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Ladislau Dowbor: Cinco propostas alternativas para repensar o sistema

Já não se trata de tecnicalidades econômicas, e sim de propostas que cruzam economia, política, cultura, o futuro dos sindicatos e da participação social e assim por diante. Porque os desafios são justamente sistêmicos, aqui como em outros países


Ladislau Dowbor: Cinco propostas alternativas para repensar o sistema

Por Ladislau Dowbor

Nos últimos tempos têm aparecido trabalhos de fundo repensando o sistema. Queria aqui fazer um tipo de comentário de leitura sobre textos que têm em comum a convicção de que não se trata mais apenas do problema de Trump nos EUA, de Temer no Brasil, de Macri na Argentina, de Erdogan na Turquia, do Brexit na Inglaterra, do fato dos dois grandes partidos (socialista e republicano) que repartiram o poder na França não terem chegado, nem um nem outro, sequer ao segundo turno.

A Europa está se cobrindo de muros e cercas de arame farpado. Discute-se seriamente erguer um gigantesco muro de mais de mil quilómetros entre o México e os Estados Unidos. Os países mais poderosos estão se dotando de instrumentos sofisticados de invasão de privacidade e de controle das populações que assustam tanto pela amplitude da invasão como pela indiferença das populações.

E naturalmente o caos que se avoluma não diz respeito apenas à política e aos governos: os gigantes financeiros planetários geram um nível de desigualdade e de desmandos ambientais que tornam o mundo cada vez mais inseguro e o universo corporativo cada vez mais irresponsável.

A realidade é que o mundo está mudando de forma muito acelerada. Os mecanismos de mercado já não servem como instrumento de restabelecimento de equilíbrios nesta era de oligopólios, e os governos já não são capazes de responder efetivamente aos anseios das populações, presos que estão nas pressões das dívidas públicas e dos desequilíbrios financeiros. As mudanças são sistêmicas.

Neste contexto aparece como muito importante acompanhar estudos sobre as alternativas que surgem em diversas partes do mundo. Ponto importante: já não se trata de tecnicalidades econômicas, e sim de propostas que cruzam economia, política, cultura, o futuro dos sindicatos e da participação social e assim por diante. Porque os desafios são justamente sistêmicos, aqui como em outros países.

Sugiro que vejam:

1. Gar AlperovitzThe Next System, como quem diz, vamos pensar no próximo sistema, porque este que aí está já era. Os diversos capítulos envolvem a governança em termos gerais, e também o dinheiro, os investimentos, a desigualdade, o meio ambiente, o necessário pluralismo e assim por diante. E Gar Alperovitz é um pensador de primeira linha. Confira a íntegra em: http://www.thenextsystem.org/principles/?mc_cid=f152d4ca54&mc_eid=bfa40f009 

2. Joseph Stiglitz – Rewriting the Rules of the American Economy: an agenda for shared prosperity (Reescrever as regras da economia americana: uma agenda para uma prosperidade compartilhada). Joseph Stiglitz organizou um documento muito forte que representa uma agenda para os Estados Unidos, hoje presos numa armadilha de elites que insistem em combater políticas sociais, promover mais desigualdade e atacar políticas ambientais. Invertendo radicalmente as velhas visões, o amplo grupo de economistas que participam deste relatório rejeita “os velhos modelos econômicos”. Confira a íntegra em: http://dowbor.org/2016/09/stiglitz-rewriting-the-rules-of-the-american-economy-an-agenda-for-shared-prosperity-new-york-london-w-w-norton-company-2015-237-p-isbn-978-0-393-25405-1.html/ 

3. Joseph E. Stiglitz e Mark Pieth – Superando a Economia Paralela – Friedrich Ebert Stiftung – Fev. de 2017 – 36 p. Um artigo demolidor e muito bem documentado sobre os paraísos fiscais, por parte de dois especialistas, tanto Mark Pieth por seus estudos, como Joseph E. Stiglitz que começou a luta com os fluxos ilegais quando era economista-chefe no Banco Mundial. A desorganização é compreensível: “A globalização resultou em uma economia global, mas não em um governo global. ” O estudo mostra que não se trata de dinheiro que escapa do sistema e se esconde, e sim de um mecanismo que deforma o conjunto do sistema que passa a trabalhar na opacidade. Lembremos que o Brasil tem em paraísos fiscais mais de 500 bilhões de dólares. Acesse o artigo em: http://dowbor.org/blog/wp-content/uploads/2017/04/17-Stiglitz-Pieth-Paraisos-fiscais-33p.pdf 

4. Oxfam – Uma economia para os 99%. Estamos na era da acumulação improdutiva de patrimônio, descapitalização da sociedade. É uma desorganização sistêmica. A reforma do sistema financeiro global (e nacional no Brasil) constitui o desafio central. Enriquecimento sem a contrapartida produtiva, “unearned income” na terminologia inglesa, gera rentistas ricos e economias travadas. Este estudo da Oxfam, com as propostas correspondentes, é um excelente instrumento de trabalho, um choque de realismo. http://dowbor.org/2017/01/oxfam-uma-economia-para-os-99-2016-relatorio-10p.html/ 

5. Labour Party Manifesto 2017 – For the many, not the few (Para os muitos, não os poucos) faz um desenho que certa maneira inverte o conjunto das orientações e desconstrução do setor público promovido pela Margareth Thatcher, revaloriza a regulação pelo Estado, resgata o papel gratuito e universal das políticas sociais e assim por diante. Centrado no conceito de que a economia tem de funcionar para todos, a análise lembra muito os argumentos do Bernie Sanders nos Estados Unidos, e constitui um documento compacto e claro. Veja a íntegra em: http://www.labour.org.uk/index.php/manifesto2017 

Nesta linha de repensar o sistema, vamos encontrar também Ellen Brown com os seus estudos sobre os sistemas financeiros, Lester Brown sobre as alternativas em termos de sustentabilidade (o seu estudo Plano B implica que o plano “A” atual já não responde), e temos evidentemente os estudos da New Economics Foundation (NEF) na Inglaterra, do Alternatives Economiques na França e assim por diante.

A verdade é que estão se multiplicando pelo planeta afora núcleos de pesquisa que buscam novos paradigmas de desenvolvimento. Muitos desses estudos já estão resenhados no blog do autor, em Dicas de Leitura . Constituem um complemento importante aos numerosos estudos que estão sendo desenvolvidos no Brasil: a crise está nos obrigando de certa maneira a ultrapassar as simplificações e repensar os nossos paradigmas.

Abraços,

* Ladislau Dowbor é economista e professor titular de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi consultor de diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios, além de várias organizações do sistema “S”. Autor e co-autor de cerca de 40 livros, toda sua produção intelectual está disponível online na página dowbor.org.
** Texto originalmente publicado no Blog do professor Ladislau Dowbor 

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