis anos que fala mal de mim todo dia no Jornal Nacional. O nome Lula é mais falado na boca dele do que os filhos dele. E eu só queria uma chance.

Eu só queria uma chance de poder dizer pra ele “você mentiu”. Vai pedir desculpa para os seus filhos? Pedir desculpas por que você mentiu? E assim pra todos eles. Deixa eu te falar uma coisa, Trajano, que eu falo aqui e vou falar agora em nome da minha bisneta que tem dois anos.

Pode pegar a turma da força-tarefa da lava jato. Pegar a turma que me investigou, os delegados que fizeram inquéritos contra mim. Pegar o Moro, o juiz, enfiar tudo em um liquidificador, bater, quando você experimentar o suco, não dá metade da honestidade do Lula.

Estou falando isso olhando na cara de cada telespectador da TVT. Não dá, pode somar todos eles que não dá a honestidade do Lula. E não faço isso porque sou melhor que so outros não. Faço isso porque fui educado por uma mulher chamada Dona Lindu, que nasceu e morreu analfabeta. Não sabia fazer um ó com có, mas sabia dizer pros seus filhos o que era certo e o que era errado.

Eu às vezes conto brincando, não é orgulhoso contar isso, eu morava na Vila Carioca, na rua Domingo de Morais, não sei se você conhece. E tinha um tio chamado Antonio que tinha um boteco, a gente morava no fundo do bar. A casa era tão miserável que o banheiro que a gente utilizava – eu, minha mãe e minhas irmãs – era o que os bêbados utilizavam. Iam lá vomitavam, urinavam fora, e era o banheiro que a gente utilizava. Em um quarto e cozinha moravam 13 pessoas. E esse meu tio… Naquela época existia uma coisa chamada chiclete americano, Ping Pong.

Trajano: Famoso.

Famoso? Famoso pra quem podia chupar. Eu via a molecada botar aquilo na boca, fazer bola, estourar bola, e nunca tive chance de ter um na vida. Esse meu tio trabalhava no bar e quando ia no banheiro pedia pra tomar conta e tinha ali a caixa de Ping Pong. Nunca tive coragem de pegar um para não envergonhar a minha mãe. E eu tinha um colega chamado Boquita, filho de um sergipano, vivia na boca com um chiclete desse o dia inteiro. Quando ia jogar fora ele me dava, eu lavava e ficava chupando o chiclete do cara. Você acha que alguém que se submete a isso, depois de ser eleito presidente da República, de virar a figura pública mais respeitada desse país no exterior, depois de ter o apreço que o povo brasileiro teve por mim… Quando saí da presidência, mesmo na classe média de São Paulo, eu tinha 80% de bom e ótimo, não era de regular. Acha que eu ia sujar a minha mão em um apartamento que eu poderia ter comprado, tinha dinheiro pra comprar, uma chácara que eu poderia comprar.

Há um dado que ninguém nega desde os seus tempos de presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, que foi quando nso conhecemos, nas greves de 79 em São Bernardo do Campo? eu, diretor do Sindicato dos Jornalistas, e o senhor, presidente do Sindicatos dos Metalúrgicos. Que o senhor sempre foi tido como um conciliador, capaz de unir os contrários. O senhor como presidente da República se dava tão bem com o Bush, presidente dos EUA, quanto com o Chávez, presidente da Venezuela. Até de ntro do seu partido alguns achavam que era demais, eram necessárias algumas rupturas que o senhor não fazia. Por que tudo se voltou contra essa figura do conciliador, do cara que nunca foi de querer ir pro pau?

Sempre fui assim. Quando era moleque, jogava bola, quando virei dirigente sindical, fui assim como presidente da República. Por isso criei o Conselho de Desenvolvimento que envolvia empresários, pastores, sindicalistas, índios, para poder estabelecer sempre que possível políticas públicas que tivessem uma aceitação da maioria da sociedade. Sempre achei que uma conversa a mais dava melhor resultado.

