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Lula: “A sociedade precisa readquirir o direito de se indignar”


Lula: “A sociedade precisa readquirir o direito de se indignar”

Foto: Rodolfo Lucena

A Rádio Lula transformou a entrevista de Lula ao Tutaméia e ao Diário do Centro do Mundo, realizada em 5 de junho de 2019, em um áudio que pode ser acessado aqui

A seguir, a íntegra da entrevista de Lula, transcrita pelo Tutaméia.

TUTAMÉIA – PRESIDENTE, MUITO OBRIGADA POR ESTA ENTREVISTA. PRESIDENTE, NAS ÚLTIMAS SEMANAS, O BRASIL VIVEU MANIFESTAÇÕES CONTRA E A FAVOR DO BOLSONARO. UMA GREVE GERAL ESTÁ MARCADA AGORA PARA O DIA 14 DE JUNHO. COMO O SENHOR AVALIA ESTE MOMENTO, UM MOMENTO DE POLARIZAÇÃO? O SENHOR ACHA QUE A RESISTÊNCIA A BOLSONARO VAI CRESCER? O SENHOR DIRIA QUE HOJE BOLSONARO ESTÁ MAIS FORTE OU MAIS FRACO?

LULA – Eu acredito que o Bolsonaro hoje esteja mais fraco aos olhos da sociedade brasileira. Primeiro, porque ele foi um candidato que ganhou as eleições muito mais por conta de um trabalho antipolítico feito durante os últimos anos pelos meios de comunicação. Ele conseguiu passar para a sociedade, depois de 28 anos de mandato de deputado, que não era político. Ou seja, ele utiliza a política na pior espécie dos coronéis que nós aprendemos a criticar no Nordeste brasileiro. Ou seja, não só ele é político, como o filho é político, o outro filho é político, o outro é político, a mulher era política. A ponto de ele fazer um filho brigar com a mãe, disputar. Essa ideia de não ser político teve muito a ver com a eleição do Bolsonaro. Ou seja, o cara que era antissistema. O cara que não gostava de política. Ninguém prestava. O Congresso não prestava, nada prestava. Isso conseguiu fazer com que ele chegasse à Presidência da República.

Entre você falar na campanha, ele ainda levou a vantagem, pasmem, levou a vantagem de uma facada. Porque a facada o tirou dos debates, foi uma coisa fantástica para ele porque ele certamente teria muita dificuldade de participar do debate com os outros candidatos. Ele se livrou do debate. Ele preferia dar entrevista sozinho, chegou à Presidência, numa sociedade que estava enraivecida.

Porque não foi durante as eleições. Se a gente pegar desde 2013, da passeata de junho, pegar a campanha de 2014, o ódio que aconteceu na campanha em que a Dilma derrotou o Aécio, que resultou depois na campanha do impeachment da Dilma, a gente vai perceber que o povo brasileiro estava ensandecido. Eu nunca tinha visto. Eu tenho 73 anos, faço política sindical desde 1968, eu nunca vi a sociedade tomada pelo ódio que estava tomada durante esses últimos anos. A ponto de as pessoas não conversarem. A ponto de filho deixar de visitar pai. A ponto de jantares que aconteciam em família pararem de existir, porque as pessoas quase que entram em luta corporal.

Pois bem. Então ele ganha as eleições com esse discurso e o tempo vai passando e as coisas não acontecem. Na verdade, ele debita nas costas do Ministro da Fazenda toda a possibilidade de governança dele. E é uma governança muito simples, ou seja, é uma promessa de que a reforma da Previdência vai resolver os problemas do Brasil, os problemas da China, os problemas de comércio exterior, o problema de emprego, o problema de salário.

A reforma da Previdência é vendida como se fosse uma coisa milagrosa. Quando, na verdade, eu espero que essa gente toda esteja viva se for aprovada a Previdência, para ver o que vai acontecer quando você tira um regime solidário, em que todos contribuem para as pessoas na velhice se aposentar, para um regime que cada um cuida de si. Cada um para si e Deus para todos.

É um regime desastroso, tanto é que ele não existe em lugar nenhum do mundo, a não ser a experiência do Chile, que foi fracassada. Na verdade, a ideia da reforma tal como ela está proposta, visa muito mais resolver o problema para os bancos do que o problema para os trabalhadores. Os trabalhadores estão sendo vitimados por uma campanha de pensamento único extraordinária.

Se não fossem vocês da blogosfera, sinceramente. Todos os canais de televisão, todos os jornais, todos os programas populares são uma voz única defendendo a reforma da Previdência. Tem gente que fala em 10 milhões de empregos, falam em 8 milhões de empregos. Uma coisa absurda! Que não é compatível com a realidade que estamos vivendo. E nem com a reforma vai acontecer.

Na verdade, o que eles estão fazendo é destruir um sistema que tem problema, e sempre vai ter problema e sempre você vai ter que discutir reforma na Previdência, uma geração cuidar da outra geração. Agora, você não pode destruir uma coisa que resolve problema desse país como a Previdência Social.

Se essa gente conhecesse as cidades pequenas desse país –não é só no Nordeste, não, [é no] interior de São Paulo, interior do Paraná — você vai perceber que, em muitas cidades, a cidade se movimenta, as casas de prostituição se movimentam no dia que as pessoas recebem a sua aposentadoria, o seu salário mínimo.

Quando nós aprovamos, na Constituição de 1988, a política de Seguridade Social, era que a gente queria fazer um sistema global para garantir a todo e qualquer cidadão brasileiro, independentemente se ele tinha ou não contribuído, o direito de ter o mínimo de tranquilidade na velhice. Isso agora é vendido, diuturnamente, como se fosse um mal.

E a outra coisa é o processo de privatização. Eu fico imaginando o estrago que essa gente está fazendo no Brasil, e para o futuro do país, com a tentativa de vender tudo. A ponto do Ministro da Fazenda, brincando ou não, ter a pachorra de ir aos Estados Unidos e dizer que gostaria de vender até o Palácio da Alvorada, o Palácio do Planalto. Que gostaria que o Banco do Brasil fosse administrado por um banco americano.

Quer dizer: não é mais nem o complexo de vira lata, é “viralatice” pura. Pedigree de vira lata, esse comportamento. Então, eu acho que ele não está bem. Também não acho que um governo acaba com seis meses. Ele ganhou as eleições. Ele agora tem a obrigação de governar esse país e fazer com que o povo brasileiro possa ver a economia voltar a crescer, ter emprego, ter salário, ter renda. Ter vontade de ser brasileiro. É isso que está acontecendo, Eleonora.

TUTAMÉIA – E A OUTRA PARTE DA MINHA PERGUNTA: E A RESISTÊNCIA A ISSO? O SENHOR ACHA QUE VAI CRESCER? E A GREVE DE 14 DE JUNHO?

LULA – Veja, eu penso que a sociedade brasileira tem razões de sobra para brigar com o governo Bolsonaro. Ou qualquer outro governo que tivesse fazendo o que ele está fazendo. Vamos pegar a questão da educação. Não existe nenhum exemplo na história da humanidade de um país que conseguiu se desenvolver sem você investir em educação. Se você não investir em educação, você não investe no futuro do país. Investir em educação significar você ter mais sala de aula, ter mais aluno, ter mais professor, ter mais técnico. Significa ter mais investimento, e não gasto, como essa gente trata a questão da educação.

Eu acho que questões como a questão da educação, questão dos direitos trabalhistas, questão como essa da destruição da Previdência Social. Eu ainda ontem assisti de que ele leva um projeto de lei ao Congresso Nacional que pode ser chamado de “projeto de lei da morte”. Ele vai beneficiar os infratores, porque vai levar para 40 pontos as pessoas perderem sua carta.

Mas uma coisa que eu acho absurda é tirar a obrigatoriedade daquele banquinho que garanta a criança. E ainda admite que a criança ainda vá no banco da frente. Ou seja é uma coisa… Eu não vou dizer que é de insanidade, porque eu não quero criticar os loucos desse país. Mas é uma coisa insana você achar que permitindo que os caras corram mais, permitindo diminuir a multa.

