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Produção de alimentos na África é questão de segurança internacional

Artigo de Irene Vida Gala, Embaixadora do Brasil em Gana, discute a necessidade de aumentar a produtividade para garantir o acesso aos alimentos e um crescimento econômico sustentável


Produção de alimentos na África é questão de segurança internacional

Estudante em escola primária de Freetown, Serra Leoa. Foto: Dominic Chavez/World Bank

Do Por Dentro da África

Por Irene Vida Gala, Embaixadora do Brasil em Gana

Em 2050, a população mundial deverá alcançar 9,7 bilhões de pessoas, das quais 2,4 bilhões estarão na África. Um dos desafios associados a essa cifra diz respeito à produção de alimentos e à segurança alimentar. Nesse contexto, o aumento da produção agrícola no continente africano passou a ser não apenas uma estratégia de desenvolvimento social e econômico, mas sobretudo um imperativo de segurança internacional.

Por essas razões, a transformação da agricultura africana converteu-se em item frequente na agenda internacional. Em julho último, por exemplo, durante sua presidência da União Europeia, o governo da Holanda realizou um encontro de Ministros da Agricultura da África e da UE. Anteriormente, em 2009 e depois em 2011, o G-8 listou, entre suas prioridades, a segurança alimentar e o apoio à agricultura na África. Em 2011, o Fórum Econômico Mundial lançou plataforma específica para mobilização de investimentos estrangeiros destinados à agricultura naquele continente.

A nítida atenção das lideranças mundiais à evolução da agricultura na África coincide também com o expressivo crescimento econômico no continente – média de 5,8% a.a. na África Subsaariana entre 2006 e 2015 (contra 8% nas economias emergentes da Ásia e 3,4% na América Latina), que deve ser creditado menos (cerca de 30%) à fase do boom das commodities, e mais a outros fatores, como melhorias nas gestões macroeconômica e política, rápida urbanização e aumento do consumo doméstico, investimento estrangeiro em ascensão e expansão dos mercados regionais, com impacto positivo no setor de serviços, de transporte, comunicações e mesmo nas manufaturas.

Aos bons indicadores econômicos somam-se, ainda, o fortalecimento dos regimes democráticos e a redução de conflitos armados, além de consideráveis avanços no campo social, dos quais a diminuição significativa da mortalidade infantil e da incidência de AIDS, tuberculose e malária são testemunho.

Combinado a esses elementos, está o fato de 60% de terras aráveis e ainda não cultivadas no mundo estarem no continente africano, que segue marcado pela baixa produtividade agrícola (10 ton/hec) e reduzida participação (10%) na produção mundial. Sem embargo, a agricultura africana vem registrando taxas expressivas de crescimento (160%, contra 174% na América do Sul), especialmente no setor de grãos (40% desde 1990, contra 164% no Brasil).

O aumento decorre da expansão da área plantada (1% a.a.), que corresponde atualmente a 20% do conjunto das terras propícias à agricultura na África, e da incorporação de mais mão de obra. Não há registros de ganho de produtividade.

O potencial de crescimento da agricultura na África contrasta, por sua vez, com as limitadas possibilidades em outras regiões, particularmente na Europa, impulsionando, assim, o fluxo de investimentos externos. A maior parte desses investimentos orienta-se, atualmente, para um fenômeno sem precedentes de aquisição de terras, parte delas destinada à agricultura.

Entre 2012 e 2013, foram adquiridos 7,7 milhões de hectares na África Ocidental, dos quais 86% por investidores estrangeiros. Estima-se que 25,7% desse total serão ocupados por atividade agrícola. Em todo o continente, a ONG OXFAM informa que, entre 2008 e 2009, 30 milhões de hectares de terras foram vendidos a investidores estrangeiros para produção de matéria prima para a indústria de alimentos e de biocombustíveis. Os principais compradores vêm da China, Japão, estados do Golfo e União Europeia, mas também da Malásia, com nítida participação de fundos de investimentos internacionais.

