Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
29/10/2013 19:10
Ao receber a Medalha Suprema Distinção e a Medalha Assembleia Nacional Constituinte, na Câmara dos Deputados, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou a importância da política para o avanço da sociedade. "Toda vez que se calou esta casa, a sociedade ficou amordaçada", disse Lula durante seu discurso para o plenário lotado. A cerimônia aconteceu na tarde desta terça-feira (29) no plenário da casa legislativa.
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O ex-presidente lembrou que o Congresso foi crucial para a aprovação de uma série de programas do seu governo, como o Prouni, que levou mais de um milhão de jovens de baixa renda às universidades. Lula falou também que as divergências entre executivo e legislativo, que por vezes são vistas como ruins, muitas vezes resultam em projetos de lei mais bem elaborados.
A reforma política também foi tema da fala de Lula, que ressaltou a necessidade de sua aprovação e destacou a questão do financiamento de campanha: "A influência do poder econômico é outro fator de vulnerabilidade. Por isso defendemos o financiamento público de campanha", diz Lula
O ex-presidente lembrou as manifestações de junho e disse que "não há porque temer a participação direta da população na política. Ela é legítima e enriquecedora". Lula afirmou ainda sua convicção de que a Câmara enfrentará os desafios colocados e que "ninguém respeitará o parlamento e os partidos se eles não fizerem por merecer".
CONFIRA A ÍNTEGRA DO DISCURSO DE LULA NA CÂMARA:
Eu quero agradecer o carinho e dizer para vocês que é uma honra receber a Medalha Suprema Distinção, outorgada pelos representantes do povo brasileiro na Câmara dos Deputados.
É também uma grande alegria voltar ao plenário desta Casa, onde atuei por 4 anos como Deputado por São Paulo e Líder do PT na Assembleia Nacional Constituinte. A recordação daquele período, para mim inesquecível, é mais viva neste mês de outubro, quando o Brasil comemora os 25 anos da Constituição de 1988.
É com muita alegria que recebo também hoje a medalha da Assembleia Nacional Constituinte. Aquele foi um tempo em que a atividade política se exerceu no mais elevado patamar, marcando profundamente nossa compreensão do Brasil e do processo democrático. Este plenário foi transformado em trincheira avançada das lutas sociais, acolhendo o clamor do País por liberdade, reconhecimento dos direitos humanos e justiça social.
Sob a direção segura do Deputado Ulysses Guimarães, o Parlamento brasileiro viveu então um dos seus mais grandiosos momentos.
O Poder Legislativo, impulsionado pela diversidade democrática que o caracteriza, mostrou-se à altura das expectativas da sociedade brasileira. E, por estar em sintonia com a Nação, nunca pareceu tão clara quanto naquele período a importância do Legislativo, este que é o mais defasado dos Poderes, o que mais se expõe à crítica da mídia e ao juízo dos cidadãos.
Hoje vivemos situação bastante diversa. Hoje se tornou banal criticar o Congresso e tentar desmoralizar a Instituição, o que se desdobra em desqualificação da atividade política de maneira geral. Negar as evidências desse fenômeno é impossível, ignorar as suas razões mais profundas seria um erro. Nossa obrigação é enfrentar o debate democraticamente, promovendo as mudanças necessárias. A Câmara dos Deputados não tem porque temer esse desafio. Nos momentos mais sombrios da história, aqui esteva acesa, mesmo que pálida, a chama da democracia. (Palmas.)
É de aprofundar a democracia que estamos falando. Isso significa requalificar os partidos, reduzir a influência do poder econômico nas eleições (palmas) e ampliar as formas de participação da sociedade no processo legislativo. É uma agenda que exige a coragem de romper com a acomodação, com velhos vícios, com o receio de mudar. A reforma política, necessária para o País e para restaurar a vitalidade do próprio Congresso, enfrenta resistências e certamente vai contrariar interesses.
Mas não vejo outra maneira de continuarmos a exercer a política com uma atividade nobre e transformadora da qual um cidadão possa praticá-la e sentir orgulho.