Nunca fui de tomar decisão com 39 graus de febre, primeiro deixava a febre baixar pra tomar decisão. Com o Bush e o Chávez eu era aquele moleque do meio, sabe quando tem dois moleques querendo brigar? Eu era da turma do “deixa disso”.

Tem uma máxima que aprendi com a minha mãe também. Ela dizia: meu filho, ninguém respeita quem não se respeita. Se você se respeitar automaticamente impõe respeito a seus interlocutores. E isso mapeou a minha vida. Fez com que vivesse assim. Vou contar um pequeno caso pra vocês. Na primeira vez que o Brasil foi convidado para participar de uma reunião do G8 – isso deve ter matado o Fernando Henrique Cardoso de inveja, o Lula participar do G8 – estava todo mundo sentado em uma mesa e quando o Bush chegou todo mundo levantou como se tivesse chegado Deus. Celso Amorim (então ministro das Relações Exteriores) ia se levantar e falei: não vamos levantar. Ninguém se levantou quando cheguei, por que a gente tem que levantar? Ele é apenas presidente dos Estados Unidos. Ficamos sentados.

O que aconteceu? O Bush foi cumprimentar todo mundo que levantou, virou as costas, foi na mesa em que eu estava sentado com o Celso e o Kofi Annam (então secretário-geral da ONU) e sentou com a gente. Fui pro plenário e tinha uma sala fechada, com ar-condicionado, e estavam lá dentro Bush, Tony Blair, primeiro-ministro da Itália, da Alemanha, do Japão, e não podia entrar intérprete, tinha que entrar sozinho. Pensei: “Pô, o que eu vou fazer lá dentro?” Eu ainda falava Cueca CuelaJanuela… Aí o Celso falou pra mim “Lula, você entra lá e tudo que falarem vamos traduzir, você vai ficar dono da situação”.

O que me deu coragem? Esses caras, eu tô vendo a cara deles. Algum deles trabalhou em fábrica? Ninguém. Alguém já ficou desempregado? Ninguém. Alguém já acordou a 1h da manhã com rato nadando na beira da cama pra tentar se salvar? Alguém já acordou com barata tentando subir na sua cama? Alguém já acordou de manhã com merda boiando perto do nariz? Eu já. Então sabe de uma coisa? Vou falar mais grosso do que eles porque entre eles sou o único que já viveu o mesmo que o povo do país dele. E isso me deu muita tranquilidade pra ser muito autêntico. Sempre achei o seguinte: “Lula, você quer ser bem tratado por alguém, trate bem a pessoa”. Essa é uma máxima que vale para todos nós, trate as pessoas como gostaria de ser tratado e estará tudo resolvido.

Trajano: Queria falar do papel da sociedade diante dos desmandos desse governo absurdo de Jair Bolsonaro. Já houve manifestações de rua e temos uma greve geral marcada para sexta-feira (14). Como você vê essas manifestações e essa greve do dia 14.

Lula: Antes de falar da greve queria falar da sociedade brasileira. Muita gente pergunta: por que a sociedade brasileira não protesta com mais força? Tem um livro do Mia Couto em que ele diz assim: quando a sociedade está com medo ela muitas vezes se aproxima do monstro para pegar proteção. Foi o que resultou no Bolsonaro. Ele é resultado do pânico que os meios de comunicação e uma parte da elite brasileira criaram no Brasil sobre a política. O Bolsonaro funciona como se fosse o pior dos coronéis da política brasileira que a vida inteira foi combatido. Não só é presidente, como tem um filho senador, um deputado e outro vereador, além de 28 anos de mandato. E conseguiu se vender para a sociedade enraivecida que era antissistema.

