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Após encontro, Lula diz que ganância aumenta desigualdade

Ex-presidente foi recebido pelo papa Francisco em audiência privada na residência Santa Marta, no Vaticano, durante cerca de uma hora


Após encontro, Lula diz que ganância aumenta desigualdade

Papa Francisco e Lula se encontram no Vaticano / Foto: Ricardo Stuckert

Por lula.com.br

Depois de ter se encontrado nesta quinta-feira (13) com o papa Francisco, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em Roma que “a ganância dos interesses empresariais e financeiros” é responsável pela revogação de conquistas dos trabalhadores e pelo aumento da desigualdade no mundo. Lula denunciou a “má vontade dos governantes” diante da questão ambiental e exortou os jovens a “lutar para garantir o seu espaço e o seu futuro no planeta Terra”.

Lula foi recebido pelo papa em audiência privada na residência Santa Marta, no Vaticano, durante cerca de uma hora. Foi o primeiro encontro dos dois líderes, que haviam trocado correspondência em 2018, quando Lula cumpria prisão ilegal em Curitiba. 

Em entrevista, o ex-presidente destacou os pontos principais da audiência: o combate à desigualdade, que será tema em março de um encontro mundial de jovens economistas convocado pelo papa; e a questão ambiental.

“O mundo está ficando mais desigual e maioria dos trabalhadores está perdendo direitos”, disse Lula. “Muitas das conquistas que tivemos no Século 20 estão sendo derrubadas pela ganância dos interesses empresariais e financeiros”. 

Lula recordou ter participado de encontros do G-20 após a crise financeira global de 2008, mas sem resultados: “Todas as decisões que tomávamos envolvendo interesses dos trabalhadores, desenvolver os países mais pobres, nada disso aconteceu”. E completou: “O que aconteceu é que o sistema financeiro saiu mais forte e a economia mundial está financeirizada. [...] Hoje se ganha dinheiro produzindo papéis e vendendo facilidades, ao invés ganhar fabricando produtos e gerando empregos”. 

Lula disse que é alentadora a iniciativa do papa de debater a desigualdade com jovens economistas, porque “toca num assunto vital para o futuro”. E indagou: “Quem é que vai oferecer trabalho aos trabalhadores? Quem vai pagar salários? Quem é que vai cuidar das pessoas pobres, que nem oportunidade de emprego têm?”

O ex-presidente disse ter ouvido do papa que este, aos 84 anos de idade, “quer fazer coisas que sejam irreversíveis, que fiquem para sempre no seio da sociedade”. Segundo ele, a inciativa de estimular a juventude a discutir a nova economia do mundo é uma necessidade. “Isso deve servir de exemplo para o movimento sindical, para outras igrejas e para os partidos políticos do mundo inteiro”.


Foto: Ricardo Stuckert

Meio ambiente

“Nós estamos percebendo que há uma má vontade, apesar dos discursos dos governantes, em se preocupar com a questão ambiental”, disse Lula ao abordar o segundo tema principal da audiência com o papa Francisco. 

“Muita gente deseja romper o protocolo de Kyoto”, afirmou, referindo-se ao compromisso assinado em 1997 pelos países membros da ONU, de reduzir a emissão de gases relacionados ao aquecimento global. “Muito se fala em energia alternativa, no degelo do pólo norte, mas pouco tem sido feito”, afirmou. 

“Enquanto a gasolina e o petróleo forem baratos, não há interesse em mudar a matriz energética da maioria dos países”. Lula recordou compromissos que nunca foram cumpridos, como a ampliação do uso de biocombustíveis na Europa. “É preciso levar muito a sério um novo modelo de produção energética”.

Lula voltou a defender o que disse na reunião da COP 15 em Copenhague, em 2009, da qual participou como presidente do Brasil, sobre a questão ambiental ser responsabilidade de todos. “Antes de culpar a China pela poluição atual, é preciso saber quem vai pagar pela poluição histórica do planeta Terra”. Ele disse que já naquela ocasião percebeu que muitos queriam deixar de cumprir o Protocolo de Kyoto.