Queridas amigas e queridos amigos, a política entrou na minha vida como um desdobramento da atividade sindical numa conjuntura em que a luta por salários dignos se entrelaçou com a luta pela democracia. Desde meados da década de 70 cresceram as manifestações por liberdades democráticas, pelo retorno ao Estado de Direito e pelo respeito aos direitos humanos.
A reorganização do movimento estudantil e a campanha da anistia romperam o muro de silencio que a ditadura havia erguido por meio de censura, intimidação e muito terror. Ao mesmo tempo fortalecemos as associações de bairro, as comunidades de bairro e da igreja e outras formas de organização popular.
Nas mobilizações de 1978 a 1980 a classe trabalhadora ergueu a cabeça, desafiando as legislações antigreves em todo o País e enfrentando a mais dura repressão. Foi neste contexto que nós, sindicalistas, de várias categorias e regiões, percebemos que não seria possível avançar em nossa luta sem participar da vida política. Para mudar as leis que produziram o arrocho salarial e impediram a livre organização dos trabalhadores era preciso eleger nossos próprios representantes.
Percebemos que o Congresso não iria olhar para nós se não houvesse trabalhadores na Câmara e no Senado, nas Assembleias e por que não dizer no Poder Executivo.
Em 1980, as principais lideranças políticas do País, incluindo os que retornavam com a anistia, articularam-se para a formação de novos partidos. Criamos o PT, reunindo sindicalistas, comunidades de base, movimentos sociais, alguns dos melhores intelectuais deste País, militantes de esquerda, dos direitos humanos e democratas comprometidos com as lutas sociais. Foram 2 anos de trabalho árduo, conquistando militantes, constituindo núcleos e comissões provisórias, recolhendo assinaturas para obter o registro do TSE.
Cinco valorosos Deputados apoiaram a criação do PT e formaram a nossa primeira bancada. Em 1982, elegemos uma pequena e aguerrida representação de apenas oito Deputados. O PT participou da memorável campanha das Diretas Já com todas as forças democráticas: PMDB, PDT, outros partidos políticos, militantes comunistas e socialistas e organizações como a CUT, OAB, ABI, CNBB, UNE, MST e tantas outras.
A eleição da Assembleia Nacional Constituinte em 1986 foi o ponto culminante do processo de redemocratização. Ela concentrou as expectativas de mudança acumulada em mais de uma década de intensa disputa política e social no nosso País.
O PT participou diretamente daquele momento decisivo com uma bancada de 16 Deputados. E foi o único partido que chegou aqui parecendo que tinha 500, porque trouxemos no dia da inauguração da Constituinte um projeto de Constituição e um projeto de Regimento Interno, que só foi ser feito depois, já pelos Constituintes.
Queridas amigas, queridos amigos, Deputados e Deputadas e convidados, o mandato na Câmara dos Deputados e na Constituinte nos proporcionou um aprendizado inestimável. Neste plenário convivemos com algumas das maiores expressões da sociedade brasileira. Compreendemos que o Brasil é um país pleno de potencialidades e complexo demais para ser governado por forças políticas isoladas.
A parte mais rica desse aprendizado foi conviver com a diversidade de pensamento e com a diferença de opinião. A experiência democrática da Constituinte foi marcada pela expressiva participação popular em seus debates. A pressão articulada pela base deu um novo caráter à transição democrática que havia sido costurada por cima.
Assim, a construção do Estado democrático foi marcada pelo reconhecimento de direitos sociais dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, dos índios, pela defesa do meio ambiente e contra os diversos tipos de discriminação.
Vou citar apenas um exemplo, a criação do Sistema Único de Saúde — SUS. O SUS é fruto de uma grande mobilização pelo direito universal à saúde que foi capaz de construir maioria suprapartidária na Constituinte, eu acho, quase por unanimidade.
O resultado daquele processo foi uma Carta avançada para seu tempo, apesar dos limites ditados pela correlação de forças no plenário, que permanecem modernas nos dias de hoje.
O conceito de democracia foi ampliado para além do aspecto meramente formal. A Constituição estabeleceu uma sociedade de múltiplos direitos e direitos universais que devem ser promovidos pelo Estado.
