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Gate discute papel do Brasil na disputa EUA x China


Gate discute papel do Brasil na disputa EUA x China

Traçado da nova rota da seda; Na imagem ainda não há o caminho que levará até a América Latina - Reprodução

O texto abaixo é uma publicação do Gate, o Grupo de Acompanhamento de Temas Estratégicos do Instituto Lula. A partir deste mês, o Instituto irá publicar regularmente os boletins produzidos pelo Gate.

Brasil e América Latina: dilemas da região a partir da disputa entre EUA e China

O Brasil, e alguns poucos outros países latino-americanos (México, Argentina, Colômbia, entre os destaques) tiveram alguma trajetória industrializante até os anos 1980 do século passado. Importantes como estratégia de desenvolvimento, esse movimento foi possibilitado por algum protecionismo e ativas políticas industriais. Também tivemos na região algumas experiências de integração regional, destacando-se a Comunidade Andina, o Mercado Comum Centro-Americano, e em especial o Mercosul.

Das transformações presentes no final do século 20 e que sem dúvidas impactam o despertar do século 21 temos dois elementos que merecem total atenção:  em primeiro lugar estão as novas iniciativas de multiplicação das matrizes energéticas com a presença de fontes renováveis e, em segundo lugar, a aceleração das transformações tecnológicas principalmente na área de comunicação, informática, nanotecnologia e transporte. Esses dois elementos desafiam a modernização da América Latina e o estabelecimento de novas políticas e de um novo relacionamento com o mundo tanto, em termos geopolíticos quanto produtivos.

É também nesse contexto que surge  o maior dilema deste início de século: qual será a grande potência mundial do século 21?  Terá os Estados Unidos condições de manter a sua hegemonia militar, política, tecnológica e monetária? Ou como vislumbram alguns analistas tentando antecipar-se aos fatos, será a China capaz de superar em todos ou alguns desses segmentos o papel desempenhado hoje pelos Estados Unidos?

No centro dessas perguntas e na tentativa de controlar  a narrativa estão as próprias potências, tanto China quanto EUA buscam formas de acelerar a sua presença nas relações mundiais, os EUA neste momento pela via unilateral, e a China em muitos momentos tentando fortalecer espaços multilaterais. Mas a pergunta também importa a outros atores internacionais com a mesma intensidade, dado que a decisão por associar-se a uma ou outra dessas potências revelaria certo padrão ou uma possibilidade que desenvolvimento para o curto e/ou médio prazo. 

Mas diante de tantos prejuízos possíveis às potências médias e aos países dependentes na escolha de um ou outro hegemon, por quê escolher? Existe alguma alternativa de se mover entre as duas potências? Historicamente é possível observar que a ascensão de novas potências se dá entre outras coisas pela criação de padrões que eliminam ou obscurecem as relações pré-existentes. A história brasileira nos remete aos dilemas enfrentados de certa forma pelo Brasil entre o fim do Séc. XIX e as primeiras décadas do Séc. XX, quando da transição de hegemonia entre EUA e Inglaterra, quando algumas figuras históricas no Brasil, como o Barão de Rio Branco ou Getúlio Vargas buscaram espaços intermediários, articulação e autonomia frente às potências que disputavam a hegemonia, agindo muitas vezes de forma pragmática.

Independentemente das nossas decisões presentes e futuras a respeito  das possibilidades que se apresentam em termos de parceria e alinhamento é preciso analisar o cenário com base nos custos e benefícios que o pragmatismo da política externa brasileira e os desafios do desenvolvimento econômico exigem.

Tanto o Brasil quanto a América Latina ocupam um papel periférico na divisão internacional do trabalho e no sistema de poder mundial, posição hoje que não nos  reserva mais que o papel de exportador de matérias-primas de baixo valor agregado, e geralmente associado a monoculturas agrícolas, minerais e/ou  energéticas. O Chile exporta cobre, a Venezuela depende da exportação de petróleo, a Colômbia exporta café, o Brasil exporta soja e minério de ferro, entre outros, a Bolívia se torna importante pelo lítio  e assim sucessivamente.