Eu lembro quando foi instituído o cinto de segurança no Brasil, eu lembro uma coisa engraçada, ninguém utilizava cinto de segurança, porque era incômodo você colocar. E naquele tempo era meio apertadinho, você fazia um esforço muito grande para colocar o cinto. Quando é que as pessoas começaram a utilizar cinto? Quando a multa aumentou. Na hora que a multa é pesada, o que é que acontece? A parte mais sensível do corpo humano é o bolso. Então, o cara começa a utilizar.

Na medida que o cidadão é irresponsável no trânsito, você não pode facilitar a vida dele. Porque se fosse só ele que morresse, se fosse só o irresponsável, mas ele mata inocente. Um irresponsável pode matar uma família inteira que saiu para passear num domingo. Então, você não tem que flexibilizar. Você tem que endurecer. Para que as pessoas saibam que pegar um carro e sair na rua, você tem responsabilidade com você, com a sua família, mas com a dos outros também.

Essas coisas e outras é que me levam a crer que o Bolsonaro não deve ser tratado como um burro, como eu vejo muita gente tratar. “É um burro. Não sabe nada”. Um burro não se elege Presidente da República. Ele foi muito espero, ele não faz nada de graça. Aquilo que ele faz, que a gente acha que é um bobo, tudo aquilo é premeditado. Ele tem uma política de marketing própria, para um público próprio, que é um público que nem ele.

Quando você vê um cidadão, aqui na universidade do Paraná, arrancar uma faixa defendendo a educação, e bravar, e gritar e ofender os estudantes, como ele fez… Significa que tem gente nesse país que segue o comportamento do Bolsonaro. Tem gente que não gosta, que não gosta de negro, que não gosta de índio, que não gosta de mulher, que não gosta de homossexual, que não gosta de liberdade, que não gosta de democracia, tem gente que não gosta. Essa gente chegou ao poder.

Então, tem uma motivação enorme para a sociedade brasileira estar alerta. Eu digo sempre, Eleonora, que a coisa mais interessante nesse momento –[tem] a briga pelo salário, a briga pelo emprego, a briga pela manutenção de uma Previdência justa para as pessoas– é a questão da soberania nacional. Vamos compreender soberania nacional não só os limites das nossas fronteiras, mas vamos compreender que a parte principal dentro de um país soberano é o seu povo. É a sua qualidade de vida, sua qualidade de comida, sua qualidade educacional, sua qualidade de investimento em pesquisa, a qualidade da educação fundamental para as crianças, nossa biodiversidade, nossas riquezas minerais, nossas empresas públicas.

Nós temos que pensar que país nós queremos para amanhã, para depois de amanhã. O Bolsonaro não tem o direito de destruir o que essa nação construiu com tanto jeito.

Eu fico sempre dando o exemplo. O cidadão casa, e fica desempregado, ao invés de ir procurar emprego, em vez de fazer bico, em vez de limpar a rua, ele fica falando para a mulher: “Vamos vender a geladeira?” “Vamos vender a cama?” “Vamos vender a televisão?” “Vamos vender o micro-ondas?” Por último eles vão vender a alma ao diabo. É o que eles estão fazendo com o país.

A vergonha que nós estamos passando lá fora quando um presidente da República vai bater continência para a bandeira de um outro país. Um vexame que estão dando ao Brasil, que era um país respeitado. O que eu penso, na verdade, não é apenas o Bolsonaro. Tem uma elite brasileira, da qual a imprensa faz parte, que faço questão de dizer: a história vai mostrar que a Globo tem responsabilidade com o ódio disseminado nesse país.

Eu às vezes fico muito nervoso quando eu vejo as pessoas discutirem na televisão, um fala mal do outro e finge que não tem imprensa. A imprensa tem muita responsabilidade com o que aconteceu nesse país. O ódio disseminado, as mentiras contadas, as coisas inventadas.

Eu mesmo me pergunto todo dia: por que eu estou aqui? Eu me pergunto. Uma mentira contada pela imprensa, uma mentira contada pelo delegado que fez o inquérito, uma mentira contada pelo promotor e uma mentira contada pelo juiz, que foi referendada pelo TRF-4. Eu tinha expectativa que no STJ fossem ler o processo. Fosse pegar o processo e ver para saber onde é que está

Eu estou desafiando as pessoas. Eu não estou querendo favor aqui dentro. Eu só quero o seguinte: provem! Provem um centavo na minha vida! Provem uma coisa ilícita na minha vida. E aí eu fico tranquilo. Por que eu vou ficar brigando, xingando os outros? Eu sou obrigado a dizer: o Moro é mentiroso na minha sentença. O Dallagnol é mentiroso na minha acusação. O delegado que fez o inquérito é mentiroso. Eu quero brigar. Eu digo todo dia: eu não estou pedindo favor para a justiça. Eu estou querendo justiça. Eu não aceito um minuto de condenação.

Eu já tenho 73 anos, para mim a morte está mais próxima do que a vida. Nosso futuro, com 73 anos, um dia vocês vão chegar lá, Eleonora e Joaquim, vocês vão ver que o futuro fica muito pequeno. Eu só quero que provem, gente! Provem que eu tenho as coisas que falaram que eu tenho. Eu fico desmoralizado. Provem!

Estou convencido, Eleonora. Estou convencido aqui que o que aconteceu no Brasil não surgiu dentro do Brasil, A Lava-Jato não é uma coisa só pensada daqui. Acho que tem o Departamento de Justiça americano. Hoje nós temos documento, nós temos vídeos. A intromissão de promotores americanos nas decisões brasileiras. As multas para defender os acionistas americanos. E os acionistas brasileiros?

Quando um juiz faz um pacto com a imprensa para poder combater a corrupção, não precisa de juiz. As manchetes de jornais condenam qualquer pessoa. Você passa a contar uma mentira atrás da outra, uma mentira trás da outra. E é sempre assim: a desgraça da primeira mentira é que você passa a vida inteira mentindo. Eu disse no depoimento que eu fiz para o Moro, o primeiro depoimento: “Você está condenado a me condenar, porque a mentira já foi longe demais”.

Como é que pode o Dallagnol ficar uma hora na televisão inventando uma história de um power point, que parece aqueles que foram feitos no Fantástico, parece que foi feita pela mesma equipe. Quando termina o balaio de infâmia contra mim ele fala: “Não me peçam provas. Eu tenho convicção”.

Aí o Moro vai dar a sentença: não tem Petrobras, não tem apartamento, mas eu estou aqui. Quando descobriram, e foi o DCM que descobriu, que a offshore do Panamá que era a responsável por toda a maracutaia do apartamento no Guarujá, na verdade, era responsável pelo apartamento da Globo em Paraty e era responsável pelo helicóptero da Globo, o que aconteceu numa semana? A mulher que foi presa, foi solta. A mulher foi embora. E não se falou mais na offshore. Mas o Lula ficou aqui.

Eu estou aqui, não sei quanto tempo vou ficar. Não quero favor. Eu tenho fé em Deus que eu não morrerei sem desmascarar o Moro, o Dallagnol e os meus acusadores. Tenho fé em Deus. Não importa quanto tempo eu fique aqui dentro. Esse é o meu objetivo. É desmascarar. Porque se eles não têm honra eu quero lembrar eles que o nordestino, filho da dona Lindu, tem muita honra. Não sairei daqui sem provar a minha inocência.