Toda vez que elege um antissistema, a tendência é não dar certo na história do Brasil e do mundo. Por isso ele tem dificuldade para governar. Prefere ficar brincando com fake news e dizer que o (Paulo) Guedes entende de economia. O Guedes não está tratando a economia, está cuidado de destruir a seguridade social neste país e ir a Nova York dizer, com a maior cara de pau, que vai vender o Palácio da Alvorada, o Palácio do Planalto. A única coisa que vai sobrar é a cadeira do Bolsonaro, que ninguém quer. Ele não está governando, ele está brincando. Está destruindo. É mais fácil destruir. Para construir o Coliseu demorou quantos anos? Para destruir você precisa de meia dúzia de dinamites e explode aquilo em cinco minutos. Eles estão tentando destruir.

Por isso acho que a greve é importante, mas os dirigentes sindicais precisam ter consciência de que a greve tem que ter um propósito. Eles já fizeram um impeachment, já acabaram com os direitos trabalhistas, agora querem acabar com o sistema previdenciário solidário que é o que a gente tinha para criar um sistema de previdência em que o cidadão sozinho vai ter que pagar a sua parte, não vai ter partilha entre empresários e o governo, portanto esse cara vai ver o que vai acontecer com ele daqui a uns 10 anos… Tudo o que ele fala é juntar um trilhão. Pra que um trilhão? Pra pagar o sistema financeiro às custas do pobre desse país? Por que não há, na história recente da economia nenhum país que deu certo com esses ajustes fiscais, com esses cortes. Um país para dar certo tem que ter investimento no desenvolvimento, e quando a indústria não investe o Estado tem que ser o indutor da economia.

Juca Kfouri: O senhor um dia me disse que nunca teve problemas com os militares no seu governo e que eles não eram o problema, mas o capital financeiro.

Lula: Deixa eu te falar uma coisa, eu tive uma boa relação com os militares. Aliás, se você perguntar para qualquer general, qualquer general que tenha orgulho desse país… – porque general que não é nacionalista não merece ser general, general que aceita se subordinar a um presidente que bate continência para a bandeira americana não merece ser general. É preciso que o general tenha consciência de que ele existe para defender a soberania nacional. A soberania nacional começa pela nossa fronteira e começa por 210 milhões de almas que somos nós brasileiros que têm que ser protegidos pelas Forças Armadas. Depois tem as riquezas minerais, a riqueza de solo e subsolo, a riqueza do fundo do mar, tem a nossa água, nossa floresta e nossa biodiversidade, depois nossa tecnologia. Ou seja, é pra isso que as Forças Armadas existem, não é pra fazer guerra, é pra tentar evitar invasões de inimigos dentro do nosso país. O Brasil é um país que não tem contencioso com ninguém. O nosso último foi com o Paraguai há quase 200 anos atrás.

Teve generais que, diferentemente do Chile, diferentemente da Argentina, trataram de trabalhar a industrialização do Brasil. Não destruíram a indústria como destruíram na Argentina, eles tinham uma vocação nacionalista. Que acabou. Acabou porque eles estão destruindo a Petrobras. Não é a Petrobras, é uma quantidade de milhares de fornecedores da Petrobras. Quando a gente descobriu o petróleo, o pré sal, não tinha a dimensão quanto era – vocês entrevistaram o (geógrafo que atuou na descoberta do pré-sal Guilherme) Estrella – por isso que a gente cunhou a frase “passaporte para o futuro”, porque queria fazer refinaria para exportar derivados de petróleo, não exportar óleo cru como está fazendo agora e importando petróleo refinado, nós estamos importando gasolina.

Trajano: Vejo que você fica muito preocupado com a soberania nacional.