No que diz respeito a essa reconfiguração do comércio internacional e da inserção latino-americano na divisão internacional do trabalho é preciso reconhecer que o centro das relações comerciais está em transição do Atlântico para o Pacífico. Isso significa que o extremo oriente asiático ganha papel central nos fluxos comerciais e econômicos antes ocupados pela Europa e o eixo Mediterrâneo-Atlântico. Isso significa que para a América Latina há uma mudança significativa em termos de participação e para o Brasil em particular essa mudança pesa no sentido de ter ficado mais distante da relação logística com o novo centro do comércio mundial. Assim, pelas dificuldades hoje existentes de uma logística rumo ao Oriente, via Pacífico, o país precisa repensar sua estratégia.

É um mundo bastante distinto da fragmentação realizada anteriormente pelos Estados Unidos. Os EUA dividiam o mundo em compartimentos, suas relações comerciais e políticas com a América Latina não se misturam com suas relações comerciais europeias. o Oriente Médio tem uma política própria na visão estadunidense. Nessa visão compartimentada os Estados Unidos têm uma política comercial própria para cada região, o que não parece ser a opção chinesa, expressa em processos mais estratégicos e abrangentes para o conjunto de países, como a chamada “nova Rota da Seda” (Projeto “Um Cinturão, Uma Rota”).

Diferenças à parte é importante reforçar que não estamos mais no mundo da Guerra Fria, estamos em um mundo pós-Guerra Fria, e apesar das diferenças políticas importantes, não há nesse momento contestação significativa a um padrão de funcionamento da economia hegemonizado pelo capital. Talvez se possa pensar em algum questionamento a hegemonia do capital financeiro, se quisermos aprofundar o debate.

Em termos tecnológicos, porém, algumas das nossas mais importantes iniciativas foram realizadas em parceria com a China, o lançamento do último satélite brasileiro em 2019 foi parceria com a China.

Não é possível ainda questionar qualquer tipo de rivalidade chinesa com os Estados Unidos em termos geopolíticos e financeiros. a diplomacia do dólar ainda rege as finanças mundiais (embora, em um quadro de acirramento da disputa, se comece a buscar alternativas) e a presença militar forte nos Estados Unidos nas duas horas de distância de qualquer espaço terrestre global torna o país norte-americano ainda soberano  na área militar.

São questões que aumentam e agravam o dilema brasileiro e latino-americano porque se hoje é impensável não entender a América Latina sem sua relação comercial com a China (relação comercial que, deve se dizer, aprofunda o perfil regional de exportador de commodities agrícolas, minerais e/ou energéticas), também é inimaginável, no curto-prazo, que a influência estadunidense no panamericanismo representado pela OEA seja questionada.

E, para tornar a situação ainda mais complexa, se assumirmos que a estratégia via integração regional seja uma possibilidade de fortalecimento de mercados e do ponto de vista da geopolítica para a região buscar um desenvolvimento autônomo e que coloque o crescimento com distribuição de renda, riqueza e poder como centro de uma nova estratégia, estratégias de aprofundamento da dependência histórica (com os EUA) ou de uma nova dependência (com a China) tornam mais difícil a construção de qualquer alternativa.

Assinam este boletim:

• Adhemar Mineiro é economista, doutorando do PPGCTIA/UFRRJ, assessor da REBRIP e membro da Coordenação da ABED-RJ, e do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.

• Carlos Eduardo F. Silveira é economista, doutor em Economia pela Unicamp e ex-diretor do IPEA

• Luís Fernando Vitagliano é cientista político, doutorando em Ciência Política pela Unicamp e professor universitário

Sugestões Leituras e Vídeos de aprofundamento:

Sobre a Rota da Seda:
A iniciativa "Um cinturão, uma rota", por Adhemar S. Mineiro 

Sobre o plano quinquenal da China: 
Vídeo | China define nesta semana seu plano de desenvolvimento para próximos 5 anos  Infomoney - PIB da China pode superar o dos EUA em 10 anos com plano de expansão  

Sobre as disputas tecnológicas entre China e EUA:
Quem controla o 5G (Evgeny Morozov)  

Seminários da Carta Maior sobre Inserção da China. Marco Cepik e Pedro Brancher: https://drive.google.com/file/d/1fQ450zNJF2pifJwibGlk0F7d60awJ3U2/view 

A ciência e a tecnologia em disputa: 
- 3º Encontro da Rede Brasileira de Estudos da China
Palestra de José Eduardo Roselino 
Palestra de Ester Majerowitz 


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