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O salto da desigualdade e a falácia do ‘milagre econômico’ durante a ditadura

Nos 60 anos do golpe civil militar, o economista Marco Antonio Rocha conversou com o IL sobre o boom de desigualdade que ocorreu no país durante o período militar


O salto da desigualdade e a falácia do ‘milagre econômico’ durante a ditadura

Mesmo com o crescimento econômico e criação de empregos no período militar, os salários foram achatados e a distância entre ricos e pobres cresceu. É o que explica, em entrevista ao Instituto Lula, o economista e professor do Instituto de Economia da Unicamp, Marco Antonio Rocha. 


Através do achatamento do salário-mínimo e o enfraquecimento dos sindicatos, entre outros fatores, o golpe investiu contra os direitos e conquistas dos trabalhadores. 


“A ideia de milagre representa o período de crescimento, ou pelo menos induz a uma certa noção de um período de crescimento. Esse nome é pego de empréstimo em relação à experiência de crescimento de alguns países no pós-guerra: milagre italiano, milagre japonês. E uma certa noção de que esse período havia chegado no Brasil, a partir de 1968, sobretudo com a retomada do crescimento. De fato, a gente teve um período de 1968 até a segunda metade da década de 1970 de média de crescimento em torno dos 10%. O problema foram as bases em que esse crescimento foi feito, apoiado em uma determinada opção de industrialização que o Brasil passou a seguir a partir de 1964”, explica Marco Antônio Rocha.


No início da década de 1960, durante o governo Jango, o Brasil experimentou um crescimento do mercado doméstico a partir do reforço das leis trabalhistas, da política de salário-mínimo e da reforma agrária. Condições que criariam um país de consumidores, com uma classe média que sustentaria um crescimento industrial mais equilibrado. O ‘milagre econômico’ da ditadura representou um crescimento baseado na opção que foi o oposto disso.


O crescimento durante o período militar foi baseado no aumento da capacidade de consumo das classes altas, do arrocho do salário-mínimo e consequente perda da capacidade de compra do trabalhador. A partir do golpe de 64, segundo o economista, o desenvolvimento econômico do país adotou um perfil altamente excludente.


Rocha afirma que o ‘milagre econômico’ do período militar criou e estruturou as condições de crescimento que o Brasil enfrenta até hoje. “Um crescimento que é muito baseado no endividamento das famílias, o crediário, essas modalidades de compra parceladas foram possíveis a partir das reformas financeiras que se seguiram ao golpe de 64 e que tiveram efeito na capacidade de crédito de expansão do crédito doméstico que, de certa forma, também sustentou o milagre.” 


A desvalorização do salário-mínimo e enfraquecimento da classe trabalhadora


A partir do golpe de 1964, e mais intensamente em 1968, a possibilidade de um desenvolvimento dentro de uma sociedade mais igualitária, baseada no fortalecimento do consumo das classes médias urbanas, na melhor distribuição tanto das áreas rurais quanto também do solo urbano foi descartada. 


"As políticas implementadas em 1968 impuseram o congelamento do salário-mínimo, quer dizer, do represamento dos repasses inflacionários, da indexação inflacionária para o salário-mínimo, que representou uma queda real de cerca de 50% do salário-mínimo. Além do fechamento dos sindicatos, perseguição das lideranças sindicais; tudo isso enfraqueceu a capacidade combativa, a capacidade de barganha do trabalho frente ao capital", destaca o economista.


Tais políticas resultam no distanciamento dos rendimentos da base da pirâmide para o topo da pirâmide, aumentando ainda mais a capacidade de consumo das classes altas brasileiras, que sustentaram uma indústria sem capacidade de grande escala, e que se tornou refém do progresso tecnológico trazido via capital estrangeiro. 


O aumento da dívida-externa 


Outro ponto importante destacado por Rocha é como o perfil da industrialização da época gerou um aumento significativo da dívida externa brasileira.


"A industrialização foi montada no que a gente chama de esquema de tripé, quer dizer, com as empresas públicas tendo seu lugar específico na organização do setor industrial, com capital nacional entrando em certas áreas muito vinculadas às oportunidades de negócio criadas pelo próprio Estado, e o setor estrangeiro, o capital estrangeiro entrando nos setores de maior sofisticação tecnológica e nos setores mais dinâmicos", afirma Rocha.


Esse crescimento industrial baseado no capital estrangeiro e na capacidade de dinamismo tecnológico trazida por esse capital foi responsável por triplicar a dívida externa brasileira.  Ao deixarem o poder em 1984, a dívida externa criada pelos militares representava 54% do PIB, quase quatro vezes maior do que na época em que tomaram o poder em 1964, quando o valor da dívida era de 15,7% do PIB.


O fracasso da ditadura abre a porta para o neoliberalismo nos anos 1990 


Para Rocha, a falência do modelo econômico herdado da ditadura legitima o neoliberalismo da década de 1990 frente à população que via realmente a falência de um projeto de desenvolvimento levado adiante pelo Estado.


"O fortalecimento, por exemplo, de certos mecanismos como a Petrobras ou como o BNDES, que são necessários e fundamentais para o desenvolvimento nacional, são instrumentos que deveriam ser criados em outro contexto mais equilibrado de desenvolvimento. O questionamento da capacidade do Estado em ser um indutor do desenvolvimento, o questionamento do papel das empresas estatais e dos bancos públicos enquanto instrumentos de desenvolvimento nacional, em última instância, abre a porta para toda reforma, toda transformação neoliberal que se seguiu nos anos 1990", reflete Rocha. 


Confira abaixo a entrevista completa




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