Mariana Vazquez é a convidada desta edição do Encontros Instituto Lula
24/02/2021 10:02
O ex-presidente argentino Carlos Menem, morto no último dia 14, governou seu país por uma década — de 1989 a 1999 —, seguindo à risca a cartilha do neoliberalismo. Como legado, deixou um país devastado econômica e socialmente. Pouco depois do fim de seus mandatos, em 2001, a Argentina entrou em uma das maiores crises de sua história. O país viu a dívida externa explodir e sua economia se deteriorar. Os efeitos da insatisfação popular se fizeram sentir também na política: em menos de duas semanas, cinco presidentes chegaram a tomar posse.
Para a cientista política Mariana Vazquez, os mandatos de Menem marcam “uma das décadas mais tristes da história argentina, a pior desde a redemocratização do país”. A professora da Universidade de Buenos Aires é a convidada desta edição do Encontros Instituto Lula, sobre o legado do ex-presidente no vizinho latino-americano.
Após construir uma trajetória política no peronismo, “Carlos Menem traiu todas as ideias do movimento”, avalia Mariana. Na Presidência, aplicou uma agenda alinhada ao Consenso de Washington, com uma política externa marcada pela cooperação com os Estados Unidos e muito falha no que diz respeito aos direitos humanos. Em contrapartida, “algumas das principais bandeiras do peronismo são a independência econômica, a soberania política e a justiça social”, explica Mariana sobre a referida traição.
Longe de ser um caso isolado, o governo Menem caracteriza um período marcado pela hegemonia do neoliberalismo na América Latina — no Brasil, essa década corresponde aos mandatos presidenciais de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Como uma das principais marcas dessa orientação econômica e política, a onda de privatizações varreu a região. No caso argentino, Mariana destaca o agravante da venda da petrolífera Yacimientos Petrolíferos Fiscales, uma empresa estratégica.
Também orientada nesse sentido, a Argentina implantou em 1991 o Plano de Conversibilidade, que atrelava a moeda local ao dólar, na paridade de um para um. Após um controle momentâneo da inflação, a situação ficou insustentável. “Foi um suicídio lento, a combinação da conversibilidade com a abertura da economia levou à destruição da indústria nacional e do emprego”, explica a cientista política. No final da década, com a valorização da moeda norte-americana e o crescimento do déficit público, o país foi atingido pela grave recessão.
Na avaliação de Mariana Vazquez, esses elementos demonstram que Carlos Menem deu continuidade e aprofundou a política econômica da ditadura militar argentina (1966 - 1973), marcada, entre outras coisas, pela desindustrialização e valorização do modelo agrário-exportador.
A situação na Argentina só começaria a mudar em 2003, com a eleição de Néstor Kirchner, inserida em uma onda de progressismo que tomou a América Latina no início do século. Mariana atenta para o fato de que, apesar da vitória peronista, Menem ainda contava com considerável popularidade e poderia ter vencido caso não tivesse aberto mão da disputa no segundo turno. Sobre isso, ela retoma uma frase de Kirchner ao chegar à Presidência, quando disse: “Eu tive menos votos do que pessoas sem empregos no país”.
Para a professora, a herança de devastação deixada por Carlos Menem, somada àquela legada por Mauricio Macri, tem consequências vigentes ainda hoje em seu país. Com o mesmo tema, mas em espanhol, o Página 12 fez uma matéria apresentando “o homem que nasceu para uma coisa e fez a oposta”.