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Entrevista de Lula ao jornal Página 12


Entrevista de Lula ao jornal Página 12

Pouco antes de partir para Buenos Aires onde vai participar de uma conferência sobre a responsabilidade dos empresários, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou com o jornal argentino Página 12 sobre Cristina, o não à ALCA , as novidades da política brasileira com Marina Silva aliada ao PSB , os protestos de junho e a importância da integração sul-americana.

Por Martín Granovsky
De São Paulo

Visivelmente, parece não haver uma vigilância especial no edifício modernista pintado de branco na Rua Pouso Alegre 21, no bairro do Ipiranga em São Paulo. Nem mesmo parece um escritório abarrotado de assessores. A recepcionista que ofereceu o cafezinho, com menos de 30 anos, sorri. Em um corredor pode tropeçar em um ex-ministro que está fazendo política, mas agora desfruta de um escritório longe do ritmo esgotante do Planalto, a Casa Rosada do Brasil. Anteriormente, o Instituto no bairro Ipiranga, foi chamado de Cidadania. Agora, simplesmente chamado de Instituto Lula, como seu chefe, que ocupou oito anos na presidência, e está a ponto de completar 68 anos de idade no próximo dia 27, ainda ativo, muito ativo, dentro e fora do Brasil.

Você está preocupado com a saúde de Cristina?

Nossa primeira preocupação é com o pleno restabelecimento de uma grande amiga e líder política. Cristina Kirchnner não é importante apenas para a Argentina, ela é importante para toda a região. Mas eu tenho plena confiança de que ela se recuperará rapidamente.

Em sua última visita a Argentina, você propôs formular uma doutrina de integração. Qual seria o foco principal?

Os conservadores tentam negar esse fato, mas a América do Sul avançou muito nos últimos 10 anos. Todos os nossos países vivem a democracia, crescem e se desenvolvem com distribuição de renda e inclusão social. A região é hoje muito mais soberana e respeitada no mundo. O Mercosul, apesar dos seus inimigos, está vivo e funcionando. Criamos a Unasul e a Celac. Mas é claro que a nossa integração pode – e deve - ser muito mais profunda e abrangente. Estou convencido de que, para isso, não bastam as visões de curto prazo. Precisamos de um pensamento realmente estratégico que enfrente os problemas estruturais da integração, que apresente soluções para os desafios da integração física, energética, produtiva, sócio laboral, cultural, ambiental, financeira etc. Temos que ir além dos governos. Envolver a sociedade civil, os sindicatos, os empresários, a universidade, a juventude.  Trata-se de construir uma vontade popular de integração. O fundamental é que todos entendam o quanto podemos ganhar coletivamente, na economia, na política, na igualdade social, na vida cultural, quanto mais nos integrarmos e fortalecermos as parcerias entre nossos países. Tenho me dedicado bastante a essa reflexão, em diálogo com os setores progressistas da região.

Você acha que hoje a relação entre a Argentina e Brasil tem uma política intensa adequada ou deve ser mais profunda ?

Eu acho que a nossa relação viveu, nos últimos 10 anos, o melhor período da sua história. Mas com certeza, pode ser  ainda mais forte. No plano politico, temos um excelente diálogo. Mas podemos ampliar – e muito - a integração física, cultural, de cadeias produtivas, de turismo. Precisamos agora de mais estudantes brasileiros nas universidades argentinas, e mais argentinos nas universidades brasileiras, mais turistas argentinos conhecendo o Brasil, ainda mais brasileiros tendo oportunidade de conhecer e viajar à Argentina, mais empresas dos dois países associadas para atuar em terceiros mercados. O potencial daquilo que podemos fazer trabalhando juntos só começou a ser explorado. É importante termos clareza disso.

Para baixar imagens em alta resolução, visite o Picasa do Instituto Lula.

O que mudou para a América do Sul a "não" formação de uma Aliança de Livre Comércio das Américas em novembro de 2005?

