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A relação África e China no contexto do Cinturão e Rota

O último Diálogos Brasil África de 2024 traz a professora Elsa Sousa Kraychete, do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos da Universidade Federal da Bahia


A relação África e China no contexto do Cinturão e Rota

“Andando pelas ruas de Maputo, Luanda, África do Sul, percebe-se uma presença chinesa muito grande.” E essa presença é, além de física, principalmente nos investimentos realizados pela China nos países do continente africano. O relato é da professora Elsa Sousa Kraychete, do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A convidada do último Diálogos Brasil África deste ano, realizado no dia 10/12, falou sobre a relação entre China e o continente africano no contexto da Rota da Seda. 


“Como economista, trabalho com as relações econômicas e comecei a trabalhar os investimentos chineses sobretudo na África Subsaariana”, explica a professora Elsa. “A partir da discussão da Rota da Seda, pareceu-me que havia um outro tipo de presença que não se resumia à questão da geoeconomia, da exploração petrolífera e de recursos minerais.”


A relação da China com países africanos não é nova. “Não é uma relação que começa agora, nos anos 2000, quando a China se abre para a realização de investimentos, qualifica melhor sua diplomacia com os países do terceiro mundo, suas relações comerciais. A região do Oceano Índico era um grande trafego de embarcações comerciais em datas muito longínquas”, ressalta ela. “A China teve participação muito forte no apoio às lutas anticoloniais, sobretudo dos anos 1960 até o início da década de 1970, quando os últimos países se tornaram independentes. Então são relações muito antigas, e o povo, os governos africanos reconhecem muito essa contribuição da China nesse período. São relações que eles cultivam com muito interesse. E do meu ponto de vista ultrapassa as relações de investimento, as relações comerciais.”


Geoeconomia no foco da China 

Os fatores geoeconômicos são outro ponto relevante dessa relação. “A China, a partir das suas reformas, nos anos 1970, tem três décadas de crescimento continuado a taxas bastante elevadas, em torno de 10%”, lembra a economista. “E ela não é capaz de, a partir de seus próprios recursos, abastecer seu sistema produtivo para que continue com todo vigor que ele vem demonstrando. Precisa sempre buscar recursos energéticos, sobretudo petróleo, gás. E também recursos minerais.” 


E desse ponto de vista também a África é muito importante porque detém grandes reservas petrolíferas, grandes reservas de gás. “E ainda tem um sistema pouco explorado, na medida de que seu desenvolvimento não foi tão acelerado como aconteceu na América Latina. Ainda tem muitos recursos disponíveis na África e isso faz intensificar essas relações”, informa Elsa Kraychete. 


Além disso, a África dispõe de terras para exploração agrícola, uma parte do seu território ainda a ser ocupado. “E uma das estratégias das relações comerciais da China é buscar alimentos. Afinal de contas ela precisa alimentar 1 bilhão e 400 mil pessoas aproximadamente. O governo não quer repetir, é um povo que passou por períodos de muitas carências, inclusive do ponto de vista de abastecer com alimentos sua população, dado ao isolamento a que foi submetida a China nos anos 1950 e 1960, após a revolução”, avalia a professora. 


E a África dispõe de terras a serem exploradas, água doce, um recurso cada vez mais disputado, para possibilitar o crescimento da agricultura com base na irrigação. “E materiais estratégicos como coltan, cobre. Além de ter um potencial de mercado consumidor”, afirma a economista. 




Riquezas africanas

“Esse primeiro mapa da África mostra o tipo de riquezas minerais que esses países têm no seu subsolo”, explica a professora. “É muito importante ver que, por exemplo, a República Democrática do Congo, um país com muitos conflitos internos, que não consegue deslanchar seu desenvolvimento, de extrema pobreza, com IDH muito baixo, mas detém uma reserva de recursos minerais: tem petróleo, cobre, cobalto, coltan, altamente cobiçado porque entra na composição de chips etc. É um país onde a China tem grandes investimentos. Agora, são investimentos que vai lá e explora. E a República Democrática do Congo não tem um projeto de desenvolvimento capaz de aplicar melhor os recursos adquiridos com as exportações.”


O Sudão é outro país onde a China tem investimentos sobretudo na área de petróleo. O Egito com petróleo e gás. A África do Sul com petróleo, ouro, diamante. 


“No mapa, vê-se que todos os países estão pontuados, sobretudo com petróleo e gás, dos quais praticamente todo o continente africano tem reservas mineral e energéticas”, aponta Elsa Kraychete.


A professora lembra que a África do Sul é um país do Brics e tem uma relação comercial e de investimentos muito forte com a China. É o primeiro da lista. O segundo é a República Democrática do Congo. “Falei da sua riqueza, embora seja um país extremamente pobre, e os investimentos são de exploração de recursos minerais”, diz ela. 


O terceiro vai ser a Zambia, com cobre. A Nigéria, com petróleo e gás é o quarto lugar. Angola aparece como quinto, muito petróleo. O Sudão também. Aí vem a Etiópia e a Tanzânia, mais para o leste da África, com investimentos na agricultura. “Se eu pego a primeira fase dos investimentos chineses em países africanos, são basicamente orientados para esse setor”, afirma a economista. 


Depois, os países que mais exportam para a China: África do Sul, Nigéria, Quênia, Gana e Angola. “Todos grandes produtores, com exceção da África do Sul que precisa ser analisada em outro contexto, não apenas de recursos minerais, de petróleo”, observa Kraychete.  


Os maiores importadores são Angola, Congo e Zâmbia. “Quando se abre essa pauta de importação, ela é em geral de produtos de bens de consumo. Ou seja, a África exporta muita matéria prima e importa produtos industrializados, manufaturados.”



Investimentos geoestratégicos

Elsa Kraychete conta que fez esse estudo pegando muito a África Subsaariana. “Mas a partir da Rota da Seda eu acho que tem um outro aspecto que a gente precisa analisar: como aumentam os investimentos na região que vai do Quênia até o Egito”, diz ela. “O mapa da Rota da Seda aponta cinco rotas, saindo do leste da China e indo até Roterdã chegando na Grécia, Veneza. Mas essa rota marítima ela desce e vai até Nairóbi, a capital do Quênia.” 


Para a economista, a China tem um objetivo interno para a África, da sua política, e também quer se livrar dos custos e da instabilidade que é depender do Canal de Suez, daquela região do Mar Vermelho, do Golfo, para transacionar seus produtos.