Nossa bancada votou contra o texto final, porque queríamos avançar muito mais, e assinou a Constituição pela responsabilidade do PT com o processo democrático. O PT amadureceu como partido político na Constituinte. Ali consolidamos a estratégia de combinar a presença nos movimentos sociais com a luta política institucional. Mantendo sempre um pé nas instituições e outro nas ruas, começamos ali a caminhada que nos levaria à eleição para a Presidência da República em 2002.
Nosso Governo procurou manter um diálogo elevado com o Congresso e com a sociedade, sem que isso jamais implicasse em desvalorizar a representação institucional. Foi isso que nos possibilitou adotar um novo modelo de desenvolvimento com inclusão social, para o qual a Câmara e o Senado muito contribuíram, votando — e, muitas vezes, aperfeiçoando — as propostas necessárias a esse objetivo.
A lei que instituiu o Bolsa Família, a lei do crédito consignado, a legislação que valoriza o salário mínimo, a legislação do PAC e, mais recentemente, a lei do pré-sal são exemplos de diálogo político pelo bem do nosso País.
Como todos sabem, a combinação de mais renda, mais salário e mais crédito deu nova dinâmica ao mercado interno, impulsionando produção e a geração de empregos. Esse ciclo virtuoso levou à retomada dos investimentos para a qual o PAC foi decisivo.
A lei do pré-sal, por sua vez, vai permitir a exploração dessa grande riqueza em benefício do País e sustentar a trajetória de crescimento.
Devemos acrescentar a esta lista a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, fruto de um projeto de lei de iniciativa popular.
O Congresso foi decisivo também na criação do Plano Nacional de Educação e, mais recentemente, da legislação do programa Mais Médicos, da Presidenta Dilma, coordenado pelo Ministro Padilha. (Palmas.)
Nem sempre tivemos o sucesso desejado na aprovação de propostas legislativas, mas sempre mantivemos o diálogo em termos elevados. Se o Brasil está hoje entre as maiores economias do mundo, em uma situação de pleno emprego, com mobilidade social, sem precedentes, essas conquistas não seriam possíveis sem a participação da Câmara dos Deputados.
Se o motivo desta homenagem é o resultado que obtivemos na Presidência da República, quero compartilhar, de coração, essa distinção com os Deputados que contribuíram para mudar o Brasil, incluindo mesmo aqueles que fizeram oposição ao Governo. (Palmas.)
Muitas vezes, Presidente, a gente percebe que toda vez que a Câmara dos Deputados vota contra o Governo, há sempre a ideia de se criar uma manchete dizendo que o Governo foi derrotado ou que o Congresso derrotou o Congresso. Eu fui Presidente e vivi essa experiência. Muitas vezes, aquilo que parecia derrota, aquilo que parecia intransigência de um ou de outro Deputado, aquela emenda que o Deputado brigava para colocar, muitas vezes, ao invés de uma derrota ou de uma vitória, imprimia ao projeto de lei mais qualidade e mais sabedoria, que somente na coletividade poderia implantar.
Queridos companheiros e queridas companheiras, as melhores lembranças que tenho desta Casa dizem respeito ao exercício da política na mais nobre acepção da palavra. Recordo o Plenário como organismo vivo, atento à qualidade do discurso extensivo às forças dos argumentos. Havia, como em todo o mundo, a influência do poder econômico, das corporações e a pressão dos meios de comunicação, o que, aliás, nunca deixou de ocorrer, mas exercia-se o primado da política como atividade humana superior.
Foi a política que me permitiu chegar à Presidência da República, como representante de um projeto de mudança. Foi a atuação política da sociedade que impulsionou o processo de desenvolvimento com inclusão.
Foi a política, em última análise, que permitiu transformar em realidade alguns dos sonhos que sempre compartilhei com a grande maioria da população brasileira.
Em primeiro lugar, o sonho, porque, para milhões, não passava disto: fazer três refeições por dia. Com o Bolsa Família, conseguimos a proeza, junto com o Brasil sem Miséria, de tirar 36 milhões de almas brasileiras da extrema pobreza.
