“Me sinto pronto para enfrentar os problemas do Brasil e contribuir para a construção de um mundo melhor para a maioria”, diz o texto publicado no jornal norte-americano nesta quinta-feira
21/11/2019 18:11
Por Luiz Inácio Lula da Silva
Em abril do ano passado, meus adversários políticos comemoraram quando, depois de um processo judicial altamente partidário e tendencioso, fui enviado à cidade de Curitiba, no sul do Brasil, para cumprir uma sentença ilegítima de regime fechado.
Eles esperavam esmagar meu espírito e me apagar do mapa político. Mas a experiência apenas revigorou e fortaleceu meu compromisso – e agora me sinto pronto para enfrentar os problemas do Brasil e contribuir para a construção um mundo melhor para a maioria, não apenas para poucos privilegiados.
Os 580 dias que passei preso, praticamente em uma solitária, provaram ser um dos mais transformadores da minha vida política. Da minha cela, pude contemplar profundamente os problemas que nossa sociedade enfrenta.
A parte mais difícil de suportar uma detenção ilegal foi ter sido impedido de participar da campanha eleitoral presidencial do ano passado. Com certeza dói ao atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, saber que ele não teria me vencido naquela eleição sem a atuação do ex-juiz, Sergio Moro, atualmente seu ministro da Justiça.
Juristas, advogados e estudiosos do mundo inteiro ficaram surpresos com a parcialidade do meu julgamento. O Brasil inclusive ignorou o pedido do Comitê de Direitos Humanos da ONU para que eu pudesse me candidatar até que meus “recursos perante os tribunais fossem concluídos em procedimentos judiciais justos”.
Como presidente do Brasil, introduzi amplas reformas para capacitar as agências federais a combater o crime organizado e a corrupção. Infelizmente, para o nosso país, indivíduos sequestraram o sistema legal para tentar enfraquecer e remover oponentes políticos. Uma investigação conhecida como Operação Lava Jato – liderada pelo juiz Moro – tornou-se a força motriz por trás de um esforço não para perseguir corruptos, mas para manipular nosso processo democrático.
A motivação política dos meus acusadores e os abusos legais cometidos não tinham como ser ignorados. Em julho de 2016, minha equipe e eu comunicamos as graves violações dos meus direitos fundamentais ao Comitê de Direitos Humanos.
Durante toda essa farsa judicial, meus advogados provaram que eu não era culpado, com documentos cabais sobre minha inocência. Eles também destacaram as ações coordenadas de “lawfare” contra mim – tentando usar recursos jurídicos para me deslegitimar. Com algumas exceções honrosas, a maioria da mídia brasileira optou por ignorar esses fatos. Somente em junho, com a publicação de uma investigação que mostrou conluio entre a promotoria e juízes pelo site Intercept Brasil, que a verdade finalmente começou a surgir. Essas revelações abalaram os brasileiros e o mundo porque mostraram que um esforço anticorrupção que antes era aclamado havia sido politizado, contaminado e cometido ilegalidades.
Bolsonaro recompensou Moro quando o nomeou ministro. A nomeação não foi uma surpresa para mim: simplesmente provou o que minha equipe jurídica e eu dissemos o tempo todo – que Moro era tendencioso e abusava da lei para seus próprios propósitos políticos.
As ações de Moro ao conduzir meu processo na Lava Jato fizeram um grave desserviço ao Brasil. Ele e Bolsonaro devem arcar com a responsabilidade política e jurídica de suas ações. Também tem responsabilidade também os Estados Unidos, onde estamos questionando a cooperação altamente irregular do Departamento de Justiça e de outras agências policiais com Moro e a Lava Jato. Congressistas americanos expressaram preocupação sobre isso, mas não receberam ainda resposta do governo do presidente Trump.
Ninguém deve estar acima da lei, mas a lei deve ser aplicada de forma equânime. Nunca solicitei nada especial, apenas tratamento justo, imparcial e independente nos termos da lei. É por isso que continuarei lutando vigorosamente para limpar meu nome de ataques legais partidários. Minha recente recente recuperação da liberdade não é o fim da luta legal – é apenas o começo.
Paralelo à minha luta legal, estarei definindo uma agenda política positiva para o futuro do Brasil. Meu papel é ajudar a unir as pessoas, como sempre fiz, em nossa sociedade cada vez mais fragmentada e polarizada. O objetivo central é ajudar os brasileiros a restabelecer sua confiança em nossas instituições políticas e jurídicas.
No Brasil que desejo ajudar a reconstruir, os direitos humanos e legais, incluindo os dos meus oponentes políticos, serão protegidos e fortalecidos. É sinal de uma forte democracia quando todo cidadão é capaz de se orgulhar e confiar na força de suas instituições.
Leia o artigo em inglês, publicado originalmente no The Washington Post