Foi fundamental em 2005, barrarmos aquela proposta da Alca, em Mar del Plata. Ela não era de verdadeira integração, mas sim de anexação econômica. Afirmando a sua soberania, a América do Sul buscou um caminho próprio e muito mais construtivo. Ao invés de um mercado cativo para os Estados Unidos, como estava previsto na Alca, hoje buscamos um mercado compartilhado, em benefício do desenvolvimento de todos os países da região. Acho que tanto nas políticas econômicas quanto nas relações internacionais a região tem conseguido trabalhar de forma conjunta ao mesmo tempo em que respeitamos a soberania de cada país. E isso pode parecer óbvio, mas é uma grande conquista quando analisamos a história da América do Sul. Se não tivéssemos evitado a Alca, a região não teria dado o salto social e econômico que deu na última década. Argentina, Brasil e Venezuela tiveram um papel central nesse processo. Nestor Kirchner e Hugo Chávez foram grandes aliados nesse processo.

Cada um à sua maneira, os países da América do Sul lutaram contra a pobreza e a miséria extrema. Como se pode acelerar a luta contra ambas realidades?

Tenho defendido, em todos os debates que participo que é fundamental os governos incluírem os pobres no orçamento. Porque os mais pobres muitas vezes não são capazes de se organizar nem para se manifestar. Não tem sindicato, nem partido. Quando chega o orçamento todos estão lá menos os pobres: os militares, os diplomatas, a infraestrutura…menos os pobres. Então é necessário incluir os mais frágeis, os que mais precisam do Estado, no orçamento. Outra coisa é que precisamos parar de tratar o dinheiro para o social como gasto e o dinheiro para o rico como investimento. Porque os economistas são incríveis. Dinheiro para ajudar a instalar uma indústria é investimento. Mas dinheiro para dar emprego, segurança alimentar, educação, hospital, para as pessoas saírem da pobreza, é chamado de gasto. E quanto custa a doença, a fome, a pobreza? Quem calcula isso? Então ao invés de verem os pobres como um problema, é preciso enxergá-los como parte da solução. Se dermos recursos aos mais pobres, eles viram consumidores e fazem a roda da economia girar. Se dermos oportunidades aos mais pobres, eles viram trabalhadores.  Se entendermos isso, veremos que podemos erradicar a pobreza extrema em nossos países e também em todo o mundo.

O que os governos devem fazer com as novas demandas como as reivindicações de melhora na política de saúde e de transporte público? As manifestações em junho surpreenderam o Partido dos Trabalhadores?

Em certo sentido, surpreenderam sim. Já que o país avançou de modo extraordinário nos últimos anos. Mas as manifestações foram um alerta importante para nós. Elas impedem qualquer risco de acomodação. Incitam-nos a fazer ainda mais. Até porque um povo que conseguiu tantas conquistas, no período recente, é natural que queira mais. Milhões de pessoas tiveram acesso ao ensino superior, e agora querem empregos qualificados. Passaram a contar com serviços públicos de que antes não dispunham, e agora querem que eles tenham melhor qualidade. Milhões de brasileiros puderam comprar o seu primeiro carro e hoje também viajam de avião. A contrapartida, no entanto, deve ser um transporte público eficiente e digno, que reduza o trânsito, tornando mais digna a vida nas grandes cidades. É uma nova geração, mais educada e exigente e isso é muito bom. Eu acho que o povo tem mesmo que exigir mais. E cabe a nós, políticos, ouvir essas demandas e trabalhar ainda mais.

Você considera que o PT e o governo reagiram a tempo?

Eu acho que a presidenta Dilma Rousseff teve uma sensibilidade extraordinária. Ela fez cinco grandes propostas para atender as vozes das ruas: um plebiscito pela reforma política; mais recursos para o transporte nas grandes cidades; destinar os novos recursos do petróleo (o chamado pré-sal) para a educação; garantir médicos na periferia das grandes cidades e em todas as regiões do interior; e intensificar o combate à inflação. De lá para cá eu vejo que a população entendeu e está valorizando os esforços da presidenta e que a solução para esses problemas se dará progressivamente. Eles exigem muito trabalho e recursos. A saúde por exemplo. A oposição ao meu governo acabou com um imposto, tirando 40 bilhões de reais por ano da saúde, achando que ia me prejudicar. Mas eles não prejudicaram a mim, que terminei o governo com 87% de aprovação; prejudicaram o povo brasileiro, que precisava daqueles recursos para ter um melhor atendimento, acesso a exames e medicamentos mais complexos. É parecido com essa lamentável intransigência da oposição americana ao projeto para a saúde proposto pelo presidente Barack Obama.