Lula: Fico preocupado porque não existe nada mais venal do que um administrador querer resolver o problema da sua empresa vendendo a sua empresa. Você não está resolvendo, está se desfazendo. Digo sempre para as pessoas mais humildes entenderem o seguinte: o cidadão casa. Aí a primeira crise de desemprego que tem, em vez de procurar emprego, de fazer bico, catar papel, fazer qualquer coisa, ele fala pra mulher “amor, vamos vender a geladeira?”. Aí a geladeira dá pra um mês. No mês seguinte, “amoreco, vou vender a televisão”. No terceiro mês, “amoreco, vamos vender a cama?” Vende a cama. Chega um dia que não tem mais nada pra vender, vai vender a alma ao diabo.

Este país não nasceu para ser uma republiqueta das bananas, nasceu pra ser líder de um bloco. É por isso que nós criamos a Celac e a Unasul, é por isso que estávamos dando força e ajudamos a criar o Brics. Por isso que a gente tinha o Ibas, que era Brasil África do Sul e Índia. Por isso que a gente fez encontro da África com a América do Sul, fez encontro do Oriente Médio com a América do Sul. Porque o Brasil tinha que disputar ser, na verdade, protagonista. Não tem essa de os Estados Unidos serem maiores que nós, a China… Olha, Deus queira que eles continuem crescendo, mas quero saber qual é o meu papel, qual é o papel do Brasil na história.

Juca Kfouri: Mas não é demais achar que o conluio de um juiz de primeira instância que fala “conje” (como senhor sempre disse, pegavam no seu pé porque falava “menas” e o ministro da Justiça do Brasil fala “conje”), um juiz com esse grupo de procuradores ter levado o país a essa situação? Fazer com a Petrobras o que está se fazendo com ela? Quem ganha com essa situação?

Lula: Você se engana quando pensa que foi o juiz. Eles só conseguiram fazer isso, primeiro porque tinham o respaldo, na minha opinião, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que os orientou. Senão, não tem explicação, a urgência dos diretores da Petrobras de pagar a dívida aos acionistas americanos pelo dinheiro da corrupção. Olha, se houve a corrupção e tiveram que pagar os acionistas americanos porque perderam, e os acionistas brasileiros, quem vai pagar? Segundo, a pressa de pagar se deve ao fato de o seu Dallagnol ter tentado criar um plano pra ter rum “fundinho” que tinha 2,5 bilhões da Petrobras, mais 6,8 bilhões da Odebrecht que chamo de “Criança Espernaça” do Dallagnol… É pra isso que tinham tanta pressa? É pra isso que tiveram que querem se desfazer da Petrobras?

Quero dizer para eles: se preparem porque uma hora o povo vai resgatar o seu patrimônio. Nenhum país do mundo se desfaz do petróleo como o Brasil está se desfazendo. Tem um livro sobre o petróleo que mostra o papel dos Estados Unidos, desde 1859, quando se descobriu petróleo no Texas, até hoje. Tudo o que aconteceu no mundo é em função do petróleo. Essa estupidez do governo brasileiro, de forma medíocre, apoiar um cidadão que se autoproclamou presidente da República na Venezuela, foi o maior vexame da História. Não tem precedente, na história da humanidade governantes de países importantes seguirem o Trump e legalizar teoricamente um impostor como o Gauidó. Imagina se a moda pega, ninguém respeita mais ninguém? Daqui a pouco tem um presidente proclamado na China…

Trajano: O José de Abreu se proclamou…

Lula: Se eu estivesse em liberdade tinha sido cabo leitoral dele porque achei bonito. Se tiveram a pachorra de apoiar na Venezuela, por que não fariam o mesmo aqui? Se aceitam aquilo como fato, por que não pode lançar aqui um presidente autoproclamado? Daí você acaba com a democracia, acaba com o processo eleitoral. Quem se comporta como eles, aquela palhaçada porque aquela cena dos caminhões do Brasil, eram duas caminhonetes que nem cheias de alimento estavam. Com o povo brasileiro passando fome… Acho que se alugém estiver assistindo aqui e puder mandar um recado para o Bolsonaro, manda o Guedes assistir, não sei em que programa que passou, um caminhão de lixo nos upermercado e o povo invaidno pra pegar ocmida. É importante saber que tínhamos acabado com a fome nesse país. Que eu tinha um grande sonho que era fazer com que as pessoas tivessem tomado café da manhã, almoçar e jantar todo dia. O Brasil produz alimento para isso.