“Quero lembrar que, se a gente não cuidar da preservação do planeta, um dos principais animais em extinção é o ser humano, sobretudo os pobres, porque não existe nenhuma preocupação em cuidar deles”, afirmou Lula.

O ex-presidente disse ter ficado “muito satisfeito” pelo encontro com o papa. “Se todo ser humano, ao atingir 84 anos, tiver a força, a disposição e a garra que ele tem, de levantar temas instigantes para o debate, a gente poderá encontrar soluções mais fáceis”. 

Ao fim da declaração à imprensa, Lula afirmou: “Há dois setores que têm de lutar: nós, que temos mais de 70, aposentados e velhos, e os jovens, que na verdade têm muito o que lutar para garantir o seu espaço e o seu futuro no planeta Terra”.

Encontros em Roma

Depois da audiência com o papa, Lula visitou a Fundação Lili e Lélio Basso, onde se encontrou com os juristas Luigi Ferrajoli e Franco Ipolitto, ex-presidente da Suprema Corte Italiana. 

Muito respeitado pela comunidade jurídica internacional, Ferrajoli denunciou os abusos da Lava Jato e disse que Sergio Moro fez uma “colaboração premiada” com Jair Bolsonaro. Em manifesto com outros 16 juristas de todo o mundo, afirmou que Lula “não foi julgado, foi vítima de uma perseguição política”.

Na quarta-feira, quando chegou a Roma, o ex-presidente Lula recebeu, em encontros individuais, o ministro de Economia e Finanças da Itália, Roberto Gualtieri, o ex-primeiro-ministro Massimo D’Alema e o sociólogo Domenico De Masi, que o haviam visitado na prisão em Curitiba. Também se encontrou com os organizadores do Comitê Lula Livre na Itália. A todos agradeceu pela solidariedade e pela defesa da democracia no Brasil.

O ex-chanceler Celso Amorim e os advogados Cristiano Zanin e Manoel Caetano viajaram com o ex-presidente. Celso Amorim acompanhou Lula na audiência com o papa. O ex-presidente também se encontrou com os organizadores do encontro “A Economia de Francisco”, que reunirá jovens economistas a convite do papa, em março, na cidade de Assis.

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Leia na íntegra a declaração de Lula após o encontro com o papa:

Minha vinda à Itália teve como objetivo principal discutir com o papa Francisco a questão da desigualdade e a questão da sua luta e da sua defesa de uma boa política ambiental. Todos sabem que o mundo está ficando mais desigual. Todo mundo sabe que, na grande maioria dos países do mundo, os trabalhadores estão perdendo direitos. Todo mundo sabe que muitas das conquistas que nós tivemos no século 20 estão sendo derrubadas pela ganância dos interesses empresariais e dos interesses financeiros. Todo mundo sabe o que aconteceu no mundo depois da crise de 2008 e da queda da bolsa de Nova Iorque. 

Eu participei de muitas reuniões no G20, desde as primeiros em Washington a última em Cingapura. Todas as decisões que nós tomávamos eram para que não houvesse prejuízo para os trabalhadores, para que não houvesse protecionismo, para que a gente pensasse em desenvolver os países mais pobres, nada disso aconteceu. O que aconteceu é que sistema financeiro saiu mais forte, o que aconteceu é que a economia mundial está financeirizada. Hoje, ganha-se dinheiro vendendo papel, vendendo facilidade em vez de ganhar dinheiro produzindo um produto qualquer e gerando emprego. 

Quando o papa Francisco toma a atitude de fazer um encontro em Assis para discutir desigualdade e chama milhares de jovens para debater uma nova economia no mundo, é uma decisão alentadora do papa e toca em um assunto vital para o futuro dos trabalhadores do mundo inteiro.