O sonho de ter um emprego com carteira assinada, com a proteção da lei. E graças a Deus, nesses 10 anos, foram criados 20 milhões de empregos formais com carteira assinada e criados mais de 4 milhões de novas empresas neste País.
O sonho de ter o trabalho reconhecido pelo aumento da remuneração. E nesse período, o salário mínimo teve aumento real de 74%, a renda da família cresceu 35% e a das famílias mais pobres cresceu 66%. O sonho de proporcionar uma vida melhor para a família com acesso ao crédito e ao bem de consumo. Nesses 10 anos, 40 milhões de pessoas chegaram à classe média. É o sonho de ver o filho estudando numa universidade para ter um futuro melhor.
Nós dobramos as vagas das universidades públicas. O número total de universidades no País, que era de 3,4 milhões, hoje, já são mais de 7 milhões de jovens na universidade. (Palmas.)
Este Congresso aprovou também o FIES, que eu falo sem medo de errar: é o maior sistema de financiamento da educação já visto no mundo. Não há nenhum programa igual ao FIES, hoje, no mundo, onde um jovem pode estudar. E podemos olhar na cara de cada pessoa e dizer: “Nós não queremos olhar a sua origem social, nós não queremos olhar a sua religião, nós não queremos olhar a sua cor, nós não queremos olhar o bairro que você mora; nós queremos saber que você é brasileiro e, portanto, tem direito de estudar como todo cidadão, em qualquer parte do mundo.” (Palmas.)
E esta Casa votou uma coisa mais nobre que ajuda a derrubar o preconceito: votou a legislação das quotas sociais e para afro-descentes no acesso ao ensino superior. Assim, o sonho de estudar numa universidade está, hoje, ao alcance de qualquer jovem brasileiro, e disso nós temos muito orgulho.
Eu falo todo dia que eu posso falar: este País já foi governado por muita gente letrada, por muita gente com muitos diplomas de doutores, diploma de mestrado, diploma de não sei das quantas, mas foi um Presidente sem diploma universitário e um vice sem diploma universitário que vão passar para a história como a dupla que mais fez universidades na história deste País e mais fez escolas técnicas neste País. (Palmas.)
Amigos e amigas, todas essas conquistas são frutos do diálogo político, envolvendo o Governo, o Legislativo e a sociedade. Por isso não me conformo, ao ver banalizada, nos dias de hoje, a desqualificação da atividade política e das instituições republicanas. Todos os agentes políticos têm uma parcela de responsabilidade nesse fenômeno. Devemos estar conscientes de que ninguém defenderá o Parlamento e os partidos, se essas instituições não fizerem por merecer o respeito da sociedade. (Palmas.)
Isso significa aprimorar os mecanismos de transparência e controle interno, não compactuar com o compadrio, o fisiologismo, o desvio, a confusão entre o público e o privado; são obrigações republicanas básicas das quais o agente público deve ser exemplo para o cidadão comum. Significa também não se intimidar diante da acusação de má fé, da manipulação dos fatos, do insulto travestido de crítica, pois seria um comportamento indigno do mandato recebido o povo brasileiro. (Palmas.)
Como toda instituição formada por seres humanos, o Congresso e seus representantes cometem erros, muitas vezes são erros graves que nem sempre são corrigidos ou punidos de maneira exemplar. Nem é preciso abrir os jornais para encontrar notícias sobre isso. Elas costumam estar nas manchetes das primeiras páginas.
No entanto, é imensa a contribuição do Congresso para mudar o País, quando existe sintonia entre a instituição e a sociedade.
O Estatuto da Igualdade Racial, o Estatuto do Idoso, o reconhecimento da união estável, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Maria da Penha são apenas alguns exemplos das legislações que mudaram para melhor a vida de milhões e milhões de deserdados neste País.
A lista de leis fundamentais deve crescer agora nesta Casa com a votação, que se dará brevemente, do Marco Civil da Internet neste Congresso. (Palmas.)