Qual o sonho do Bolsonaro? É o Guedes juntar um trilhão para pagar o sistema financeiro. Não se fala em povo, não se fala em pobre.

Fico remoendo, não dou cabeçada porque não sou daqueles que dá cabeçada por causa dos outros, acho que o Moro deve estar dando mais cabeçadas do que eu. Porque não é todo mundo que está preparado para o sucesso. Esse Dallagnol, você vê a cara dele, não deveria mais pegar na Bíblia. Um cidadão que mente como ele não pode avocar Deus como ele faz toda hora. Não pode avocar bíblia. Porque ele sabe que Deus é onipotente como ele acredita, está sabendo que ele tá mentindo. Quando cria aquela expressão, faz um powerpoint, fica uma hora e meia na televisão para depois dizer: “Não me peçam provas, só tenho convicção”, deveria sair preso ou destituído.

Juca: Presidente, eu achava que ia encontrá-lo um pouco mais bem-humorado.

Lula: Falando do Moro e do Dallagnol não dá pra ficar bem humorado.

Trajano: Tivemos o Festival Lula Livre, com milhares de pessoas debaixo de chuva, aqui do lado a Vigília Lula Livre, todas as manifestações têm pessoas portando cartazes, camisetas Lula Livre. De que forma isso atinge a sua alma?

Lula: Olha, isso meio que me conforta na verdade. É o que me conforta porque saber que apesar do massacre Apesar do massacre que sou vítima – e não sou vítima agora não. Vocês dois que são dois jornalistas importantes, não sei se assistem, mas se pegarem todas as matérias do jornalismo da Globo não vão encontrar um segundo em 200 horas favorável ao Lula. E vão encontrar 200 horas favoráveis ao Moro e à Lava Jato.

Porque quando uma parcela do povo acredita… e sei que é difícil defender o Lula. Não é fácil. Eu sei o que as pessoas passam. As pessoas me contam. As pessoas me escrevem. Só tem um jeito da gente vencer: é não baixar o rabo. Quando um cachorro late pra você, por melhor que seja… porque o gato levanta fica olhando o cachorro e tem medo… porque nos temos de ter reação. Não tem ninguém, não tem um cara que chame você de ladrão no restaurante e ele não seja ladrão. Porque uma pessoa de bem não faz isso. Você pode saber que o cara que provoca no restaurante é 171. O que te provocou perto da sua casa é 171. Vá pegar o BO dele pra ver o que é que ele é. Porque um homem de bem aprende a conviver democraticamente. Então, você não sabe, Trajano, o carinho que eu tenho pelas pessoas, o carinho que eu tenho pelo povo brasileiro por esse acampamento aqui da vigília. Quase um ano e não sei quanto tempo já aí, todo santo dia: bom dia presidente Lula, boa tarde presidente Lula, às vezes sendo provocado. Então é gratificante. Eu me sinto o ser humano mais importante do mundo…

Juca: E para aquelas pessoas que dizem…

Lula: O que é grave é o seguinte. Nesse processo todo, o que me deixa assim diminuído como cidadão brasileiro que não poderia experimentar as instituições dizendo isso, essa molecada, da força tarefa, essa molecada, mais o Moro, eles conseguiram através dos meios de comunicação colocar pânico na sociedade. E não aceita nenhuma prova que não seja o que eles querem. Então você veja: quando o Leo denunciou, o Vaccari fez uma carta desmentindo o Leo, porque o Leo tinha dito que tinha conversado com ele…

Juca: Leo Pinheiro da OAS?

