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Der Spiegel: O processo contra Lula deveria ser anulado e reiniciado

No último domingo, uma das mais conceituadas revistas da Alemanha publicou em seu site uma matéria sobre as conversas que mostram que o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato combinavam entre si ações nos processos


Der Spiegel: O processo contra Lula deveria ser anulado e reiniciado

No último domingo, 23, a revista Der Spiegel, uma das maiores e mais conceituadas da Alemanha, publicou em seu site uma matéria sobre as conversas que mostram que o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato combinavam entre si ações nos processos, o que é proibido. Para a revista, "uma coisa está certa: Moro causou danos graves à democracia brasileira e ao sistema jurídico do país". E mais, "a rigor, o processo contra Lula deveria ser anulado e reiniciado".

Escândalo judicial no Brasil

O juiz e seu presidente

Por Jens Glüsing, correspondente da Der Spiegel para a América Latina

Um escândalo abala o Brasil: gravações vazadas fundamentam a suspeita de que o Ministro da Justiça Sérgio Moro extrapolou sua posição de juiz - e ajudou a guindar Jair Bolsonaro à presidência

O chefe ficou satisfeito. Deu “nota 10” ao Ministro da Justiça Sérgio Moro, por sua performance no Senado. Eis o elogio do presidente Jair Bolsonaro. “Nota dez”.

Na quarta-feira, os senadores interrogaram Moro durante nove horas sobre o escândalo judicial em torno da condenação do ex-presidente Lula. No ano passado, o político foi condenado a uma longa pena por corrupção e lavagem de dinheiro. Há mais de um ano ele está em uma cela na sede da Polícia Federal em Curitiba.

A edição brasileira do “The Intercept”, plataforma de jornalismo investigativo, acabara de revelar as tratativas entre Moro e os Procuradores da República, para colocar o ex-presidente Lula atrás das grades com a maior rapidez possível. Com isso eles — juiz e procuradores — criaram os fundamentos para excluir o político popular da eleição presidencial de 2018.

O clima de alegre cumplicidade entre os procuradores e o juiz

Enquanto juiz, Moro a rigor tinha a obrigação de manter a neutralidade e a distância. Ocorre que as gravações das conversas encaminhadas a “The Intercept” revelam um clima de alegre cumplicidade entre o juiz Moro e os procuradores. Moro deu dicas a respeito das sindicâncias e conversou com os acusadores sobre as possibilidades de colocar a mídia a serviço da condenação de Lula. Chegou a interferir até na composição da equipe de investigadores, criticando uma procuradora, que não lhe parecia competente. Prontamente ela foi excluída dos interrogatórios.

No Senado, Moro não conseguiu invalidar as acusações. Mas tudo indica que ele nem pensou nisso. A apresentação foi uma manobra política, encenada para silenciar apelos em prol da sua renúncia e fortalecer sua base política. Moro tentou criminalizar “The Intercept” e a fonte anônima, para desviar assim a atenção do conteúdo das gravações.

Uma “quadrilha criminosa” teria hackeado os celulares dos procuradores, afirmou o ministro. Ele mesmo não teria consciência de nenhum ato culposo, por isso também não renunciaria.

Com isso ele agiu bem no interesse dos seus seguidores, que ameaçam Glenn Greenwald, diretor de “The Intercept Brasil”, denunciando-no como traidor do povo brasileiro. Direitistas fanáticos chegaram até a pedir a sua “deportação” pelo twitter. “Deportação” é uma palavra, que desperta associações terríveis num jornalista de origem judaica. David Miranda, marido brasileiro de Greenwald e deputado federal pelo PSOL, também foi atacado em uma campanha de ódio e difamação.

Moro, que aprecia ser aclamado como paladino incorruptível na luta contra a corrupção, não se importa. A cada dia ele se revela mais como político esperto na luta pelo poder. Vinculou a sua sobrevivência política ao destino de Bolsonaro. O que os une é a luta pelo seu destino político.

