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Boletim Gate discute transição ambiental no planeta


Boletim Gate discute transição ambiental no planeta

Foto: Cerne

O Grupo de Acompanhamento de Temas Estratégicos (Gate) do Instituto Lula acaba de divulgar a quarta edição de seu boletim quinzenal. Neste primeiro número de 2021, os economistas Marcelo Manzano, Emilio Chernavsky e Matias Cardomingo debatem a transição energética no planeta. O texto passa por várias experiências, visitando episódios como a eleição de Joe Biden nos EUA, as novas metas de redução de emissões da China e as propostas sul-americanas para o enfrentamento da questão.

Leia abaixo o texto na íntegra: 

O papel do planejamento na superação da crise ambiental

Uma postura ativa de planejamento do Estado volta a tomar o centro do debate com a necessidade de delinear as saídas para a crise da pandemia. Laura Carvalho, em seu mais novo livro, ilustra como essa situação pode se tornar delicada para governos como o de Bolsonaro e Guedes, que desconhecem funções no setor público a não ser a de repressão. Mesmo para a dupla foi inevitável que a resposta à crise tivesse em seu centro a ação governamental e esse também será o caso para uma resposta efetiva à urgência da mudança climática. Desde o ano passado governos do mundo todo têm discutido planos multissetoriais de transição ambiental e o período pandêmico acelerou ainda mais essa tendência.

Nos Estados Unidos coube à Alexandria Ocasio-Cortez apresentar a Resolução 109 na Câmara ainda em Fevereiro de 2019, na qual delineou as linhas de ação para um Green New Deal. Segundo o plano, o governo estadunidense deveria investir não apenas em uma transição de sua estrutura produtiva para uma economia de baixo carbono, como também seria responsável pela transição justa de trabalhadores e comunidades. Isso significa dizer que é função do governo garantir que as perdas ocasionadas pelo processo de destruição criativa, inerente ao processo de inovação, devem ser compensadas a fim de que a mudança seja de fato benéfica a todas as pessoas. 

A pré-candidatura de Bernie Sanders foi aquela que apresentou propostas mais robustas nesse sentido, com um plano de investimentos de US$ 16,3 trilhões em 10 anos. O valor é ilustrativo daquilo que vem sendo formulado pela ala mais à esquerda do partido democrata, intimamente relacionada com o financiamento por meio da emissão monetária como defendido pela Teoria Monetária Moderna (MMT na sigla em inglês). Joe Biden, sempre mais moderado que seu correligionário, se comprometeu com um plano de investimentos de 10% do valor ao longo do mesmo período, além de buscar mais US$ 5 trilhões junto à iniciativa privada e governos locais. Os planos preveem não apenas a geração de empregos de qualidade nos EUA ligados à economia verde, mas também o fim das emissões líquidas de carbono até 2050 - para além da retomada dos compromissos internacionais como o Acordo de Paris.

Do outro lado da disputa geopolítica a China também se comprometeu durante a última Assembleia Geral da ONU a zerar suas emissões líquidas de carbono até 2060, atingindo o pico de emissões até 2030. Estudos de especialistas da Universidade de Tsinghua, um dos principais centros de pesquisa sobre o assunto, indicam que é possível ir mais além neutralizando as emissões de carbono em 2050, como estão propondo os EUA e boa parte dos países europeus, mas também zerando emissões líquidas de todos os gases de efeito estufa até 2060 (incluindo metano e óxido nitroso). O esforço em promover uma transição ambiental vem surtindo efeito: nesse sentido, hoje o país produz 30% da energia solar do mundo, ainda que em termos per capita esteja atrás dos Estados Unidos, como pode ser visto no gráfico abaixo. De toda forma, o impacto ambiental chinês segue o mesmo padrão, dado que o país responde sozinho por 28% das emissões de CO2 mundiais, o dobro da participação estadunidense, embora em termos per capita os americanos sejam responsáveis por emissões 2,3 vezes maiores. 