Em sua grande maioria, essas aquisições ainda não se fazem seguir de investimento produtivo, e é consensual entre as lideranças africanas a necessidade de reformas no tocante à questão fundiária. A execução dessas reformas avança, todavia, de forma lenta, e os principais beneficiários podem ser países como Etiópia, Nigéria e Senegal, que já executam políticas para garantir segurança jurídica aos titulares de terra.

No Senegal, por exemplo, com o apoio do Banco Mundial e da agência norte-americana de desenvolvimento (USAID), o governo vem desenvolvendo um programa de promoção de venda de terras que alcança 844 mil hectares.

Em outros países, como Gana, também a USAID apoia, desde 2011, a criação de um inventário de terras disponíveis para o investimento estrangeiro. Nesse caso, os resultados são ainda poucos, pois o governo ganense conseguiu, em cinco anos, listar apenas 1 mil hectares, contra a meta de 10 mil hectares.

De toda forma, há progressos em um continente cujos governos comprometeram-se a investir 10% dos respectivos orçamentos nacionais na promoção sustentável da agricultura com o objetivo de eliminar a fome e reduzir a pobreza. Pactuaram, igualmente, converter a agricultura tradicional em atividade geradora de rendimentos e dínamo do crescimento africano.

As metas acordadas no âmbito da União Africana são de crescimento de 6% a.a. na agricultura, com ênfase no estímulo às cadeias de valor e ao agronegócio. Nas políticas continentais e regionais, observa-se o propósito de aumentar a produtividade com a preservação dos recursos naturais e absorção de mão de obra, bem como de promover a adaptação às mudanças climáticas.

Reunidos em Dacar, em outubro último, autoridades continentais anunciaram ainda o objetivo de fazer da África um exportador líquido de alimentos, procurando, por exemplo, posições de liderança em cadeias de valor do café, cacau, algodão e castanha de caju.

FAOOs parceiros internacionais acompanham ou até mesmo estimulam esses movimentos, com programas e estratégias orientadas para a transformação do setor agrícola na África. São várias atividades, algumas delas coordenadas, promovidas pelos governos dos EUA, da UE, da Suíça, do Japão e da Coréia do Sul, entre outros, e também das agências de cooperação internacional, às quais se somam instrumentos financeiros de fontes públicas e privadas, que estão fazendo fluir recursos para investimentos privados no continente.

Em 2010, excluindo a participação do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), os investimentos estrangeiros na agricultura africana foram de US$ 1,8 bilhões. Em 2011 e 2012, somaram US$ 1,8 bilhões e US$ 5,1 bilhões, respectivamente, com prioridade para as culturas de arroz, óleo de palma, cana de açúcar e madeira. O BAD, por sua vez, entre 2011 e 2012, investiu US$ 612 milhões por ano em agricultura e no agronegócio, e, para 2016, os projetos em análise somam investimentos de US$ 2,4 bilhões.

Importantes investidores são o Internacional Financial Corporation, ligado ao Banco Mundial, o Banco Europeu de Investimentos e instituições financeiras dos governos da França, Holanda, Alemanha e Noruega, este último utilizando o seu Fundo soberano para alavancar recursos de outras fontes. Segundo o BAD, a agricultura africana necessita de investimentos da ordem de US$ 315 a 400 bilhões até 2025, e a instituição financeira africana deverá comparecer com US$ 24 bilhões, oferecendo produtos financeiros para garantia de outros investimentos.

O foco da agenda de transformação da agricultura africana são os mercados nacionais e regionais. Em 2013, a demanda por alimentos na África movimentava um comércio de US$ 313 bilhões, e o Banco Mundial estima que esse número deverá chegar a US$ 1 trilhão em 2030, quando a população do continente será de 1,5 milhões de pessoas.

Com raras exceções, os empresários brasileiros mantém-se ainda estranhamente distantes desse processo de transformação no continente africano. Na qualidade de potência agrícola, o Brasil tem apenas dez projetos na África associados à agricultura ou ao agronegócio, segundo recente levantamento feito pelo Itamaraty junto às embaixadas brasileiras.

Como o Brasil tem notável vantagem comparativa, certamente ainda há tempo para organizar uma estratégia conjunta, envolvendo os setores público e privado, para assegurar participação brasileira nas promissoras oportunidades de negócios que vão surgindo na África.

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