No terceiro encontro de 2024 da Iniciativa África, série de debates promovida pelo Instituto Lula, professor Beluce Bellucci apresenta perfil atualizado do continente africano
07/05/2024 18:05
“Como superar a miséria extrema na África? Como eliminar a reprodução do subdesenvolvimento? E ao mesmo tempo garantir a soberania nacional?” Essas foram as principais questões colocadas em debate pelo professor Beluce Bellucci, no último dia 29 de abril, no Instituto Lula, durante o terceiro encontro do projeto Iniciativa África. A série de debates promovida pelo IL conta com a participação de representantes do movimento negro, dos trabalhadores, especialistas em África, além de parlamentares e ex-ministros dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Em sua apresentação, Belluci ressaltou que não adianta eliminar a miséria, mas continuar reproduzindo aquilo que produz miséria. “E como questão resultante disso entra como resolver os conflitos para garantir a paz e a segurança, como ter democracia. Como desenvolver as outras lutas sociais: a luta pela terra, pela água, as lutas ecológicas?”
Para ele, resolver a questão da democracia não resolveria tudo. “Ela é um meio, não um fim. E tem sido utilizada como instrumento para manter um determinado status quo de dominação e de exploração das pessoas.”
O professor avalia que tem de se partir do que se tem, com o povo que se tem. E melhorar as condições de vida desse povo. “E esse povo vive hoje pior do que vivia nos tempos coloniais”, segundo o professor, “no dizer dos próprios africanos”.
Beluce Bellucci é doutor em História Econômica pela USP, ministra aulas com ênfase em história contemporânea da África e no processo de globalização. Na Universidade Cândido Mendes coordenou o curso de História da África e do Negro no Brasil. É graduado em Desenvolvimento Econômico e Social e mestrado em Desenvolvimento Agrário pela Sorbonne.
O estudioso critica os modelos políticos e econômicos implantados no continente, que aumentam a miséria e a desigualdade. “Grande parte da população passa fome, tem privações básicas. Uma crise humanitária em todos os sentidos.”
Os grandes eixos de luta na África, explica, são semelhantes ao resto do mundo. A atualidade africana revela fortes semelhanças entre os desafios das lutas da África e o resto do planeta, mesmo que conserve sua diversidade política.
“Os piores índices de desenvolvimento humano estão na África”, lembrou, apresentando mapas sobre as divisões territoriais e políticas do continente africano. E destacou a região do Sahel, terreno em desertificação, logo abaixo do Saara. Lá está grande parte da matéria prima – notadamente minérios e petróleo – explorada por países como China, Estados Unidos, Rússia. Conflitos, golpes de Estado, se concentram nas regiões onde há essas matérias primas importantes: Sahel, Congo, Etiópia, Senegal.
“Do ponto de vista objetivo estamos entrando num novo ciclo africano”, conclui o professor. “As forças produtivas vão se organizar de uma nova maneira, assim como as classes sociais. Mas do ponto de vista subjetivo, nada está claro”, afirma. “No passado haviam doutrinas que orientavam essas lutas. Agora ainda não há. Os golpes de Estado podem ser revertidos. O caminho está dado.”
O professor Bellucci falou também sobre os ciclos anteriores na África, a partir do final do século 19, quando o continente viveu o colonialismo de exploração das suas riquezas naturais. Não foram transformadas as relações de produção, mas exploradas as sociedades tradicionais. Ganhava-se mais com esse modelo de expropriação permanente que dura até a Segunda Guerra Mundial.
“Nesse período, as resistências foram expressas pelo panafricanismo. Não se falava em libertação, em independência. Buscava-se direitos iguais”, explica. “Só quando o colonialismo começa a mudar, fazendo pequenos projetos de modernização, substituições de importação, surge alguma urbanização, atenção à saúde, educação, por meio de um Estado forte, ditatorial, centralizador, repressor que organizava as forças de trabalho.”
Esse modelo modernizante, e soberano, foi seguido por praticamente todos os países africanos, com algumas diferenças. Período que foi da Segunda Guerra Mundial até final dos anos 1980.
Depois, até o início dos anos 2000, veio o aprofundamento das crises e a destruição das políticas neoliberais. A insegurança tirou as pessoas das áreas rurais para as cidades. “Hoje, 45% da população é urbana.” A economia é voltada para as exportações. Passaram a haver eleições e a África se democratizou. Não há mais terra e uma massa de jovens não tem trabalho.
A partir dos anos 2000, os investimentos retornam ao continente em busca de minérios e petróleo. As minas não são mais de exploração do trabalhador. Os minérios são retirados com altos investimentos, alta tecnologia. Essa corrida fortalece uma burguesia concentradora de capital privilegiada pela legislação. O que era do Estado resta privatizado. China e Estados Unidos entram com força para ocupar a África. Rússia também.
As classes dominadas continuam lutando por terra. Para produzir alimentos para os países que não têm. “As políticas neoliberais provocam fortes crises nas estruturas das sociedades tradicionais. Reduzem as perspectivas de futuro e os povos se voltam às suas crenças tradicionais. Deixam o futuro e voltam ao passado”, relata Bellucci. Muitos ligados ao radicalismo islâmico ou ao cristianismo neopentecostal.
De um lado, ressalta ele, há o problema de uma população grande, já em boa parte urbana, mas sem perspectivas e apegando-se a tradições. De outro lado, a atuação de grupos, notadamente na região do Sahel, Congo, Etiópia, Senegal, promovendo ataques, golpes, que colocam em risco a população e os investimentos externos.
Apesar disso tudo, o continente teve uma das maiores taxas de crescimento do mundo entre 2023 e 2024.
Assista ao debate: