“As políticas sociais dos governos Lula e Dilma empoderam muitas populações tradicionais da Amazônia para desenvolver um melhor manejo e proteção das florestas”, afirmou Marina Londres, que abre a coluna “Cartas para Lula”
Amazônia brasileira. Foto: James Martins/Wikimedia Commons
03/07/2019 12:07
Cartas para Lula, por Celso Marcondes
Carta 1 – Marina Londres
Enquanto Bolsonaro é questionado sobre política socioambiental, Lula e Dilma diminuíram uso predatório dos recursos naturais, diz pesquisadora em carta ao ex-presidente.
“As políticas sociais dos governos Lula e Dilma empoderam muitas populações tradicionais da Amazônia para desenvolver um melhor manejo e proteção das florestas”, afirmou Marina Londres, pesquisadora da Unicamp e engenheira florestal que trabalha há 16 anos na região amazônica. Ela escreveu ao ex-presidente em 18 de abril de 2018 e abre a coluna Cartas para Lula.
A correspondência de Marina ganha atualidade quando o presidente Bolsonaro, questionado por Angela Merkel e Emmanuel Macron na recente reunião do G20, teve o desplante de afirmar que “o Brasil é alvo de uma psicose ambientalista” e que “temos exemplo para dar à Alemanha, inclusive sobre meio ambiente”.
Não por
acaso o tema entrou na pauta do evento. Já é de conhecimento (ou de
estarrecimento) internacional a política ambiental que o novo governo
brasileiro executa por aqui.
Neste dia 2 de julho, o assunto ganhou ainda maior relevância com a ampla divulgação de estudo a apontar o aumento de 60% no desmatamento da Amazônia em junho de 2019 em relação ao mesmo mês de 2018.
Pesquisadores têm feito um grande esforço para denunciar a política socioambiental em curso no Brasil.
Em abril de 2018 a engenheira florestal Marina Londres, defendia as ações dos governos Dilma e Lula a partir de sua própria experiência. Segundo a pesquisadora, elas “proporcionaram notáveis e incontestáveis melhorias nas condições de vida locais em diversos parâmetros (escolaridade, nutrição, produção agroextrativista, renda, consumo, bem-estar e autoestima)”. E assinalava: “na medida em que a pobreza diminuiu, muitas comunidades passaram a preservar mais a floresta, a melhorar suas condições de organização social e a diversificar suas fontes de renda”.
Entretanto, agora, em 7 de junho de 2019, oito ex-ministros do meio-ambiente de diferentes governos, emitiram um gravíssimo alerta: "a governança socioambiental do Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição". E completaram: "Estamos diante de um risco real de aumento descontrolado de desmatamento na Amazônia. Os frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós".
A emocionante carta de Marina Londres lida nos dias de hoje ajuda a dar a dimensão humana do estrago em curso. Ela descreve seu trabalho “com comunidades tradicionais (ribeirinhos, indígenas, quilombolas etc.) na região Amazônica, produzindo de forma participativa conhecimentos para ajudar a viabilizar o desenvolvimento de meios de vida sustentáveis”.
Preocupada com a situação de Lula, mas carregada de disposição de luta, ela escreveu ao ex-presidente:
“Clamo para que o senhor não se sinta só, para que o senhor não fique triste. Que o senhor tenha muita calma, paz, serenidade e inspiração divina no tempo que estiver aí. Nós aqui fora estamos resistindo, lutando, lhe defendendo e plantando esperanças como o senhor nos ensinou a fazer”.
Informada que sua carta seria divulgada agora no site do Instituto Lula, Marina ficou feliz com a publicação e, em áudio, se mostrou muito preocupada com a situação atual na Amazônia, em especial com o significativo aumento da violência e da vulnerabilidade das comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas diante do novo quadro imposto pelo governo atual.
