"Existe uma tendência de as pessoas chamarem a África de uma coisa só, como se toda ela fosse igual", lembra Alberto da Costa e Silva
08/05/2015 10:05
Rio - Reconhecido mundialmente pelo seu trabalho como africanólogo, Alberto da Costa e Silva, aos 84 anos, mantém firme o seu compromisso com o continente que elegeu para pesquisar com afinco e paixão por toda a vida. "As pessoas dizem que eu tenho mania de ver africano em tudo que é parte", brinca o representante da cadeira de número nove da Academia Brasileira de Letras (ABL). Encabeçando a lista de 40 membros do Conselho África , criado pelo Instituto Lula, o escritor, que coleciona diversas obras sobre o continente africano, compartilha o seu entusiasmo com iniciativas em prol da desmitificação e do conhecimento sobre a África.
"Podemos falar que só agora está surgindo, de fato, a primeira geração de professores africanistas no Brasil. Por muito tempo, os estudiosos se interessavam em estudar apenas o processo de descolonização, e isso deixava uma ideia muito parcial sobre a África. Quem não entender a vida familiar dentro da aldeia, quem não compreender o funcionamento da sociedade africana, não vai entender questões tão atuais, como a criação do Boko Haram, por exemplo", ressaltou o também poeta e ensaísta, nesta quarta-feira (8), durante encontro com Celso Marcondes, diretor do Instituto Lula, e Natália da Luz, jornalista e também Conselheira África do Instituto Lula.
No último dia 23, o Conselho África foi criado com o objetivo de reunir diferentes agentes da sociedade para compartilhar e estimular o conhecimento sobre a África. Na ocasião, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou sobre o avanço da relação entre Brasil e África durante seu governo e o governo da presidenta Dilma. Ao lado de Costa e Silva, que foi Doutor Honoris Causa pela Universidade Obafemi Awolowo, da Nigéria, estão professores africanistas como Fernando Mourão, Luiz Felipe de Alencastro, Kabengele Munanga, Ladislau Dowbor, Beluce Bellucci, João Bosco Monte, Paulos Esteves e Suhayla Kalil.
Costa e Silva, ex-embaixador do Brasil no Benin e Nigéria e também autor do livro Um Rio Chamado Atlântico, lembra que a África ainda é vista de forma muito homogênea, o que acaba desqualificando a sua riqueza cultural e reforçando os estereótipos, apesar do acesso à informação. Um dos erros muito comuns, ainda hoje, é o pensamento de que as religiões de matrizes africanas praticadas no Brasil estão disseminadas pela África. Na verdade, elas são originárias apenas de regiões da Nigéria e do Benin, países que Costa e Silva conhece muito bem.
"Existe uma tendência de as pessoas chamarem a África de uma coisa só, como se toda ela fosse igual. Aqui no Brasil, desenvolvemos uma cultura voltada para o nosso próprio umbigo, mas sem compreender que o país foi criado de fora para dentro: pelos portugueses, africanos (de várias origens), europeus, asiáticos... Tudo isso foi mesclado e ainda está sendo digerido. Nada no Brasil é africano puro, está tudo misturado", disse o escritor de A enxada e a lança: A África antes dos Portugueses e A manilha e o Libambo: A África e a Escravidão, de 1500 a 1700.