Indiretamente, Bolsonaro deve a presidência a Moro, pois contra Lula o outsider da direita radical praticamente não teria tido nenhuma chance de vitória, conforme mostram todas as pesquisas. A própria nomeação de Moro para o Ministério da Justiça aparece agora em outra perspectiva: seria ela um agradecimento pelo fato de Moro ter tirado Lula do caminho? Ou seria ela, quem sabe, o preço que Bolsonaro teria acertado com Moro muito antes das eleições?

Caso Moro e Bolsonaro tivessem feito tratativas já antes da eleição, o escândalo seria muito maior ainda. O juiz teria então abusado do seu cargo para manipular o futuro do Brasil em seu proveito. Ao condenar Lula, tirou do páreo eleitoral não uma pessoa qualquer, mas o favorito inconteste e chefe de Estado até hoje mais popular da história mais recente do Brasil.

Lula e seus seguidores afirmaram desde o início que o processo foi um jogo de cartas marcadas, para evitar a sua volta ao poder. O processo contra Lula tramitou com incomum rapidez: de acordo com suas próprias afirmações, os juízes da segunda instância, que confirmaram a sentença de Moro, nem fizeram uma leitura atenta dos autos.

Glenn Greenwald, o diretor do “Intercept”, só libera aos poucos as revelações oriundas de um extenso material. Se elas contiverem indícios de um acerto de longa data entre Moro, os procuradores e a oposição política de então ou ainda o próprio Bolsonaro, isso colocará  em cheque a legitimidade de todo o processo eleitoral.

“In Fux we trust”

Mas mesmo se essas provas não aparecerem, uma coisa está certa: Moro causou danos graves à democracia brasileira e ao sistema jurídico do país. Com seus truques e suas maquinações, o provinciano juiz criou fatos, que redirecionam dramaticamente a história do Brasil. O escândalo deveria produzir consequências ao menos na área jurídica. A rigor, o processo contra Lula deveria ser anulado e reiniciado.

Na próxima terça-feira o Supremo Tribunal Federal decidirá sobre um correspondente pedido da defesa de Lula. Fica, porém, em aberto se as revelações terão alguma serventia para Lula, pois o tribunal está tão politizado e cindido como toda a sociedade brasileira. Durante as crises políticas os ministros do STF muitas vezes provaram ser oportunistas. Moro e os procuradores incluíram esse fator nos seus cálculos. “In Fux we trust”, eis um gracejo relevado em uma das gravações publicadas pelo “Intercept”.

Um dos ministros do STF se chama Luiz Fux. É visto como especialmente prestativo pelo grupo de Sérgio Moro.

O juiz e seu presidente

Jens Glüsing, Cidade do México

Um escândalo abala o Brasil: gravações vazadas fundamentam a suspeita de que o Ministro da Justiça Sérgio Moro extrapolou sua posição de juiz - e ajudou a guindar Jair Bolsonaro à presidência

O chefe ficou satisfeito. Deu “nota 10” ao Ministro da Justiça Sérgio Moro, por sua performance no Senado. Eis o elogio do presidente Jair Bolsonaro. “Nota dez”.

Na quarta-feira, os senadores interrogaram Moro durante nove horas sobre o escândalo judicial em torno da condenação do ex-presidente Lula. No ano passado, o político foi condenado a uma longa pena por corrupção e lavagem de dinheiro. Há mais de um ano ele está em uma cela na sede da Polícia Federal em Curitiba.

A edição brasileira do “The Intercept”, plataforma de jornalismo investigativo, acabara de revelar as tratativas entre Moro e os Procuradores da República, para colocar o ex-presidente Lula atrás das grades com a maior rapidez possível. Com isso eles — juiz e procuradores — criaram os fundamentos para excluir o político popular da eleição presidencial de 2018.

O clima de alegre cumplicidade entre os procuradores e o juiz

Enquanto juiz, Moro a rigor tinha a obrigação de manter a neutralidade e a distância. Ocorre que as gravações das conversas encaminhadas a “The Intercept” revelam um clima de alegre cumplicidade entre o juiz Moro e os procuradores. Moro deu dicas a respeito das sindicâncias e conversou com os acusadores sobre as possibilidades de colocar a mídia a serviço da condenação de Lula. Chegou a interferir até na composição da equipe de investigadores, criticando uma procuradora, que não lhe parecia competente. Prontamente ela foi excluída dos interrogatórios.