Em março do ano que vem será apresentado o 14º Plano Quinquenal chinês, no qual estará melhor delineada a estratégia para atingir a neutralidade dos gases de efeito estufa. Até a apresentação integral do plano, sabe-se que há uma meta estabelecida para que até 2035 metade da frota veicular chinesa seja movida a energia elétrica e a outra metade seja híbrida. O plano de transição ambiental chinês enxerga esse processo de forma integrada à corrida tecnológica, com busca por maior eficiência na conectividade dos objetos e desenvolvimento de novos materiais. 

Essa integração de objetivos também é estruturante em outros planos de recuperação verde desenhados durante a pandemia. França, Alemanha e Coreia do Sul, por exemplo, apresentaram programas de investimento superiores a US$ 120 bilhões para os próximos anos nos quais a transição digital aparece ao lado da questão ambiental. Vale notar que o programa do Green Deal europeu, que prevê investimentos superiores a US$ 1 trilhão de dólares na próxima década, tem forte ênfase na questão agrícola, para além da transição digital. Seu programa da fazenda para o garfo (from farm to fork) traça incentivos para produção agroecológica e restauração de vínculos mais próximos entre comunidades rurais e urbanas, mas também estabelece metas de redução dos alimentos para gado responsáveis por desmatamento - algo com impacto potencialmente relevante sobre nossa exportação de soja, responsável por 20% do total exportado em 2019.

Na América Latina há também a iniciativa do Big Push Ambiental sendo construída na Cepal - braço da ONU para questões econômicas na região - pela pesquisadora Camila Gramkov. A ideia-força do Big Push busca estabelecer metodologias de coordenação de investimentos por parte da iniciativa privada e do setor público em busca de soluções que possam enfrentar problemas crônicos do subdesenvolvimento brasileiro à luz dos desafios ambientais. Como destacado no documento, trata-se de buscar eficiência na inovação, na inserção em mercados de maior dinamicidade e no impacto ambiental, atuando para “desacoplar o desenvolvimento econômico da degradação do meio ambiente”. 

O levantamento de estudos de casos no Brasil busca evidenciar como é possível promover iniciativas nesse sentido também considerando o desenvolvimento social e novos padrões de desenvolvimento para diversas comunidades, como no caso do povo Tûkûna do Sudoeste Amazônico. Em termos de estratégias nacionais, Gramkov sugere como exemplo a Política Energética 2030 lançada pelo Uruguai no início da década passada. O gráfico abaixo mostra como o país conseguiu desenvolver seu mercado de energia fotovoltaica, chegando a equiparar-se à produção chinesa em termos per capita, e hoje 90% de sua matriz energética é baseada em fontes renováveis (sendo que no início do plano 56% da energia provinha da queima de petróleo importado). 

Fonte: Our world in data. Elaboração própria.

Os vários exemplos ao redor do mundo não deixam dúvidas sobre a centralidade do papel de planejamento que o Estado terá de cumprir na superação dos desafios ambientais. Essa questão torna-se particularmente importante em um cenário em que nossas políticas econômicas completam meia década focadas na redução de capacidade e do tamanho do governo. Em um cenário de limitação da política fiscal por meio do Teto de Gastos - para além dos impactos sobre as políticas sociais como já discutido em outros Boletins do GATE - será muito mais difícil construirmos a institucionalidade necessária para a superação desses desafios, articulando setor público e privado em uma estratégia unitária de desenvolvimento. Contudo, não fazê-lo poderá implicar em uma deterioração ainda mais profunda de nossa posição periférica, conforme os padrões de consumo passem a ter exigências cada vez maiores sobre o impacto ambiental - como parece se delinear no caso das importações europeias. Tal como a transição digital não poderá ser dissociada do debate ambiental, também nossas políticas de desenvolvimento deverão corresponder a esse novo momento, caso queiramos de fato construir saídas efetivas para nossos problemas estruturais. 


Conheça o que é e quem são os participantes do Gate. 

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