-Marina Silva anunciou sua filiação do Partido Socialista Brasileiro, que por sua vez, deixou a aliança do governo. Você tem medo dessa candidatura que agora conta com uma estrutura partidária?

Por princípio, devemos respeitar todos os adversários. Mas, sinceramente, acredito que a presidenta Dilma tem todas as condições de se reeleger, porque o país continua crescendo e se desenvolvendo, gerando empregos, promovendo inclusão social, expandindo e melhorando a qualidade dos serviços públicos, com uma ênfase especial na educação, na ciência e na tecnologia. A maioria da população sente que o país está no rumo certo e acha que a atual presidente é a mais preparada para aprofundar as mudanças e garantir que não haja retrocessos. Não há motivos para que a presidenta Dilma tema qualquer adversário.

Como o PT fará para manter a ampla aliança no governo e no Parlamento e ao mesmo tempo evitar a contaminação sofrida por alguns governadores?

Em um país tão diverso e complexo como o Brasil, é necessário governar com alianças. Isso acontece tanto no governo nacional, quanto nos estados e municípios. O sistema partidário brasileiro é muito pulverizado, existem mais de 30 partidos, e o eleitor pode escolher o presidente da República de um partido e os deputados e senadores de outro. Não existe voto em lista, o voto é no indivíduo, que depois não é obrigado a ficar no partido que o elegeu. Enquanto não houver uma reforma política, ninguém no Brasil conseguirá governar sem alianças, o que em minha opinião também não seria desejável. Há dez anos o PT governa o Brasil com alianças de centro-esquerda, e foi com elas que o país obteve suas enormes conquistas econômicas, sociais e culturais. Temos procurado aperfeiçoá-las, dando a elas um caráter mais programático e de maior corresponsabilidade política. Mas com certeza vamos manter o nosso governo de coalizão. Continuaremos trabalhando juntos com os partidos que nos apoiam. Para a população, o importante é governarmos bem, ouvindo e atendendo suas demandas, dialogando com todos os setores da sociedade, aprofundando as mudanças sociais.

Lula presidente nas eleições de 2014 é uma opção absolutamente descartada?

Minha candidata à reeleição em 2014 é a presidenta Dilma Rousseff. E eu serei um militante dedicado da presidenta. Porque eu tenho a seguinte convicção: assim como meu segundo mandato foi muito melhor que o primeiro, o segundo mandato da Dilma também será.

O que você espera da revisão judicial no processo chamado Mensalão?

Como o processo ainda não foi finalizado, eu, na condição de ex-presidente, não tenho me pronunciado sobre o julgamento.

Qual será a base da relação entre o Brasil e os Estados Unidos depois da espionagem à Dilma e a suspensão da visita de Estado a Washington, marcada para este mês.

São muito graves os atos de espionagem contra os chefes de Estado, não só do Brasil, mas também do México, e autoridades e governos de muitos outros países. Não podemos aceitar como normal interceptação de telefonemas e a invasão da correspondência reservada dos Presidentes da República de países amigos. Foram ações que feriram nossa soberania e os princípios mais elementares da legalidade internacional. Acho que precisamos aguardar as explicações americanas sobre a espionagem, e um pedido de desculpas, que ainda não veio. O Brasil é um país que respeita e tem relações pacíficas com as outras nações do mundo, e quer ser respeitado da mesma forma. Eu acho que a presidenta Dilma Rousseff fez um grande discurso nas Nações Unidas, ao apontar que a internet, esta invenção maravilhosa que aproxima os povos do mundo, não pode se tornar um terreno de espionagem ou de Guerra.  Espero que outros países se juntem ao Brasil no esforço de uma melhor governança internacional da internet. E acho que provavelmente a maioria dos cidadãos dos países que praticaram essa espionagem concorda que é inaceitável invadir comunicações privadas de milhões de cidadãos, espionar empresas como a Petrobras ou a presidenta de um país amigo e pacífico.

 Entrevista no site do jornal Página 12: http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-231217-2013-10-14.html

 

 

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