No Senado, Moro não conseguiu invalidar as acusações. Mas tudo indica que ele nem pensou nisso. A apresentação foi uma manobra política, encenada para silenciar apelos em prol da sua renúncia e fortalecer sua base política. Moro tentou criminalizar “The Intercept” e a fonte anônima, para desviar assim a atenção do conteúdo das gravações.

Uma “quadrilha criminosa” teria hackeado os celulares dos procuradores, afirmou o ministro. Ele mesmo não teria consciência de nenhum ato culposo, por isso também não renunciaria.

Com isso ele agiu bem no interesse dos seus seguidores, que ameaçam Glenn Greenwald, diretor de “The Intercept Brasil”, denunciando-no como traidor do povo brasileiro. Direitistas fanáticos chegaram até a pedir a sua “deportação” pelo twitter. “Deportação” é uma palavra, que desperta associações terríveis num jornalista de origem judaica. David Miranda, marido brasileiro de Greenwald e deputado federal pelo PSOL, também foi atacado em uma campanha de ódio e difamação.

Moro, que aprecia ser aclamado como paladino incorruptível na luta contra a corrupção, não se importa. A cada dia ele se revela mais como político esperto na luta pelo poder. Vinculou a sua sobrevivência política ao destino de Bolsonaro. O que os une é a luta pelo seu destino político.

Indiretamente, Bolsonaro deve a presidência a Moro, pois contra Lula o outsider da direita radical praticamente não teria tido nenhuma chance de vitória, conforme mostram todas as pesquisas. A própria nomeação de Moro para o Ministério da Justiça aparece agora em outra perspectiva: seria ela um agradecimento pelo fato de Moro ter tirado Lula do caminho? Ou seria ela, quem sabe, o preço que Bolsonaro teria acertado com Moro muito antes das eleições?

Caso Moro e Bolsonaro tivessem feito tratativas já antes da eleição, o escândalo seria muito maior ainda. O juiz teria então abusado do seu cargo para manipular o futuro do Brasil em seu proveito. Ao condenar Lula, tirou do páreo eleitoral não uma pessoa qualquer, mas o favorito inconteste e chefe de Estado até hoje mais popular da história mais recente do Brasil.

Lula e seus seguidores afirmaram desde o início que o processo foi um jogo de cartas marcadas, para evitar a sua volta ao poder. O processo contra Lula tramitou com incomum rapidez: de acordo com suas próprias afirmações, os juízes da segunda instância, que confirmaram a sentença de Moro, nem fizeram uma leitura atenta dos autos.

Glenn Greenwald, o diretor do “Intercept”, só libera aos poucos as revelações oriundas de um extenso material. Se elas contiverem indícios de um acerto de longa data entre Moro, os procuradores e a oposição política de então ou ainda o próprio Bolsonaro, isso colocará  em cheque a legitimidade de todo o processo eleitoral.

“In Fux we trust”

Mas mesmo se essas provas não aparecerem, uma coisa está certa: Moro causou danos graves à democracia brasileira e ao sistema jurídico do país. Com seus truques e suas maquinações, o provinciano juiz criou fatos, que redirecionam dramaticamente a história do Brasil. O escândalo deveria produzir consequências ao menos na área jurídica. A rigor, o processo contra Lula deveria ser anulado e reiniciado.

Na próxima terça-feira o Supremo Tribunal Federal decidirá sobre um correspondente pedido da defesa de Lula. Fica, porém, em aberto se as revelações terão alguma serventia para Lula, pois o tribunal está tão politizado e cindido como toda a sociedade brasileira. Durante as crises políticas os ministros do STF muitas vezes provaram ser oportunistas. Moro e os procuradores incluíram esse fator nos seus cálculos. “In Fux we trust”, eis um gracejo relevado em uma das gravações publicadas pelo “Intercept”.

Um dos ministros do STF se chama Luiz Fux. É visto como especialmente prestativo pelo grupo de Sérgio Moro.

* Tradução: Instituto Lula
Para ler a matéria original, acesse o site da Der Spiegel 

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