DCM – PRESIDENTE, O SUCESSO DO BOLSONARO, O ÊXITO DO BOLSONARO, A CONTINUIDADE DELE, É MUITO ASSOCIADO AO SENHOR. ELE CRESCEU COMO O ANTI-LULA, O ANTI-PT. A MEDIDA EM QUE O GOVERNO DELE VAI FRACASSANDO, AS PESSOAS COMEÇAM A PRESTAR A ATENÇÃO E FALAM: OLHA, O QUE FIZERAM COM O LULA. HOJE AS PESSOAS COMEÇAM A CRIAR UM CONSENSO DE QUE O SENHOR, A SOCIEDADE QUE ACHAVA, QUE CONDENAVA O SENHOR, ACHANDO QUE TALVEZ SEJA MELHOR O SENHOR SAIR. HOUVE ONTEM UMA MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA, FOI DIVULGADA, A MANIFESTAÇÃO ANTERIOR DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA, FALANDO QUE O SENHOR TEM DIREITO À REDUÇÃO DE REGIME. O SENHOR TEM DIREITO A IR PARA UM SEMIABERTO. O SENHOR DEVERIA, INCLUSIVE, IR PARA UM ABERTO, EM CASA. A PERGUNTA QUE EU FAÇO, O SENHOR ACEITARIA HOJE ESTA REDUÇÃO DE REGIME, AINDA QUE O SENHOR TIVESSE QUE USAR TORNOZELEIRA ELETRÔNICA?

LULA – Eu respondi a essa pergunta uma vez, eu não quero que ela seja mal interpretada. Eu não estou pedindo prisão domiciliar. Se a prisão domiciliar não implicar que eu abra mão de todos os recursos que eu quero fazer para provar a minha inocência. Veja, eles têm que saber, se eu sair daqui, se eu sair daqui, eu vou continuar falando. Eu vou continuar gritando. Eu vou continuar esperneando. Eu vou continuar denunciando. Eles não mexeram com o culpado.

É muito fácil quando você prende um bandido, como prenderam alguns, e logo o bandido começa a denunciar a mãe, o avô, o pai. Escolhe um monte de cara que já morreu e continua a denunciar. Porque ele está muito menos interessado na verdade e muito mais interessado nos privilégios que vai ter, que roubou, sai daqui mais rico do que entrou. Pelo menos legalizada a roubalheira. Como tem muitos já vivendo por aí. Ninguém vai ver como é que está vivendo o Sérgio Machado, como é que vai viver o Palocci, como vai viver o Paulo Roberto. O meu delator deu dois depoimentos. Em um ele fala uma coisa, em outro ele fala outra, depois ele fala: ”O advogado é que mandou eu falar isso”.

Eu acho que o Bolsonaro tem que ter em conta o seguinte: ele se sustenta no antipetismo. Ele se sustenta no anticomunismo. Ele se sustenta no antisocialismo. Ele se sustenta no anti coisas que não existem. Aliás, se o Bolsonaro quisesse ter sonhos de dar certo esse país, ele deveria começar a ler tudo o que eu fiz nesse país.

Em vez de ele ficar dizendo: “Eu não gosto de ser presidente, eu não nasci para isso, eu nasci para ser militar”. Mentira! Se ele tivesse nascido para ser militar ele não tinha sido expulso das Forças Armadas. Ele poderia estudar tudo o que aconteceu nos meus 8 anos de governo. Ele poderia estudar como é que a gente consegue, incluindo os pobres, fazer a economia se desenvolver, fazer a economia gerar emprego, fazer a economia distribuir renda. Ele iria perceber os defeitos extraordinários que tem o aumento do salário mínimo, e não causa inflação. Saber o quanto é benéfico ao país o poder de consumo da sociedade brasileira. Fazer funcionar o comércio, que fará funcionar a indústria, que fará funcionar o emprego, que fará controlar o salário.

Um país não cresce porque o ministro da Fazenda quer que ele cresça ou porque o presidente tem os olhos verdes ou não. Não é assim que funciona a economia. Tem um ditado que diz: “O capital é covarde”. O capital só se movimenta se ele tiver certeza que vai ter retorno para ele. Como você faz uma economia crescer? Fazendo o dinheiro circular. Fazendo a empresa crescer, produzir. Fazendo o comércio crescer vendendo e fazendo comércio exterior.

Comércio exterior é sempre muito difícil porque você precisa convencer as pessoas a comprarem o teu produto e todo mundo quer vender mais do que comprar. E você tem uma disputa insana. É só ver o que está acontecendo agora entre os Estados Unidos e China.

Então, você tem que se valer do mercado interno num primeiro momento. Esse mercado são duzentos e dez milhões de brasileiros e pessoas muito ávidas a comprar qualquer coisa. E não é muito. Eu digo sempre um ditado: “Pouco dinheiro nas mãos de muitos é distribuição de renda. Muito dinheiro nas mãos de poucos é concentração de riqueza.” É o que acontece no Brasil.

TUTAMÉIA – PRESIDENTE, O SENHOR DIRIA QUE O GOVERNO BOLSONARO ESTÁ A SERVIÇO DE QUEM? É UMA PERGUNTA QUE O RODOLFO, EM NOSSAS CONVERSAS NOS PERGUNTAMOS. A SERVIÇO DE QUEM? DO SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL? DAS GRANDES CORPORAÇÕES? DOS ESTADOS UNIDOS? A QUEM SERVE O BOLSONARO?

LULA – Eu não sei a quem serve. Eu não tenho uma bola de cristal. Eu queria só dizer que era preciso investigar corretamente a guerra de fake news que houve nas eleições. Eu fico muito constrangido de perceber que a justiça eleitoral deixou para 2023 para fazer a investigação, uma apuração e mostrar. Ora, quando das denúncias com o Toffoli, imediatamente eles tomaram uma decisão, escolheram, montaram uma comissão, vamos atrás.

Porque não mostram ao país o que foi a guerra do fake news, as mentiras durante o processo eleitoral? Eu acho que não precisava ficar brigando como o Aécio fez com a Dilma, tentar negar o resultado eleitoral. A sociedade brasileira tem que ser esclarecida. Porque virou moda. Não é só no Brasil. É o Trump. É o presidente de El Salvador. Foi a eleição do Parlamento Europeu. Em vários países agora é a guerra do fake news.

DCM – O SENHOR ACHA QUE É UM MOVIMENTO QUE VEM DE FORA?

LULA – Eu acho que tem. Aqui no Brasil está provada a intromissão dos americanos, a relação do filho dele com a bandidagem americana, está provado. Os americanos viajando a Europa, viajando o mundo, tentando fazer influência política. Isso tem que ser investigado. Esse país é muito grande. Esse país tem que ser respeitado. Esse país não pode ser governado batendo continência para o governo americano. Esse país não pode ser governado de quatro para os americanos.

DCM – A PROPÓSITO DISSO, JURISTAS INTERPRETAM, ALGUNS, O BOLSONARO JÁ DEU MOTIVO PARA O IMPEACHMENT, QUE ELE TERIA COMETIDO O CRIME DE RESPONSABILIDADE. POR EXEMPLO, VOCÊ ASSINAR COM UMA POTÊNCIA ESTRANGEIRA UM PACTO COM O TERRITÓRIO NACIONAL. VOCÊ COLOCAR O PAÍS EM SITUAÇÃO DE GUERRA. UM VIZINHO QUE NÃO FEZ NADA CONTRA O BRASIL. TEM TAMBÉM A DIVULGAÇÃO DE VÍDEO OBSCENO. SERIA UM MOTIVO. O SENHOR É A FAVOR DO IMPEACHMENT DO BOLSONARO?

LULA – Depende. Quando a pessoa comete um erro gravíssimo que merece impeachment, tem que ter impeachment. Agora, o impeachment não é uma válvula de escape que utiliza toda a hora. O presidente está baixo na pesquisa, impeachment, o presidente, um erro, não. É preciso que tenha um erro grave para você fazer o impeachment, senão ninguém governa o país.

DCM – NO CASO DO BOLSONARO?

LULA – Depende. Qual é o tipo de crime que ele cometeu? Você tem que provar. Se o presidente cometeu um crime, e o Congresso Nacional consegue provar que houve um crime, faz investigação e o condena, pode ter impeachment. O que não pode é o impeachment ser utilizado toda a hora que o governo comete um erro. Porque aí você não governa. Ninguém governa o país. O que nós precisamos ter consciência é que o Brasil precisa ter mais responsabilidade através das suas autoridades. Seriedade é uma coisa que a gente aprende muito novo. Esse país hoje tem uma coisa chamada falta de credibilidade. A economia é assim: se não tiver credibilidade e previsibilidade, não vai para lugar nenhum. Até agora não tem essas duas coisas. Até agora a única coisa que se fala é na reforma da Previdência, como se fosse uma obra do divino.