Lula: Moro não aceitou a carta. Na chácara de Atibaia, o Jacó Bittar (dono do sítio de Atibaia) mandou uma carta e o Moro também não aceitou. Tem um advogado da Odebrecht, Tacla Duran, que está na Espanha, esse cara se ofereceu mil vezes como testemunha e o Moro não aceitou. Ou seja, eu tive 87 testemunhas me defendendo e o Dallagnol não apareceu em nenhuma audiência. Eu dizia pros meus advogados: gente… eu não precisava de advogado… se tem alguém que conhece do meu processo sou eu, processo que tem 100% decisões políticas. 100% decisões politicas. Não tem nada de processo. E cada um que vier, vocês vão ver uma coisa mais escabrosa.

Agora, o que que eu acho? O que aconteceu agora é importante pelo seguinte: eu acho que para bem deste país, a Suprema Corte tem de ter a coragem de assumir o papel de guardiã da Constituição. Por que não tem exemplar no mundo de um juiz de primeira instancia mandar em todas as outras instâncias. Sabe? Esses meninos ameaçaram fazer greve de fome contra a Suprema Corte. Você viu que essa moça que dá declaração na entrevista do Glenn, essa moça esculhamba o Poder Judiciário…

Juca: Chama de mafiosos…

Lula: Chama de mafiosos. Então você tem várias instâncias que foram sendo acuadas pelos meios de comunicação, porque ninguém quer ser vaiado no restaurante, na…

Juca: Presidente, deixa eu interromper…

Lula: … é preciso recuperar a autoestima e fazer esse país voltar a funcionar. Todo e qualquer bandido na cadeia. Todo corrupto e corruptor na cadeia. Mas não vamos quebrar o Brasil por conta disso.

Juca: O senhor não precisa falar para as pessoas que fazem a campanha do Lula Livre, que põe camisetas do Lula Livre, que estão aqui acampadas ou que foram ao show lá em São Paulo, calcula-se 80 mil pessoas, em dia de chuva, sabendo que era Lula Livre. Não era manifestação que levantasse outras bandeiras. Mas o problema que o senhor tem, eu acho, é com aquelas pessoas que se dizem arrependidas de terem votado no PT, que se sentem traídas pelo PT. O que dizer para essas pessoas?

Lula: Olha, alguém que se sentiu traído pelo PT não poderia ter votado no Bolsonaro. Se o cara se sentiu traído pelo PT poderia ter votado em uma coisa melhor. O Boulos foi candidato. O Ciro, embora não mereça o voto, que ele é muito grosseiro, mas o Ciro foi candidato. Sabe… A Marina foi candidata. A vingança… olha, não é porque quero me vingar de você que vou pegar o martelo e bater no meu dedo. Não está se vingando. Está sendo um babaca. Porque dar de presente ao Brasil o Bolsonaro é dar de presente ao Brasil o pior tipo de político que o Brasil podia ter.

Juca: Então o senhor não acreditava que seria possível ele se eleger, acreditava?

Lula: Nem eu, nem ele. Eu duvido que o Bolsonaro acreditasse um mês antes. Duvido. Agora, eu, sinceramente (solta um risinho), aquela facada… pra mim tem alguma coisa muito estranha… tem uma coisa muito estranha. Uma facada que não aparece sangue em nenhum momento, uma facada em que o cara que dá a facada é protegido pelo segurança do Bolsonaro… eu conheço segurança de palanque… (se é comigo) eu teria que pular em cima do segurança… o cara que é protegido pelo segurança do Bolsonaro, a faca que não aparece em nenhum momento… sabe, tem muita história estranha, suspeita, o cara que não vai em nenhum debate…

A Globo, quando eu não fui a debate em 2006, eu era presidente, ela colocou uma cadeira vazia. O Bolsonaro não foi em nenhum debate e a Globo deixou para lá. Porque o objetivo da Globo, embora não goste do Bolsonaro, era não ter o PT. Este era o objetivo. Eu sei que a Globo não gosta quando eu falo isso. A Globo, pela responsabilidade da audiência, deveria ser mais séria, tratar com mais respeito a opinião pública. Agora o cara que planeja todas aquelas matérias, todas aquelas mentiras, ninguém conhece ele. Não aparece em jornal, não aparece fotografia dele, ninguém sabe onde ele mora. Não sei se é o Ali Kamel, não sei se ele que aprova tudo aquilo. Porque o Bonner não escreve aquelas matérias. O Bonner acho que lê tudo no teleprompter, né?