O Legislativo cresce toda vez que entra em sintonia com os anseios da sociedade. Mas não podemos nos iludir, apesar dos grandes serviços prestados pelo Congresso. O sentimento difuso na população é o de que esta Casa tem mais ouvidos para o poder econômico do que para a sociedade.
O sentido da reforma política que defendemos é aprofundar e qualificar a representatividade dos partidos e das instituições.
O Parlamento e os partidos serão mais fortes na medida em que esta Casa se esforçar para ser vista novamente como a Casa do povo. Isso exige um sistema eleitoral que mantenha o mandatário fiel aos compromissos partidários; exige, antes disso, partidos que tenham programas para o País e não a multiplicidade de legendas que temos hoje.
Nada contribui tanto para desmoralizar a política do que ver partidos atuando como reles balcões de negócios, alugando prerrogativas, como o tempo de propaganda e o acesso a fundos públicos. (Palmas.)
A influência do poder econômico e das grandes corporações no processo eleitoral é outro fator de vulnerabilidade da representação. Por isso, defendemos o financiamento público das campanhas eleitorais, que é a forma mais republicana de garantir o equilíbrio econômico na disputa política. (Palmas.)
Essa mudança de qualidade no processo político eleitoral requer ainda um esforço para democratizar o acesso aos meios de comunicação.
O direito à informação correta é outro requisito fundamental para o equilíbrio democrático na disputa eleitoral.
Queridas Deputadas e queridos Deputados, no grande debate sobre o fortalecimento do sistema representativo, quero destacar a importância da participação social no processo legislativo e na definição de políticas públicas.
Já tive a oportunidade de falar sobre o papel do diálogo social na construção do nosso modelo de desenvolvimento. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social proporciona um elevado debate sobre o rumo do País, envolvendo empresários, trabalhadores, intelectuais e representantes de diversos setores da sociedade.
Milhões de cidadãos participaram das conferências nacionais que definiram muitas de nossas políticas públicas para a saúde, educação, infância, meio ambiente e tantas outras.
O Poder Legislativo também sai fortalecido quando se abre à participação social. Esta é uma das qualidades da nossa Constituição, que devemos aprofundar, tornando mais simples a proposição de projeto de iniciativa popular. Não há por que temer a contribuição direta da sociedade ao processo político, pois ela é legítima, é enriquecedora. É participando ativamente que a sociedade reconhecerá seu próprio rosto nas instituições.
Se há fragilidade na representação, o remédio está no fortalecimento da política, e não em sua negação. Historicamente, a desqualificação da política e das instituições democráticas tem servido aos tiranos e aos que não são capazes de chegar ao Poder pela via do voto. (Palmas.)
Não podemos contribuir para que isso ocorra, deixando-nos ficar no imobilismo e na vacilação, e muito menos fechando os ouvidos às legítimas vozes da sociedade. Sempre que se renegou a política como instrumento da mediação de interesses e da convivência social, a civilização deu vários passos atrás e nenhum passo à frente. Toda vez que se calou este Parlamento, foi a sociedade que ficou amordaçada, e toda vez que esta Casa foi fechada, encarcerou-se com ela a liberdade da sociedade. (Palmas.)
Eu tenho confiança de que a Câmara dos Deputados, na parte que lhe compete, responderá aos desafios de hoje com os olhos voltados para as próximas gerações, porque a reforma política é a mais importante de todas as reformas que nós precisamos neste momento.
É tempo, portanto, de ouvir com atenção a sociedade, de dialogar com sinceridade, de ter coragem para mudar o que deve ser mudado e de fazer política de cabeça erguida.