TUTAMÉIA – O PAÍS AGUENTA? TEM MUITA GENTE ACHA QUE O PAÍS NÃO AGUENTA MAIS TRÊS ANOS E MEIO DE BOLSONARO. QUE VAI SER TUDO VENDIDO. A BASE DE ALCÂNTARA. A PETROBRAS COMO O SENHOR FALOU. O PAÍS ESTÁ PASSANDO POR UM PROCESSO DE DESTRUIÇÃO, TALVEZ INÉDITO.

LULA – A sociedade, Eleonora, a sociedade precisa cuidar disso. A sociedade precisa readquirir o direito de se indignar. Eu acho que os movimentos que aconteceram nesse país, no dia 15, no dia 30, o movimento oficial, tudo isso é a sociedade em movimentação. Significa que a democracia, bem ou mal, vai sendo exercitada.

Mas são as pessoas que estão perdendo que têm que brigar mais. O movimento sindical decretou uma greve para o dia 14, ele tem que trabalhar para essa greve acontecer. E o que vai fazer depois da greve.

Nós no Brasil tivemos um problema sério. A sociedade foi tão contaminada pelo ódio, que nós não conseguimos evitar o impeachment. Ou seja, uma mentira contada contra a presidenta Dilma Rousseff, a história da pedalada, nós não conseguimos. Eles transformaram em verdade na mídia, na Câmara e no Senado. E a Dilma caiu. E nós não conseguimos evitar que ela caísse. Nem dentro do Congresso, nem na sociedade.

É importante que a sociedade tenha uma coisa. Eu lembro da campanha das Diretas. A campanha das Diretas foi possivelmente o maior movimento cívico na história desse país em que juntava todos os partidos. Todos os partidos. Pois bem. No dia da votação no Congresso Nacional nós perdemos. E nós perdemos porque enquanto a gente estava na rua gritando “Diretas já”, Fernando Henrique Cardoso, Tancredo Neves, o saudoso finado Fernando Lyra, e outros, estavam negociando de “Diretas já” para “Mudança já”.

Ou seja, construíram a tese de que se tivesse direta o dr. Ulysses seria candidato, ele era muito esquerdista, era preciso então que houvesse um pacto para que se elegesse uma pessoa que combinasse com os militares a sua chegada ao poder.

E começaram. A gente na rua gritando “Diretas já” e eles articulando o “Mudança já”. O que aconteceu? “Mudança já”. Eu não esqueço nunca que eu fui na casa do dr. Ulysses Guimarães, eu e o Luiz Eduardo Greenhalgh, convidar o Dr. Ulysses Guimarães para um comício depois que o PMDB tomou a decisão que não ia mais fazer a campanha das Diretas. Nós íamos fazer um comício em Belo Horizonte, que ia ser a primeira ver que Antonio Candido e Paulo Freire iriam subir num palanque. Fomos eu e o Greenhalgh conversar com o Ulysses Guimarães, chegamos lá, a dona Mora nos atendeu com muito carinho, o Ulysses Guimarães estava dormindo, estava deitadinho com a mão na barriga, chegamos lá, acordamos ele, fomos conversar, ele falou: “Olha Lula, eu sei quando eu estou derrotado. Fizeram uma sacanagem comigo. Ou seja, eu estou gritando Diretas já e eles me vendendo por detrás”. Fizeram o acordão para ser via colégio eleitoral, sem o dr. Ulysses Guimarães. Foi isso que aconteceu.

TUTAMÉIA – HOJE SERIA POSSÍVEL IMAGINAR UMA FRENTE COMO NAQUELE TEMPO? UMA DIRETAS JÁ? ONTEM MESMO MINISTROS DA JUSTIÇA DO TEMER, ITAMAR, MINISTROS DO SEU GOVERNO, DA DILMA ASSINARAM UM MANIFESTO CONTRA ESSA POLÍTICA DE ARMAMENTO. MINISTROS DE VÁRIOS GOVERNOS ESTÃO SE REUNINDO. É POSSÍVEL, O SENHOR ACHA, FAZER UMA FRENTE ANTI-FASCISTA NO BRASIL? UMA FRENTE DEMOCRÁTICA PARA QUE ESSAS QUESTÕES POSSAM SER ENCAMINHADAS?

LULA – É possível, e ela já existe, Eleonora. Ela já existe. O que acontece é que entre você criar uma frente e você imaginar milhões de pessoas leva um tempo. Eu achei extraordinário que os ministros da educação se reunissem para fazer um manifesto contra o que está acontecendo na educação brasileira. Os ministros da ciência e tecnologia, os ministros da justiça. Isso é muito importante. Isso é o começo. Você não sai na sacada do teu prédio e grita: “Trabalhadores do Mundo, uni-vos” e eles já vão se unir. Não. É um processo.

DCM – O SENHOR RECEBEU AQUI O PDT E O PSB. DISCUTINDO JUSTAMENTE ESSA FRENTE. DE MANEIRA CONCRETA, EU FALEI POR EXEMPLO QUE O IMPEACHMENT PODERIA UNIR, FORA BOLSONARO UNIA, DIRETAS JÁ OS MILITARES SAÍRAM DO PODER. EXATAMENTE DE CONCRETO O QUE PODE SER ENCAMINHADO? QUAL É A BANDEIRA QUE SE DEVE HOJE CARREGAR?

LULA – Eu sou totalmente favorável a impeachment se você provar crime cometido pelo presidente da República que está governando. Você tem que fazer um processo de julgamento. Até chegar lá. Não é: ganhou, errou, impeachment. Assim ninguém governa o país em lugar nenhum do mundo. Tem que ter um processo de apuração dos crimes cometidos. Segundo: eu acho que é possível construir uma frente, eu queria até fazer um apelo para vocês, eu assisto muito tudo o que eu posso ver hoje, eu vejo todos vocês, vejo as entrevistas que vocês fazem. Eu, de vez em quando, sinto uma angústia, que é próprio de quem perde as eleições. Você olha: puta merda, tem quatro anos para a frente. Eu vou esperar quatro anos? Impossível esperar quatro anos. Eu quero que resolva…. Mas houve eleição! O mandato é de quatro anos.

DCM – O SENHOR NÃO PÔDE PARTICIPAR.

LULA – Nós aceitamos a regra. Entrou em campo, o juiz apitou, e agora tem o tal do VAR lá –você viu que o Corinthians perdeu ontem à noite por causa de um VAR. Então, teve o resultado. Você não protestou na hora, você não questionou, o jogo está jogado. O resultado está dado.  Você precisa fazer o quê? Não pode ficar torcendo para que o cara que ganhou erre. Porque, quando ele erra muito, quem cai na desgraça, quem é? É o povo. E que povo? A parte mais pobre da população.

O seu Bolsonaro precisa governar o país pensando em gerar empregos, gerar renda, aumentar o salário mínimo, fazer mais política social, mais habitação. É isso que ele tem que fazer. Acabaram com o Mais Médicos e colocaram o que no lugar? Quem está na capital não sente a falta de médico. Viaje o interior para ver a falta de médico. Veja quanto tempo demora uma mulher pobre para fazer uma consulta.

Eu acho que é isso que nós, da oposição, temos que brigar. No PT, eu cheguei a falar com a Gleisi, acho que estão fazendo, é transformar o programa de governo que fez o Haddad disputar as eleições, em vários projetos de lei. E apresentar no Congresso um pacote de projetos de lei se contrapondo ao que está aí. Ao mesmo tempo ir para a rua defender os interesses do povo. Eu acho que a movimentação de rua é a única coisa que faz com que qualquer pessoa que esteja no governo tenha preocupação com o povo.

