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Cooperativismo de plataforma: saída contra precarização

Instituto Lula promove debate sobre como trabalhadores de plataformas digitais podem encontrar na economia solidária formas de enfrentar más condições de trabalho e de renda


Cooperativismo de plataforma: saída contra precarização

Divulgação

Instituto Lula promove debate sobre como trabalhadores de plataformas digitais podem encontrar na economia solidária formas de enfrentar más condições de trabalho e de renda

A economia solidária e a organização dos trabalhadores de aplicativos em cooperativas pode ser uma saída contra a precarização do trabalho. Essa é a principal conclusão do debate promovido pelo Instituto Lula nesta segunda-feira (8). No âmbito do projeto Velhas e Novas Desigualdades na Era Digital, um time de especialistas falou sobre seus estudos e experiências com o cooperativismo de plataforma .

Mediadora do debate, a pesquisadora Vanessa Costa comentou sobre um estudo realizado pelo Instituto Lula que ouviu 25 trabalhadores de quatro estados do Brasil sobre sua atuação via plataformas digitais. Uma das conclusões aponta que 61% dos participantes trabalham exclusivamente por aplicativo. Desses, 48% atuam tanto nos aplicativos tradicionais quanto nos alternativos organizados por trabalhadores; 28% somente nos tradicionais e 24% nos de trabalhadores.

As iniciativas do cooperativismo de plataforma cada vez mais atraem os trabalhadores. Mas é preciso muito debate para criar consciência em relação à força desse cooperativismo e sobre como a tecnologia pode impulsionar e ajudar a se conectar à economia digital global.

Os especialistas convidados comentaram modelos de cooperativismo de plataforma e formas de atuação, inclusive em outros países, para fazer valer os direitos desses trabalhadores. Acompanhe o debate:


Organização coletiva

Gestora pública e coordenadora executiva de trabalho e economia criativa e solidária da prefeitura de Araraquara, Camila Capacle falou sobre a experiência com o aplicativo municipal. A demanda foi apresentada à prefeitura pelos próprios trabalhadores de aplicativos. Eles procuraram o programa de cooperativismo municipal para enfrentar as questões relacionadas à precarização do trabalho, das suas condições de vida. A prefeitura, então, passa a trabalhar com alternativas para gerar trabalho e renda por meio do trabalho decente da economia solidária. “Assim a gente começa a auxiliar na estruturação desses trabalhadores por meio da organização coletiva em cooperativas de trabalho. E começa a pensar em ferramentas tecnológicas, em novos aplicativos em que essas cooperativas possam ter autonomia do seu meio de produção, do seu bem maior que é sua força de trabalho. Que eles possam tomar suas próprias decisões”, relata Camila.

A ferramenta de aplicativo própria criada beneficia principalmente a valorização do trabalho humano. “Temos trabalhado intensamente nessa organização e na parte tecnológica, digital. São pessoas que na grande maioria não tiveram inclusão digital. São desafios que se somam e se multiplicam e que vamos tentando desbravar”, disse, relatando que contam com os pesquisadores, com o Instituto Lula, para ter acesso a novas soluções que o campo do conhecimento proporciona.

Pandemia agravou precarização

Mediadora do debate, a pesquisadora Vanessa Costa pontou que no estudo realizado pelo Instituto Lula, metade dos trabalhadores disse que antes da pandemia não trabalhava via aplicativos.

A professora da Julice Salvagni, do Departamento de Ciências Administrativas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), observou que em uma série de atividades, principalmente na área de cuidados, os trabalhadores viram suas oportunidades de trabalho totalmente interrompidas. “Isso fez com que na pandemia muita gente se visse desassistida. Houve aumento da demanda por entregas e muito gente passou a entrar nessas plataformas. Mas elas não criaram demandas de trabalho, simplesmente pegam a demanda de trabalho e intermediam, o que é muito problemático. Já havia quem entregava e muitas vezes eram pessoas com trabalho, carteira assinada, direitos garantidos.”

O contexto de desemprego e de crise sanitária agravou essa situação de precarização, reforçou ela.  “As plataformas viram um terreno fértil pra se ampliar e exercer sua exploração com muita tranquilidade e liberdade. Então, o que a gente viu nesse contexto de pandemia foi sim uma perda maior dos empregos com alguma segurança para a entrada das pessoas nesse trabalho sazonal, esporádico e sem garantia nenhum que é o trabalho precarizado das plataformas. Esse contexto mostrou a falta de responsabilização dessas plataformas em relação aos trabalhadores.”

Ela ressalta que, por outro lado, cresceu a organização dos trabalhadores, a mobilização em busca de direitos trabalhistas. “Esse mesmo contexto é muito favorável à criação do cooperativismo de plataforma. Vários dos empreendimentos que temos observado, são arranjos colaborativos como formas de resistência a esse modelo hegemônico, predatório, que está posto.”

Resistência e novos modelos

O pesquisador Victor Barcellos, da equipe de mídias do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), lembrou que no Brasil as plataformas encontraram um cenário com vários benefícios econômicos para se desenvolverem. E a pandemia escancara a dependência a essa economia digital. “Para as pessoas sobreviverem ao longo da pandemia o trabalho dos entregadores foi fundamental. E isso se tornou um hábito.”

Para ele, isso não é um acaso. “As plataformas têm estratégia muito clara de transformar seus produtos e serviços em necessidade. Nos primeiros anos de existência elas buscam oferecer as maiores vantagens possíveis para os usuários, tendo até prejuízo. A partir do momento em que esse serviço seja totalmente indispensável, passam a monetizar e aumentam os preços”, detalha. “Mas se isso às vezes pende mais para o usuário ou para a empresa, em nenhum momento isso pende para o trabalhador que é quem de fato sustenta toda essa estrutura”, critica.

Citando o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), Victor observa que onde há poder, há resistência. “Se a gente está vendo uma escalada da precarização do trabalho é também uma grande oportunidade para colocarmos resistência a isso e propor novos modelos. É um momento desafiador, mas também muito propício para pensar e criar coisas novas.”  

Leia mais: Gate analisa regulação mas plataformas; leia boletim 

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