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SUS forte é principal medida para deter coronavírus


SUS forte é principal medida para deter coronavírus

“Do governo saem previsões as mais disparatadas. Bolsonaro fala em festa de aniversário. A mensagem para a sociedade não pode ser truncada, de insegurança". Imagem: Reprodução

Ex-ministro da Saúde Arthur Chioro denuncia que gasto com saúde por habitante/dia é menor que valor de passagem de ônibus e cobra seriedade do governo Bolsonaro

Por Cláudia Motta
Da Rede Brasil Atual 

Fortalecer o SUS e respeitar o isolamento são as melhores maneiras de combater o avanço e evitar mortes pelo coronavírus. Essa foi a principal prescrição feita pelos médicos e ex-ministros da Saúde Arthur Chioro e Alexandre Padilha em debate realizado pela Fundação Perseu Abramo e pelo Instituto Lula, nesta terça-feira (17). Ambos priorizaram ações levando em conta o papel constitucional do Sistema Único de Saúde.

Sanitarista, Chioro esteve à frente do ministério entre 2014 e 2015. Ele diz que são muitas as projeções a partir do que ocorreu em outros países, mas a verdade é que não sabemos o comportamento da doença no hemisfério sul. “Transpor a realidade do hemisfério norte é desafiador. Ao que tudo indica, pelo menos nos primeiros dias, parece que tende a reproduzir.”

O médico ressalta que a importância da tomada precoce de decisões para fazer com que o Brasil não tenha a mesma curva de novos casos vista em países onde a epidemia se alastrou muito rapidamente. Daí a importância do isolamento social.

“Não só as pessoas que apresentam sintomas. Propaga-se (o vírus) de forma explosiva, inclusive por assintomáticos. Nossa tentativa é que seja o menos explosiva possível e evitada para as pessoas de maior risco.”

Tradição de 120 anos

Chioro criticou a postura do presidente Jair Bolsonaro em relação à epidemia, e sua participação no ato do dia 15, junto do presidente da Vigilância Sanitária. “No domingo praticaram explicitamente o terraplanismo epidemiológico. Colocaram na lata do lixo todas as regras, criando uma situação de desserviço à sociedade brasileira.”

Também rebateu o ministro da Economia, Paulo Guedes, que convocou jovens a trabalhar, a não se isolar. “É fundamental interromper (a circulação de pessoas), para que nosso sistema não entre em pletora, como ocorreu na Itália.”

O médico sanitarista lembrou que a saúde pública brasileira tem tradição de mais de 120 anos. Por isso, avalia, a primeira resposta contra o coronavírus, que dependia da estruturação de uma parte do SUS que foi menos comprometida pela EC 95 (a emenda constitucional do teto dos gastos), conseguiu com segurança coordenar as primeiras ações. “Entretanto, não tomamos medidas para fortalecer o SUS. E todos sabem que os países onde o Covid-19 tem casos mais brandos e assintomáticos, mantêm equipe básica de saúde estruturada.”

E critica a “profunda irresponsabilidade do governo federal pela implosão do Mais Médicos. “O discurso de Mandetta (ministro da Saúde) era de que a opção do governo Dilma era politiqueira. Agora são obrigados a reconhecer que erraram profundamente.”

O vírus da EC 95

A restrição de recursos imposta pela EC 95 já retirou R$ 22,5 bilhões da saúde. Assim, afirma Chioro, o valor que será repassado pelo governo federal só repõe os R$ 4 bi perdidos no orçamento deste ano por conta da emenda do teto.

“Ter o SUS faz a diferença. Já fez no passado e hoje mais do que nunca a gente percebe a importância de ter um sistema nacional de saúde”, destaca o ex-ministro. “O gasto público por habitante/dia, juntando União, estados e municípios é menor que uma passagem de ônibus. E fortalecer o SUS é fundamental, é um patrimônio da sociedade brasileira.”

Mais médicos, mais leitos

Chioro explica que a situação é grave. Isso porque, ainda que os cubanos estejam dispostos a voltar ao programa, o governo quer submeter à validação médicos que já trabalharam com competência e responsabilidade. O que só ocorreria no final da epidemia.

Assim, propõe o ex-ministro, é urgente retomar o programa Mais Médicos, assim como o provimento de médicos nas UPAs que, segundo ele, estão desfalcadas, sem funcionar 24 horas, sem remédios, sem laboratório. “Como segurar atendimento de emergência? Como estruturar o atendimento para populações mais vulneráveis, nas ruas, em cortiços, asilos, que precisam ser trabalhados com prioridade se a estratégia de saúde da família foi desmontada? Como garantir estrutura de monitoramento?”

O sanitarista também lembrou que nada está sendo feito para determinar obrigações aos prestadores de serviço de planos de saúde. “A rede privada não quer assumir a responsabilidade. Mas a Agência Nacional de Saúde e o Ministério da Saúde têm dever legal de organizar esse sistema”, disse, lembrando que o comitê de crise começou a funcionar somente hoje e com participação secundária do Ministério da Saúde.

Bolsonaro interditado

Chioro cobra que o governo Bolsonaro assuma suas responsabilidades. “O Ministério da Saúde tem papel fundamental na coordenação desse processo. É impossível dizer quando teremos o fim da transmissão. E isso exige esse papel de comando. Que assuma responsabilidades e não só transfira para estados e municípios que já foram impactados pelos desfinanciamento ao longo dos últimos dois anos.”

E questiona: “Como fazer para interditar Bolsonaro nesse debate? Se não vai ajudar, que não seja empecilho. Para que os profissionais de saúde, cientistas, possam atuar e defender a vida dos brasileiros e brasileiras”.

O ex-ministro cita projeções da Universidade de Oxford que falam em 478 mil mortos no Brasil, se continuar assim. Uma velocidade de crescimento maior que na Itália, lembra o ministro. “O que é razoável, qual o tamanho da demanda para o SUS e da parcela que vai ser contaminada? O que é indispensável para dar atendimento?”, questiona. “Fortalecer o SUS.”

“Do governo saem previsões as mais disparatadas. Bolsonaro fala em festa de aniversário”, indigna-se. “A mensagem para a sociedade não pode ser truncada, de insegurança.”

Impacto do inverno

As projeções, explica, são feitas com base no hemisfério norte. “Não temos população tão envelhecida, mas ela é mais vulnerável”, compara. “Podemos supor que o funcionamento será o mesmo, que as medidas de isolamento tenham impacto e tenhamos prolongamento da curva de surgimento de casos. Mas podemos nos deparar com um terceiro cenário, que não podemos descartar, que é a possibilidade de termos casos agora e voltar durante o inverno”, diz, relatando preocupação com as cidades mais frias.

“A atitude correta seria coordenação e trabalhar do ponto de vista da capacidade de resposta com o pior cenário: deixar leitos liberados, comprar equipamentos de proteção, comprar kits de testes”, propõe.

“Poderíamos ter 1% da população ou 400 mil casos mais graves e 50 mil precisando de UTI espalhados pelo território nacional. E isso precisa de pessoal especializado, estrutura hospitalar. Se fôssemos trabalhar com essa realidade, precisamos da expansão de 10 mil leitos de terapia intensiva.”

O país tem 22.500 leitos de UTI, sendo usados em torno de 80%. “Podemos usar os semi-intensivos, mas temos de lembrar que a vida continua e outros pacientes podem precisar”, mencionando os que sofrem acidentes, têm outras doenças, cirurgias graves, que requisitam UTI”, disse, lembrando que a dengue continua forte. “Precisaremos ter capacidade e a resposta é tardia porque esses leitos ainda não estão disponibilizados.”

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