Trajano: Ele escreve também. Mas tem um superior a ele, ou vários superiores…

Lula: Que manda. Então não é possível que alguém perca tanto respeito pela sociedade que não tenha compromisso com a verdade. Nesse caso do Neymar, eu não posso dizer que o Neymar tem culpa, nem que a moça está mentindo, não posso dizer, não conheço nada. Mas a pressa e a voracidade com que a Globo foi para tentar inocentar o Neymar de pronto, foi um negócio absurdo. Ora, até pode ser inocente. E Deus queira que seja inocente, porque não é plausível que um menino que é símbolo maior do esporte brasileiro seja um estuprador. Mas vamos dar um tempo para investigar para a gente poder dar pra sociedade… 

Trajano: Ele escreve também. Mas tem um superior a ele, ou vários superiores…

Lula: Que manda. Então não é possível que alguém perca tanto respeito pela sociedade que não tenha compromisso com a verdade. Nesse caso do Neymar, eu não posso dizer que o Neymar tem culpa, nem que a moça está mentindo, não posso dizer, não conheço nada. Mas a pressa e a voracidade com que a Globo foi para tentar inocentar o Neymarde pronto, foi um negócio absurdo. Ora, até pode ser inocente. E Deus queira que seja inocente, porque não é plausível que um menino que é símbolo maior do esporte brasileiro seja um estuprador. Mas vamos dar um tempo para investigar para a gente poder dar pra sociedade.

A moça virou vagabunda antes de qualquer possibilidade de provar que não era. Eu não sei o que era, será que em Paris não tem uma mulher, que o Neymar precisava mandar buscar uma no Brasil, pagar passagem, hotel, sabe? Eu só estou dizendo isso pra mostrar o seguinte: é preciso mais seriedade. Eu tenho que ser sério, a Globo tem que ser séria, a Justiça tem que ser série, a sociedade tem que ser séria, pra gente construir um país melhor.

Juca: Ainda sobre os arrependidos de ter votado no PT, o senhor acha que se arrependeram por que queriam mais, o que é natural, e não foram atendidos?

Lula: Em um artigo que eu escrevi, publicado no New York Times, eu disse que o povo tinha aprendido a comer contrafilé, e que agora queria filé. E é normal. A coisa mais normal no ser humano é você subir um degrau e depois querer subir outro. Você tem que entender que quanto mais você fizer com que o povo obtenha conquistas, mais ele quer conquistar. Esse não é o problema, essa é a coisa mais nobre da democracia. O que aconteceu no Brasil foi outra coisa. É o fenômeno que o Jessé  (o sociólogo Jessé Souza) descreve muito bem no livro dele sobre a classe média brasileira. Você tem um segmento da sociedade que não aceita a ideia de as pessoas mais humildes chegarem próximo dele. Ou seja, você colocar gente pobre da periferia para fazer, através de bolsa de estudo do ProUni ou do Fies, as melhores faculdades privadas do país ou nas melhores públicas do país, as pessoas não aceitam. Você vê as pessoas começarem a comprar carro novo, começarem a frequentar restaurante, teatro, a frequentar o Ibirapuera? E pegar avião, então? Nego ir pro Piauí de avião, ir pro Ceará de avião, não querer mais ir de ônibus. Tudo isso incomoda uma classe média que estava acostumada com este país sendo governado para 35% da população. Quando nós resolvemos governar o Brasil

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