Nós temos motivos de sobra. O que eles fizeram da legislação trabalhista é transformar o povo quase que no tempo da escravidão. Naquele tempo era só a gente negra que era escrava, agora é todo mundo. Agora o trabalho intermitente vai predominar nesse país, as pessoas vão ter salários muito mais baixos, as pessoas vão ser muito mais vulneráveis.

Achar que o Uber vai garantir emprego para todo mundo, achar que entregar pizza vai garantir emprego para todo mundo. As pessoas precisam de emprego formal. Emprego que dê a ele uma certa estabilidade. As pessoas têm família para cuidar. Nós temos motivos de sobra e temos bandeira para ir para a rua.

Não adianta a gente ir com 50 bandeiras. É normal que cada movimento tenha a sua bandeira. Mas tem um momento que nós temos que juntar. Por isso que eu coloco a questão da soberania como uma coisa muito forte. Na questão da soberania você está defendendo o seu país, o seu território, o seu povo, e as suas riquezas. Você está mostrando para a sociedade o que vai acontecer com o país se ele não for soberano.

Nós, Joaquim, provamos que é possível. Veja, quando nós criamos os Brics [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], a gente tinha a ideia inclusive de ter uma moeda comercial para não ficar dependendo do dólar. Por que nós temos que depender do dólar? Por que a gente não pode criar uma outra moeda? Por que eu, para negociar com a Bolívia, com o Equador, com a Argentina, eu tenho que ficar dependendo de comprar dólar, se nós podemos negociar nas nossas moedas?

A gente tinha pensado nisso quando pensou em criar o Banco do Sul, a Unasul [União de Nações Sul-Americanas], a Celac [Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos], os Brics. É possível fazer isso. E o país ser soberano. O país não tem que entrar numa reunião de cabeça baixa, humilhado. A grandeza de um governante não é fazer bonito para os seus adversários, é defender o seu povo. É falar grosso em defesa do seu povo. Coisa que eu não vejo a gente falar. Está lembrada a frase do Chico Buarque? “Eu gosto do PT porque ele não fala fino com os Estados Unidos nem fala grosso com a Bolívia”.

Quando você quer ser respeitado, você não precisa ser grosseiro com ninguém. Você pode ser tratável, você pode cuidar das pessoas educadamente. Sem precisar ofender. O Bolsonaro só tem um discurso: é contra o vermelho, é contra o comunismo. É contra socialista. Todo mundo é socialista para ele, desde que não seja dele. Uma doença que precisa de psicanálise, que precisa de tratamento. Qual é o problema?

Quando você tem um cidadão político, você pega um cientista político, o mais renomado que você quiser encontrar no Brasil, vai dizer o seguinte: “Olha, a política é a melhor forma de você encontrar soluções para os problemas de uma sociedade”. É através da política. Não é negando a política que você vai encontrar. Porque quando você nega a política, o que veem depois dela? Vem Bolsonaro. Ou seja, quando você nega a política, vem o que veio na Itália. O que veio na Hungria. Não é que eu seja contra um artista se eleger, um apresentador de televisão, um palhaço de circo de eleger. Não. Qualquer um pode se eleger. É preciso saber qual é o compromisso que a pessoa tem com o povo. Qual é o compromisso que a pessoa tem de montar um governo. E para quem essas pessoas querem governar.

No caso do Brasil, precisa ficar muito claro. Esse país voltou a ter a mesma pobreza do que tinha quando eu fui eleito presidente. Pega os anais do Congresso, veja quantos discursos o Bolsonaro fez contra mim. Nem ele fazia discurso contra mim. Nem ele. A Dilma foi candidata em 2010, naquela eleição não teve um panfleto contra o Lula em toda a campanha. Eu digo sempre: a campanha de São Paulo começou com o Serra falando bem de mim. “Eu sou amigo do Lula”. Veja os votos do Bolsonaro contra o governo.

O que eu acho?  Eu também não vou ficar aqui discutindo o meu legado a vida inteira. Eu só quero dizer que há possibilidade de fazer as coisas diferente. Há possibilidade de você governar sem ódio. Há possibilidade de você governar de forma generosa para todo mundo. Eu digo: “Eu sou o exemplo disso”.

Todo mundo ganhou dinheiro no meu governo. Qual foi a vantagem? É que no meu período você pega que os 10% mais pobres tiveram 15% de ganho a mais do que os mais ricos. Obviamente que continuaram sendo pobres, mas o cara passou a ter direito a ir num restaurante, de visitar seu parente de avião, de fazer uma viagem para o exterior.

É preciso parar de imaginar que só pode ir a Miami uma certa classe da sociedade para comprar o enxoval para o seu filho, o carrinho para a criança que vai nascer. E os pobres não. As pessoas têm prazer de ter as coisas. As pessoas querem comer bem, querem se vestir bem, querem passear bem. Todo mundo. Quem não quer se vestir bem? Quem não quer ficar bonito? Quem não quer comer bem? Ou será que as pessoas pensam que o povo gosta só de carne de pescoço? Não, a gente gosta de coxa, de peito, de filet. Só comer músculo?

É esse país que eu acho que as pessoas têm que pensar, se a gente quiser construir. Como eu acho que a esquerda pode se unir? Em torno de um programa. Ficar discutindo 2022 está muito longe. Nós temos que discutir é a nossa sobrevivência. Não dá para ficar discutindo a qualidade do caixão, a qualidade do túmulo que a gente vai. Nós temos que discutir é como evitar que esse país volte a se transformar numa republiqueta de bananas! É isso que nós temos que falar em alto e bom som. Nós precisamos convencer a sociedade do significado da palavra soberania. Eu disse aqui numa entrevista: “Cadê os militares nacionalistas?

TUTAMEIA – CADÊ?

LULA – Cadê, eu pergunto. Se um cidadão é militar de carreira, e ele não é nacionalista, ele não deve ser promovido a general. Deve cair fora logo.

DCM – PRESIDENTE, FOI UM ERRO DO PRÓPRIO PT NÃO TER DEIXADO UMA OUTRA DOUTRINA NAS FORÇAS ARMADAS? UMA INTERLOCUÇÃO MAIOR?  O QUE PARECE HOJE É QUE NA ÉPOCA JÁ SE CONSPIRAVA DENTRO DAS FORÇAS ARMADAS. DEVENDO OBEDIÊNCIA À DILMA, JÁ ESTAVAM ARTICULANDO A CANDIDATURA DO BOLSONARO. SÃO PESSOAS QUE FORAM PROMOVIDAS PELO SENHOR, PELA DILMA. NÃO FOI ALI UM ERRO NÃO TER DADO UMA ATENÇÃO MAIOR PARA AS FORÇAS ARMADAS QUE SÃO IMPORTANTÍSSIMAS DE FATO, UMA DOUTRINA NACIONALISTA. HOJE O NACIONALISMO É DO PT.  

LULA – Eu acho que eu cometi um erro. Eu já até falei para o Celso Amorim, que foi Ministro da Defesa, falei para o Jobim. Qual é o erro que eu cometi? Não ter cuidado com o tipo de formação que essa gente recebe. É uma caixinha preta. Só vai para a escola militar quem é militar. É uma coisa quase que hereditária. Filho de coronel, filho de tenente. Não é o povo comum que vai para as escolas do Exército.

Eu acho que nós precisamos saber que tipo de informação essa gente está tendo. Uma coisa é a formação militar, que é própria, específica e temos que levar em conta. Mas a educação geral do país, a compreensão política do país. Aí tem que ter consciência. Para que existe as Forças Armadas? Não é para comprar farda verde, farda azul ou farda branca. É para defender os interesses territoriais, os interesses do povo brasileiro contra possíveis inimigos externos. Para defender as nossas riquezas minerais. Isso que existe. É para isso que nós queremos as Forças Armadas fortes. E quem está falando com você, Joaquim, fala de cátedra.

Eu duvido que em algum momento as Forças Armadas foram tratadas como foram tratadas no governo do PT. Eu digo para todo mundo ouvir, espero que tenha algum general que esteja ouvindo, viu, Eleonora.