Querido Presidente, queridas Deputadas, queridos Deputados, nós tivemos, em junho, uma lição de civilidade democrática quando o povo foi para as ruas, não reivindicar a cabeça de nenhum governante, não reivindicar a volta do autoritarismo, não reivindicar a cabeça de Deputado; o povo foi para a rua exigir um pouco mais de Estado; o povo foi para a rua para dizer que precisa de mais coisas, porque ele aprendeu a comer contrafilé e ele não quer voltar a comer acém. Ele quer comer agora filé de verdade. (Palmas.) Ele quer um médico, mas quer ter acesso à alta complexidade, para ser tratado como cidadão de primeira classe; ele quer o emprego, mas não quer mais o emprego qualquer, ele quer o emprego que lhe dê possibilidade de sentir orgulho e prazer naquilo que ele faz; ele quer estudar, mas não quer apenas mais estudar, ele quer estudar em escolas de qualidade. E eu tenho uma tese, Presidente: de que o pobre só vai ter um ensino fundamental de qualidade no dia em que a classe média brasileira voltar a escola pública no ensino fundamental (palmas), porque ela melhorou e porque ela permite que seus filhos estudem em igualdade de condições.
O povo foi para a rua para exigir mais, mas, ao mesmo tempo, nós vimos uma parte daquela movimentação negar a política, como se nada prestasse, como se nenhum partido prestasse, como se nenhum político prestasse. Eles não faziam distinção partidária nem ideológica. Era a ideia do retrocesso de que a política não vale nada, e de que a política é todo mundo no mesmo saco, de que na política todo mundo é corrupto, todo mundo quer tirar proveito próprio.
Eu convivi nesta Casa por 4 anos, e a coisa mais extraordinária e exuberante que eu vivi é a convivência democrática de construir diálogo na diversidade, é pensar no País. Eu acho que esse momento é um momento de este Congresso, de cada Deputado ou Deputada que anda com o seu distintivo de Deputado no peito enfrentar esse debate, e a gente dizer para a juventude que não adianta ser contra a política.
Se não existe nenhum partido que preste, nenhum Deputado que preste, nenhum Presidente que preste, nenhum Governador que preste, ora, ainda assim esse jovem não pode negar a política! (Palmas.) Ele tem que vir para a política, porque, toda vez que ele exige que nós façamos o que ele acha que é certo e nós não fazemos, em vez de nos negar, é melhor ele nos substituir, criando organizações políticas, disputando eleições.
Porque, uma coisa que muitas vezes eu fico pensando, não tem nada mais nobre do que o exercício de um mandato parlamentar, porque um cidadão concursado presta concurso uma vez e morre naquele emprego, mas um Deputado, um Vereador, um Prefeito, um Presidente, um Governador, por mais defeito que ele tenha, a cada 4 anos ele tem que fazer um novo concurso para voltar para cá. ?Palmas.)
Muitas vezes, nós não temos coragem de fazer esse debate. Esta Casa aqui é um espaço único em que a gente consegue juntar todo mundo.
Eu lembro o susto que tomei quando cheguei aqui como Constituinte. Presidente de um sindicato, de repente, dei-me aqui na frente, como vocês estão aí — a Deputada Benedita da Silva se lembra disso, o Deputado Arnaldo Faria de Sá se lembra disso —, com uma quantidade de personalidades que eu só via na televisão, com personalidades que eu passei metade da minha vida xingando e culpando pela desgraça deste País. De repente, eu estava aqui dentro, com essa pessoa, agindo de forma civilizada, tratando de interesses e percebendo que eu não tinha a verdade absoluta, que ele também não tinha e que a capacidade de concessão que eu tivesse ou que ele tivesse é que iria permitir que a gente conseguisse construir a Constituição que nós fizemos. Ela pode não ser a melhor, mas nunca tivemos nada igual neste País que garantisse o mais longevo período democrático da história deste País. (Palmas.)
Parece muito, mas essa juventude tem que saber que faz apenas 25 anos que nós estamos vivendo no mais longo período de Constituição contínua deste País. E esta Constituição e este País — por conta desse aprendizado democrático, coisa que não aconteceu em muitos países do mundo, mesmo onde houve revoluções — permitiram que um simples operário torneiro mecânico chegasse à Presidência da República e exercesse o seu poder em sua plenitude duas vezes. (Palmas prolongadas.)
E, por respeito à democracia, eu dizia aos meus companheiros: “Não brinquem com essa história de terceiro mandato, porque a democracia é um valor inestimável, e a gente não pode brincar com ela, porque pode se voltar contra nós”.
Muito obrigado pelo carinho, muito obrigado!