Eu acho que é uma decisão alentadora do Papa que toca em um assunto vital para o futuro dos governantes do mundo inteiro. Ou seja, quem é que vai oferecer trabalho para os trabalhadores, quem é que vai pagar salário dos trabalhadores, quem é que vai cuidar das pessoas pobres que nem oportunidade de ter um emprego tem?

Acho que os jovens economistas que vão discutir. Uma frase que eu ouvi do papa, muito alentadora, é que na idade dele, 84 anos, ele quer fazer coisas que sejam irreversíveis, coisas que fiquem para sempre no seio da sociedade. E alimentar a juventude a discutir os problemas econômicos do mundo, eu acho que é uma necessidade, acho que isso deve servir de exemplo para movimento sindical, para outros igrejas, para os partidos do mundo inteiro.

Esse é um assunto que muito me interessa, porque nos discursos que eu fiz o ano passado no Congresso do PT, eu disse que a desigualdade deveria ser um tema prioritário do meu partido para o próximo período. 

A segunda coisa é a questão ambiental. Nós estamos percebendo que há uma má vontade, apesar dos discursos, dos governantes em se preocuparem com a questão ambiental. Eu só queria lembrar vocês que muita gente deseja romper com Protocolo de Kyoto. 

Eu lembro que o último encontro que eu participei que foi a COP 15, em Copenhague. O que os países europeus e os Estados Unidos queriam era jogar a culpa da poluição em cima dos chineses. Eu dizia que antes de culpar os chineses pela poluição mundial é preciso saber quem vai pagar a poluição histórica do planeta terra, porque tem país que se desenvolveu há 200 anos, e que já polui há muito tempo, que não pode querer  jogar a culpa para outro país. 

É preciso que haja a responsabilidade de todos e eu sentia naquela ocasião que já não queriam cumprir o Protocolo de Kyoto, que já estavam cansados de cumprir o Protocolo de Kyoto.

Muito se fala de uma energia alternativa, muito se fala no degelo do Pólo Norte e pouco é feito.

Eu lembro que eu ainda era presidente da República quando, aqui na Europa, se decidiu que até 2020 você teria que reverter 10% de etanol em combustíveis na Europa inteira. Isso saiu na verdade das prioridades. Enquanto a gasolina for barata, enquanto o petróleo for barato há interesse em mudar a matriz energética na maioria dos países.

Nós estamos percebendo que é preciso levar muito a sério novos modelos de produção de energia. O Brasil é um país que tem um privilégio porque nós temos 80% da matriz energética limpa. O Brasil tem muita energia renovável. O Brasil ainda pode produzir muita energia. E o mundo inteiro pode, seja eólica, seja fotovoltaica, seja solar... 

A questão ambiental é prioritária pra gente. Se a gente não cuidar da preservação do planeta, é preciso lembrar que um dos principais animais atualmente em extinção são seres humanos pobres. Não existe nenhuma preocupação em cuidar deles.

Fiquei muito satisfeito com o encontro com o papa Francisco. Acho que se todo ser humano, ao atingir 84 anos, tiver a força, a disposição e a garra que ele tem em levantar temas, eu diria instigantes, para o debate, a gente pode encontrar soluções mais fáceis.

Eu acho que tem dois setores da sociedade que têm que brigar: nós --  os que já têm mais de 70 anos, que somos considerados aposentados e velhos --, e os jovens, que na verdade têm muito o que lutar para garantir o seu espaço e o seu futuro no planeta Terra.

É por isso que vim pra cá. Saio daqui hoje satisfeito. Não poderia sair daqui sem ver as três centrais sindicais que me instigaram desde os anos 1970 no movimento sindical brasileiro. Eu aprendi muito com o sindicalismo italiano. Foi daqui que eu tirei muitas das lições que coloquei em prática no Brasil.

Foi aqui que eu aprendi com o movimento sindical o meu modo de contestação feito, seja pelos jornais ou pelos governos. Regressarei para o Brasil com a expectativa de que eu esteja com a mesma disposição do papa Francisco para brigar por um mundo melhor. 

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