Quando eu cheguei em 2003 na Presidência do Brasil, soldado do Exército brasileiro era liberado 11 horas da manhã porque não tinha dinheiro para a sopa, para o feijão. Soldado não tinha coturno. Soldado não recebia o salário mínimo. O batalhão de engenharia estava falido. A Marinha estava esfacelada. A Aeronáutica tinha mais avião na sucata do que avião.

O avião presidencial era chamado “sucatão”. Você imagina qual é o orgulho. Você vai para a Europa num avião, chegamos lá, o filho do imperador do Japão, chega o Obama, e chega o Brasil num avião que não pode parar em qualquer aeroporto por causa do barulho. “Sucatão”. Quando a gente parava em Cabo Verde tinham 14 ou 18 mecânicos para catar parafuso que caía na pista.

Nós demos a eles a certeza de que na nossa consciência, na nossa concepção as Forças Armadas têm que estar preparadas, tem que estar bem armadas, para enfrentar as adversidades. Senão não precisa de Forças Armadas. Não precisa. Então, eles sabem disso.

Eu não sei se esse pessoal que está aí agora pensa assim. Eu não sei onde esse pessoal foi formado porque eu não conheci esse pessoal quando eu estava lá. Eu tinha a noção do Heleno porque foi nós que o mandamos para o Haiti, parece que fez um bom trabalho. Mas as coisas mudam. As pessoas mudam. Eu não quero que ele seja um lulista, que ele seja um petista. Sejam o que eles quiserem ser. O que eu quero é que eles sejam, antes de tudo, soldados brasileiros a serviço a defesa da soberania nacional, contra qualquer inimigo externo.

E aí se meter a fazer guerra com a Venezuela? Eu vou dizer uma coisa da Venezuela que é o seguinte. Eu tenho muita discordância com tipos de políticas colocadas em prática na Venezuela, mas quero dizer em alto em bom som: A Venezuela é um problema do povo da Venezuela e acho uma vergonha o presidente americano, alguns governantes europeus e o presidente brasileiro reconhecer o tal do autoproclamado presidente. É de uma vergonha. É de um jogo tão baixo, é de uma coisa tão pequena, que deveria ser apagado da história.

TUTAMÉIA – O SENHOR ACHA QUE PODERIA TER UMA INTERVENÇÃO MILITAR AMERICANA? A VENEZUELA PODE SE TRANSFORMAR NUM VIETNÃ?

LULA – Dos Estado Unidos a gente nunca, em se tratando de ocupação, depois da mentira vendida sobre o Iraque… Eu participei disso, Eleonora. Eu tive com o Bush dia 10 de dezembro de 2002. Eu tinha estado com o Clinton. Eu conversei com o Bush e falei pro Bush: “Bush, não tem armas químicas no Iraque”. O embaixador Bustami, que era o nosso embaixador, o responsável pela agência de armas químicas disse que não tem armas químicas.” Quando ele disse que não tinha, o que fizeram?  Ainda no governo Clinton, exigiram a retirada dele. Ele tinha sido eleito por unanimidade, retiraram o Bustami para colocar um japonês. O que interessava era um cara a favor. Invadiram o Iraque. Cadê a arma química? Cadê a arma química? Destruíram um país por causa do quê? Por causa de um poço de petróleo, descoberto pela Petrobras nos anos 1980. Quando a Petrobras comunicou a descoberta, Saddam Hussein tirou a Petrobras, e nós tivemos que receber vendendo Passat para eles. É o que aconteceu na Líbia. É o que aconteceu no Brasil.

Olha, você é muito nova, Eleonora. Você vai ver o seguinte: a história vai mostrar o significado da Lava Jato, a história vai significar a retomada dos Estados Unidos de colocar a Quarta Frota em funcionamento no oceano Atlântico depois da Segunda Guerra Mundial. É porque nós descobrimos a mais portentosa reserva de petróleo do século 21 no limite, no limite da fronteira marítima brasileira. Exatamente a 300 quilômetros da margem, que é equivalente a 200 milhas marítimas. Na verdade, foi o Médici que introduziu 200 milhas marítimas, porque acho que eram 100 ou 150. Daqui a pouco eles vão na ONU dizer: “O Brasil não tem direito a 200 milhas marítimas, vai ser só 150”, para o petróleo ficar em território livre.

TUTAMEIA –  PRESIDENTE, JUSTAMENTE SOBRE ISSO. O PRÉ-SAL FOI DESCOBERTO EM 2005, 2006, HOUVE VÁRIOS INDÍCIOS DE QUE A PETROBRAS ESTAVA SENDO ESPIONADA. A WIKILEAKS MOSTROU ISSO. HOUVE ATÉ O FURTO DO FAMOSO HD DA PETROBRAS. QUE OS ESTADOS UNIDOS ESTAVAM DE OLHO NESSA RESERVA, ERA MUITO EVIDENTE. EU APROVEITO PARA JUNTAR ESSA PERGUNTA COM UMA PERGUNTA QUE O RENATO ROVAI, DA REVISTA “FÓRUM”, ENVIOU AQUI, OLHANDO  EM RETROSPECTIVA, SE FOSSE O  PRESIDENTE HOJE, DESCOBRISSE O PRÉ-SAL, O  SENHOR ANUNCIARIA COM HONRAS E POMBAS OU TRATARIA ISSO COM MAIS CUIDADO? O PT E SEUS GOVERNOS FORAM INGÊNUOS EM AVALIAR OS RISCOS DE BUSCAR UM MAIOR GRAU DE SOBERANIA AO BRASIL, SEM TER SEGURANÇA INTERNA E PARCEIROS EXTERNOS PARA ISSO? EU TAMBÉM, HÁ UMA SENSAÇÃO, HOUVE INGENUIDADE NESSE MOMENTO? DESCOBRINDO ISSO, OS ESTADOS UNIDOS EM CIMA…

LULA – Não houve ingenuidade coisa nenhuma. Eu fui procurado pelo Gabrielli e pelo Estrela, para me comunicar, levaram um mapa dos estudos sísmicos que eles fazem lá, para me mostrar que eles tinham descoberto uma grande reserva de petróleo.

TUTAMEIA – UMA PICANHA.

LULA – Uma grande reserva de petróleo. Que ia do Rio de Janeiro, de Campos, até a Bahia, passando por São Paulo. E que eles não tinham ainda quantificado quanto, mas poderia ser muito. Pode ser de 8 bilhões a 80 bilhões de barris, aquele negócio todo. Eu me senti o próprio Sheik. Eu fui para casa aquela noite, eu nem conseguia dormir. Eu comecei a pensar: o que a gente faz com uma riqueza dessa?

O Brasil já era autossuficiente naquela época. Eu imaginava que a gente poderia utilizar o petróleo para fazer com que esse país tivesse o futuro garantido, resgatando toda a sua dívida histórica com a sociedade brasileira. Por isso que nós fizemos a Lei da Regulação da partilha, para que o petróleo fosse nosso, nós seríamos donos do petróleo, a gente venderia para quem quisesse, o preço que a gente quisesse, a Petrobras teria 30% desse petróleo. Fizemos a valorização da Petrobras na Bolsa de Valores. Acho que foi em dezembro. Eu tenho muito orgulho porque a maior capitalização da história do capitalismo mundial foi feita por mim na Bolsa de Valores de São Paulo. Não foi na Bolsa de Nova York. Em que nós transformamos a Petrobras na segunda empresa mais importante do mundo.

A gente decidiu que o petróleo era uma forma da gente recuperar o tempo perdido. Investimento em educação, saúde, ciência e tecnologia. Por isso é que nós aprovamos a lei.