Leia a íntegra da carta de Marina Londres:
Belém, 16 de abril de 2018
Querido companheiro Lula,
Penso no senhor a cada instante. Como estará o senhor nessa prisão tão injusta e revoltante. Que situação. Nosso maior guerreiro, nosso maior e mais querido líder, nosso tão amado herói, brutalmente afastado de nós. Presidente Lula, eu não o conheço pessoalmente, mas o amor que eu sinto pelo senhor é imenso. Chorei por vários dias depois da sua prisão. Clamo para que o senhor não se sinta só, para que o senhor não fique triste. Que o senhor tenha muita calma, paz, serenidade e inspiração divina no tempo que estiver aí. Nós aqui fora estamos resistindo, lutando, lhe defendendo e plantando esperanças como o senhor nos ensinou a fazer.
Sabemos que o senhor está ai por nós. Depois de todos os seus feitos heroicos, grandiosos e históricos, o senhor merecia estar sendo tratado como um rei, não só pelo povo e pelas frentes progressistas, mas por todos os segmentos dessa nação. Mesmo assim, os odiosos e desprezíveis que te perseguem não conseguem esconder o seu legado e o seu enorme prestígio mundo afora.
Que privilégio eu sinto por viver e existir na mesma época que o senhor, e testemunhar a inimaginável transformação social e estrutural que um retirante nordestino, um operário, um homem do povo, proporcionou ao nosso país. Lula, o senhor é um gigante fenômeno na história do Brasil e do mundo. Nossa síndrome de vira-lata e nossa trajetória como país colonial sempre submisso a potências imperiais nos limitava a realmente acreditar que o Brasil pudesse ir tão longe, como foi no seu governo. Uma verdadeira revolução pacífica onde pudemos, pela primeira vez em 500 anos, experimentar o que é viver em uma democracia vibrante, numa sociedade mais solidária e justa, repleta de oportunidades para toda uma população. A triunfante erradicação da miséria e fome, a diminuição da tão criminosa desigualdade social. Um país das dimensões do Brasil se tornando a 6' economia mundial, crescendo com inclusão social. Tudo isso em 8 anos. Não vamos esquecer, agora sabemos do nosso potencial e que podemos ir mais longe.
Eu tenho 39 anos, sou engenheira florestal e há cerca de 15 anos trabalho com comunidades tradicionais (ribeirinhos, indígenas, quilombolas, etc.) na região Amazônica, produzindo de forma participativa conhecimentos para ajudar a viabilizar o desenvolvimento de meios de vida sustentáveis. Ou seja, formas de conciliar melhorias dos padrões de vida com a conservação da floresta e de outros recursos naturais. E repare só: minha pesquisa de doutorado demonstrou que as políticas sociais implementadas no seu governo e no governo da presidenta Dilma não só proporcionaram notáveis e incontestáveis melhorias das condições de vida locais em diversos parâmetros (escolaridade, nutrição, renda, consumo, produção agroextrativista, bem estar e auto estima), como também se notou a diminuição do uso insustentável e predatório dos recursos naturais. Quer dizer, na medida que a pobreza diminuiu, muitas comunidades passaram a preservar mais a floresta, a melhorar suas condições de organização social e a diversificar suas fontes de renda. Para dar um exemplo concreto, a situação de exclusão e miséria que antes muitas daquelas famílias viviam fazia com que se derrubasse muita madeira, vendida a "preço de banana" em relações injustas de mercado e para suprir necessidades básicas. As políticas sociais dos governos Lula e Dilma empoderaram muitas populações tradicionais da Amazônia para desenvolver um melhor manejo e proteção das florestas. Enfim, eu poderia contar muitas outras experiências nesse sentido, mas vou parar por aqui porque sei que o senhor tem muitas outras cartas pra ler!
Querido presidente, a sua coragem nos fortalece e inspira. A sua humanidade é tão profunda e verdadeira. O senhor nos representa no que há de melhor e mais belo e íntegro da essência do povo brasileiro. Nossa gratidão é plena, nosso amor pelo senhor é absoluto e não vamos sossegar enquanto não lhe vermos livre e governando novamente esse país.
Um forte abraço e até breve, com meu carinho,
Marina Londres