Pensa que foi fácil? Eu fiz o primeiro projeto de lei. A Dilma me apresenta o projeto, nós discutimos, esse projeto vai para a Câmara. Quem era o presidente da Câmara? Era, acho, o Henrique Eduardo Alves. Ou ele era relator, se não me falha a memória. O que eu sei é que, para indicar ele de relator, a pedido do Temer e do Vaccarezza, ele teve que assumir o compromisso de que ele levaria para a votação o projeto de regulação que nós tínhamos apresentado. Foi essa a condição para ele ser relator. Qual não foi a minha surpresa que depois o Ibsen Pinheiro apresentou uma proposta distribuindo royalties para 6 mil municípios desse país, acabando com a lei da partilha. E qual não foi a minha surpresa que o relator, que tinha assumido com o compromisso de levar a proposta do governo, jogou fora a proposta. Qual é o prefeito que não quer royalty? O que aconteceu? Eu vetei. E mandei outra vez. E aí nós aprovamos.

Desde este momento, veja, eu sonhava com a ideia, por isso é que nós decidimos fazer refinaria, porque a gente não queria ser vítima da doença da vaca holandesa. Ou seja: a gente queria, na verdade, era que o petróleo fosse utilizado para fazer com que o Brasil ganhasse dinheiro. A gente queria exportar derivados, e não óleo cru. Esse era o sonho do governo na época. E para isso nós trabalhamos.

A direita não queria. Houve pronunciamento do Serra contra, houve pronunciamento de outras pessoas contra. O governador do Rio  de Janeiro era contra. O governador do Espírito Santo era contra que a gente fizesse a lei da partilha. Nós conseguimos manter. E aí começou a guerra contra a Petrobras. Começou a guerra contra a Petrobras mesmo.

DCM – O SENHOR ACHA QUE A LAVA JATO FOI PARA….

LULA – Eu acho que a Lava Jato tem…. Isso leva tempo para investigar. Você fica sabendo de coisa com 30 anos depois… Quando  houve o roubo do contêiner da Petrobras, que tinha segredo, houve uma investigação, feita pela própria Petrobras. Que tinha a sua segurança específica, me parece que quem pagou o pato foram os pequenininhos da Petrobras, os guardas. Na verdade, qual era a empresa que estava avalizando, certificando o pré-sal?  Uma empresa americana.

TUTAMÉIA – O SENHOR SE CONSIDERA UM PRESO DOS ESTADOS UNIDOS? TUDO O QUE O SENHOR ESTÁ CONTANDO…

LULA – Eu não vou dizer que eu sou um preso. O que eu acho é que tem interesse porque eles tinham consciência, por tudo que eles acompanhavam na política brasileira, que dificilmente se elegeria um presidente para desmontar o Brasil se o Lula fosse candidato.

Eu, por isso, sou muito grato ao carinho do povo brasileiro porque eu tinha consciência que eu poderia voltar a ser presidente para fazer mais do que eu tinha feito no primeiro mandato. Eu tinha consciência das coisas que eu não tinha feito. Por isso eu estava propenso a voltar a ser candidato à presidência da República. Porque eu acho que poderia fazer e é possível fazer mais. Agora, para fazer essas coisas você tem que aprender a gostar do povo. Você tem que aprender o seguinte: o governo não tem que ser contra uma pessoa de classe média. Ele não tem que ser contra. Ele tem que governar para ela também. Ele não tem que ser contra o empresário, tem que governar. O que ele precisa é definir prioridades. Entra uma pessoa que ganha 30 mil reais e uma pessoa que ganha mil, na hora que eu tiver que fazer um benefício, eu vou fazer para quem? Você percebe? Eu vou fazer para quem? É essa a escolha que vai permitindo com que você faça que os de baixo comecem a subir um degrau na escala social desse país. É essa subida na escala social que incomoda uma parte das pessoas.

Os Estados Unidos não gostaram quando nós fizemos o acordo com a França para a construção de submarinos de propulsão nuclear. Ele não gostou quando eu demonstrava que tinha interesse na compra do caça dos franceses, e não devem ter gostado quando a Dilma comprou os [caças] suecos. Porque eles queriam vender o deles.

Aos Estados Unidos não interessa o Brasil forte. Bote na cabeça. Isso eu vivi. Aos Estados Unidos não interessa o Brasil forte. Não interessa o Brasil protagonista. Não interessa o Brasil liderando a América do Sul. Não interessa o Brasil tendo influência na África. Não interessa essa relação do Brasil com a China, muito respeitosa, com a Rússia, muito respeitosa, com a Índia. Não interessa.

Quando a gente reuniu os Brics, eu sabia da ciumeira.

Eu vou contar uma história. Copenhague. 2009. COP 15 (15ª Conferência das Partes da ONU). Estava lá o representante da Dilma, eu não sei se era o Figueiredo, que era o embaixador, estava a Dilma, e eu naquela reunião. E lá, quando eu cheguei a Copenhagen, num dia só, só para vocês terem a ideia do que representava o Brasil naquele instante, num dia só, eu fui… Me procuraram no hotel que eu estava. Não é que eu ia atrás deles. Me procuraram no hotel: Ângela Merkel, para conversar sobre a questão ambiental, Sarkosy, Gordon Brown, o Obama me ligou. O Obama me ligou tentando propor a criação do fundo.

O que eu senti que essa gente queria? Todos eles queriam apertar o torniquete na China, tentando jogar culpa na China pela alta poluição, e que o culpado era a China. O que o Brasil fez? Eu disse para todos eles: “Vocês não estão querendo culpar a China. Eu sei que a China está poluindo muito. Mas e a dívida histórica que a Inglaterra tem de 200 anos de política industrial?  E a dívida histórica que os Estados Unidos têm? Quando é que vocês vão pagar? Então… A reunião não dava certo. Eu fui numa reunião. Teve um momento que eu fiquei nervoso, porque a Hilary Clinton chegou já no fim e já queria sentar na janelinha, e eu tive um atrito com ela.

TUTAMÉIA – O SEU GOVERNO INCOMODOU OS ESTADOS UNIDOS?

LULA – Incomodou. Não porque eu tratei os Estados Unidos mal. Porque tratei bem. Porque sei a importância dos Estados Unidos. Não destratei. Eu apenas queria ser respeitado.

DCM – O SENHOR ACHA QUE O PROJETO HOJE É TORNAR O BRASIL COLÔNIA DE NOVO?

LULA – Eu acho que, do jeito que o Brasil está sendo, o Brasil não volta a ser colônia, mas o Brasil está com complexo de pequenez enorme.

Mas eu queria concluir esse negócio da COP 15. Eu queria que houvesse um acordo, e não tinha acordo, não tinha acordo. Os povos dos países pequenos estavam nervosos com os grandes. Um dia á que era uma plenária, ia falar o Obama, depois ia falar o Sarkosy e depois eu ia falar. Eu era o terceiro a falar. Eu cheguei no plenário. Pedi para o Marco Aurélio, que Deus o tenha, ele não acreditava em Deus, mas eu acho que ele está no céu. Falei para o Marco Aurélio: “Vamos preparar uns pontos para eu fazer o meu pronunciamento”. Eu era o terceiro. Iam ouvir o Obama, o Sarkosy. Qual não foi a minha surpresa, que fizeram como se fosse uma assembleia estudantil. Ou seja: deixaram o Obama e o Sarkosy para o fim e me chamaram. Eu fui pego de surpresa. Não tinha nem um papelzinho na mão. Aí eu fui falar. Eu estava com raiva. Quando eu fico com raiva, eu fico melhor  do que quando eu estou bom. Modéstia à parte, eu fiz um bom discurso. Eu sei que eu fui aplaudido de pé pelo plenário. Assumindo a responsabilidade do Brasil. Assumindo. Antes de eu viajar para Copenhagen, a gente tinha provado no Congresso os compromissos ambientais do Brasil. Era lei. Não era mais discurso. O Obama foi falar, acho que estava num mau dia, não falou bem, o Sarkosy não falou bem. A reunião gorou no dia seguinte. Eu chamei o Celso Amorim e falei: “Celso, eu estou preocupado porque como não vai ter acordo aqui e quem tem o controle da imprensa são eles, eles vão dizer que nós somos sectários. Então vamos fazer uma reunião Brasil, China, Índia e África do Sul. E fomos para a reunião. Qual não foi a nossa surpresa, estávamos reunidos, eram cinco horas da tarde, chega a Hilary Clinton e tenta entrar. E aí, assim de chinês [faz gesto indicando muitos chineses]. Eu achava que eu tinha muito assessor, mas perto da China… Não deixaram a Hillary Clinton entrar. Chegou o Obama. O pessoal também não queria deixar ele entrar. Foi um bafafá muito grande. Nós fomos lá. Fizemos o Obama entrar. E o Obama ainda brincou, falou o seguinte: “Eu vou sentar perto do Lula para ele me proteger”. E fizemos a reunião. Naquele instante, nós tínhamos o poder, sabe, de dizer “não” a quem nós quiséssemos. De qualquer forma, nós fizemos uma espécie de um meio tratado com o Obama, para não dizer que a reunião tinha acabado sem nada, mas não houve um acordo em que as pessoas queriam culpar a China. Nós saímos de lá, eu achava que o Brasil tinha conquistado um respeito extraordinário nessa cena ambiental. Porque tudo o que eles cuidam para os países pobres é um tal de fundo verde. Tudo eles acham que resolvem com dinheiro. Eu dizia: “Não, a gente não quer um fundo. A gente quer ter o direito de se desenvolver. Nós queremos indústria, queremos emprego. Agora que vocês desmataram todo o país de vocês, vocês querem impor para a gente ficar com as nossas florestas, sem se desenvolver, vivendo de fundo de vocês? Não. Nós vamos desenvolver de uma forma ambientalmente correta, mas nós não queremos discutir esse negócio de fundo. Nós queremos na verdade é um novo modelo de desenvolvimento. E o Brasil passou a ser levado em conta. Tanto é que depois houve um encontro em Paris que o Brasil participou.

E agora, para a minha surpresa, o Brasil abandonou isso. O que predomina no Brasil é agrotóxico, é desmatamento, o que predomina no Brasil é a perda de direito do povo brasileiro nessa questão ambiental. O retrocesso que o Brasil está sofrendo não é legal.

O Bolsonaro foi eleito presidente da República, está na hora de ele descer do palanque, está na hora de ele parar de fazer o fake News, está na hora de ele começar a governar. Ele está dando muita entrevista agora. Você viu o compadrio dele com a imprensa, cada programa de cada apresentador, programa mais popular, ele vai. 50 vezes no Datena, 50 vezes no Ratinho, 50 vezes no Silvio Santos, 50 vezes não sei aonde, na Record. Faz um café da manhã em que não aparece ninguém falando, só jornalista analisando depois. Olha, faz uma entrevista e diga o que quer fazer para esse país. Eu vi o Guedes dando entrevista ontem, sabe, esse cidadão teria que ser muito, mas muito pressionado pelo Congresso Nacional pela quantidade de mentiras que ele conta. Ou seja: [Guedes diz] O Brasil não terá jeito, a indústria não terá jeito, o emprego não terá jeito, o mundo não terá jeito, Deus não será mais Deus se não for aprovada a previdência. De onde ele tirou isso da cabeça?

TUTAMÉIA – PRESIDENTE, O SENHOR CITOU AGORA A INDÚSTRIA. NOS GOVERNOS DO PT, A INDÚSTRIA, ESSA PARTE DA CHAMADA BURGUESIA INTERNA, APOIOU O SEU GOVERNO, O SENHOR SEMPRE DIZ QUE LUCROU MUITO NO  SEU GOVERNO. POR QUE O SENHOR ACHA QUE HOUVE ESSA MUDANÇA TÃO RADICAL DESSA PARCELA DA BURGUESIA QUE APOIAVA O SEU GOVERNO, POR QUE MUDARAM DE LADO E RESOLVERAM SE ASSOCIAR AOS ESTADOS UNIDOS? POR QUE HOUVE ESSA MUDANÇA?

LULA – Eles não mudaram de lado, Eleonora. Deixa eu falar uma coisa para você: eu nunca tive coragem, fiz muitos debates a nível internacional com empresários, eu brincava com eles, eu nunca tive coragem de perguntar para o empresário em quem ele votou. Porque eu tinha a consciência que ele não tinha votado em mim. Obviamente que o empresário inteligente sabe que ele tem que lidar com quem ganha as eleições. Não é com a oposição. Correto? Eu tenho consciência do que nós fizemos no Brasil. Para o empresário. Para a classe média. Para o trabalhador. E para os deserdados desse mundo. Se você for pegar a categoria metalúrgica no Brasil, no meu governo nós  recuperamos um milhão de empregos. É importante lembrar que a indústria automobilística vendia um milhão e setecentos mil carros e passou a vender quatro milhões. A perspectiva era vender seis. Tudo isso ruiu. Eu nunca fiquei esperando que gostasse. Até porque não era casamento. Não tem que gostar. Tem que respeitar.

O que eu fiz? Eu sabia que eles não gostavam de mim. Eu tomei posse e propus a criação de um conselho consultivo. Conselho de desenvolvimento social. Ali eu coloquei índio, negro, padre, coloquei pastor. Coloquei pequeno, coloquei grande, empresários, sindicalistas, centrais sindicais.

Eu lembro de uma história fantástica. Na véspera do primeiro encontro do conselho eu fiquei sabendo que o Gerdau tinha feito uma reunião no hotel Naoum com um grupo de empresários para preparar a participação deles no evento. Sabe aquele negócio de estudante se preparar para chegar, sentar na frente, e tomar conta. O que eu fiz? Eu chamei o meu pessoal e mandei colocar o nome nas cadeiras. Resolvi misturar eles. Coloquei o Gerdau junto do cara da CUT, do índio. E misturei. Eles chegaram, e não tinha nem como eles se movimentarem ali dentro. Hoje eu sou grato ao conselho porque o conselho prestou um serviço extraordinário de sustentabilidade e credibilidade a muitas decisões que nós tomamos.

Quando você governa um país, Eleonora, você não governa para você. Você não faz as coisas que você gosta. Você faz as coisas que são precisas fazer. Levando em conta que você sempre tem que beneficiar a maioria das pessoas. Como pode você viver num país em que o Ibope faz uma pesquisa que demonstra que 71% do povo é contra a facilidade de comprar armas, que está no decreto presidencial, e esse Ibope mentir para a sociedade brasileira, esconder a pesquisa três meses. Como pode? Todos nós, não precisa ser especialista. A facilidade de uso de armas no país é para permitir que aqueles que podem comprar matem os pobres.

TUTAMÉIA – PARA FORMAR MILÍCIA.

LULA – Lógico. Quem é que pode pagar quatro mil reais num revólver? Se o cara não tem o que comer em casa? Tem pouco espaço para debate porque no Brasil, eu lembro que quando o Collor foi eleito nós ficamos dois anos em que o Collor era tratado como se fosse um Rambo. Está lembrado?  Todo o dia o Collor com uma camiseta correndo, voando de avião, Mirage, explodindo um terreno no Nordeste, que tinha plantação de maconha. Era isso. Até que caiu. Depois veio o Fernando Henrique Cardoso, foram oito anos de pensamento único. Era difícil fazer oposição. Tudo o que ele fazia era 100%. Sobretudo se você pegar a Globo News e a Globo.

Tem uma pessoa que um dia vai ser processada pela quantidade de mentiras que ela contou a favor e contra. A favor de Fernando Henrique Cardoso e contra mim. Tudo o que nós fazíamos era errado. A Miriam Leitão. Tudo o que os outros faziam era certo. Acontece que nós demos certo e eles não deram certo. Eu acho que se explica um pouco a necessidade da sociedade brasileira acreditar. Não adianta ficar com raiva, porque nós precisamos tirar o Bolsonaro agora. Não. O Bolsonaro foi eleito. Ele tomou posse. Ele está procurando construir a sua maioria no Congresso Nacional, ele sabe que ele vai ter que conversar com quem ele não gosta.

Clique aqui para ler a continuação da entrevista de Lula.

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