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Vídeo: mobilidade é meio para usufruir direitos

Debate promovido pelo Projeto Velhas e Novas Desigualdades na Era Digital reforça importância de políticas públicas que ampliem o acesso à mobilidade


Vídeo: mobilidade é meio para usufruir direitos

Reprodução

Debate promovido pelo Projeto Velhas e Novas Desigualdades na Era Digital reforça importância de políticas públicas que ampliem o acesso à mobilidade 

O transporte é o meio para usufruir de qualquer outro direito, das políticas públicas e da possibilidade de conviver na cidade. Assim, o conceito de mobilidade urbana é algo muito mais amplo que o ir e vir, mas trata da reprodução do acesso ao espaço público. 

Esse foi o centro do debate  realizado nesta quinta-feira (21) pelo Projeto Velhas e Novas Desigualdades na Era Digital, do Instituto Lula. O geógrafo Marcelo Amaral e a assistente social Rafaela Albergaria, especialistas no tema da mobilidade urbana, apresentaram seus pontos de vista sobre o tema e o agravamento da desigualdade social diante das dificuldades de mobilidade. 


Marcelo, formulador de políticas públicas, que tem a mobilidade urbana como objeto de trabalho, lembrou que o carro, com pouco mais de um século de existência, foi capaz de criar sua própria economia, interferir na nossa vida cotidiana. “Alternativas para superar o carro estão nos museus: andar a pé, de bicicleta. Passamos a década de 1990 debatendo a crise da mobilidade urbana. Cidades que já estavam passando por esgotamento, nos anos 2000 esgotaram de vez. O carro promove a erosão da cidade. É uma tecnologia essencialmente elitista, criada para poucos. Automóvel não tem como ser solução para todo mundo. Tem de romper esses paradigmas.”

Espaços desiguais

Para ele, mobilidade para a cidade deve se dar em um ambiente sustentável, sob a ideia de olhar para as pessoas. “Não é pensar em um sistema de vias, mas em gente se descolocando, saindo de suas casas, chegando aos empregos, escola, fazendo compras. Esse olhar vem sendo disputado”, alerta, defendendo pensar e resguardar a cidade pedestre, a cidade lenta, o ritmo das pessoas. 

O geógrafo falou ainda sobre os espaços desiguais, de segregação das pessoas nos bairros. “O acesso à cidade é totalmente desigual. Indicadores mostram que onde tem população mais preta, mais pobre, onde o IDH é pior, a mobilidade é pior.” 

Construir um cenário de como a tecnologia pode trabalhar para construir soluções e não piorar as cidades é fundamental, destacou. “Tem de pensar desigualdade e partir de quem está no território, de baixo para cima, nesse cenário de perda de direitos. A tecnologia vem precarizando tudo. E há o mesmo risco para a mobilidade.”

O 5G, por exemplo, já veio desigual, não para todas as cidades brasileiras, lembra ele. “Para quem tiver acesso, permite muita coisa, pode ser muito bem utilizado. Tem benefícios, sim, mas para essa mobilidade como demanda, como serviço.” 

Marcelo Amaral destacou também as políticas para bicicletas, que estão revolucionando cidades no mundo todo. “Movimentos acontecendo par e passo com essa discussão das tecnologias e da desigualdade. Se o Uber fez o que o taxi não fazia, chegar nos territórios favelados, o transporte público também está sendo modificado. Brasil ainda tem algo minimamente estruturado e que está ameaçado pelo transporte sob demanda.” 

Tecnologia contra mortes

Rafaela Albergaria discute mobilidade urbana desde 2017. “Minha prima foi morta atropelada pelo trem no Rio de Janeiro de forma brutal. A porta fechou e ela foi arrastada. Tivemos de lidar com a narrativa da empresa que queria configurar como suicídio. Assim começamos a entender o cotidiano de violência que atravessa esse sistema”, contou. 

A assistente social também apontou que o acesso das pessoas à mobilidade é garantido para territórios mais abastados, com estrutura de melhor qualidade, constantemente reconstruídas. “Territórios de favela, periferia, convivem com a precariedade. E esse debate sobre a questão da segurança dialoga com a provocação do tema de hoje, sobre o uso de tecnologias para mobilidade, para pensar cidades mais acessíveis. O transporte é meio para usufruir qualquer outro direito, a possibilidade de conviver na cidade.”

Segundo Rafaela, em 2018 duas pessoas por semana foram atropeladas pelos trens no Rio de Janeiro. A falta de sensores nas portas são determinantes para as mortes. Assim como a falta de câmeras de retorno de imagem para saber qual a situação dos passageiros. Para ela, é fundamental pensar em novas tecnologias para serem implementadas no transporte público para garantir segurança operacional que evite mortes. “São simples, essenciais, mas muitas vezes não aplicadas nos transportes públicos. Se transporte é essencial para nossa existência, a inoperância dessa estratégias proíbe pessoas com dificuldade de mobilidade, por exemplo, de ter acesso à cidade. Produzir cidades acessíveis é garantia de segurança para todos.”

Planejamento urbano

Há uma relação direta entre política de mobilidade e a forma como se pensa o planejamento urbano, avalia a assistente social. “O índice de passageiros por quilômetro remete aos navios negreiros que torna a lotação regra no transporte público. Se a operação está definida por lotação, isso vai repercutir em violência constante. Não importa como os passageiros estão sendo transportados. Economiza na operação e coloca os passageiros em insegurança constante”, critica Rafaela. 

A centralidade que a mobilidade tem para pensar a cidade tem relação direta com quais corpos ocupam essa cidade. Tecnologias de reconhecimento facial, menciona ela, não podem ser utilizadas para criminalização, mas são importantes para garantir segurança no retorno de imagem para maquinistas de trens, por exemplo. 

Por outro lado, no Rio de Janeiro se internam jovens simplesmente por tentar acessar territórios mais abastados. A polícia entra em ônibus que saem de regiões periféricas e apreende esses jovens sob a lógica de que estariam se movimentando com o objetivo de fazer arrastões. Assim, avalia ela, enfrentar o racismo estrutural faz parte do debate sobre mobilidade urbana. O mesmo sobre o machismo. “Corpos femininos sofrem violência de vários tipos (nos seus deslocamentos).”

Rafaela, que vive na Baixada Fluminense, ressaltou: “Pessoas das periferias têm de se deslocar para estudar, procurar trabalho, trabalhar, vender seus produtos. Precisamos de modelos que desconcentrem as oportunidades”. 

Tecnologia para todos

A pandemia, lembrou ela, mostrou o tema da mobilidade ainda mais latente. “Na necessidade de isolamento, com suspensão das aulas presenciais, ficou explícita a profunda desigualdade de acesso à internet. Vários territórios vivenciam acesso precário a redes, equipamentos. Estar sempre logado é uma realidade de aprofunda a desigualdade. Uma população majoritária não tem acesso ou tem acesso precário. Quem ocupa os espaços de decisão tem acesso, os demais são apagados da realidade. O 5G vai apagar grande parcela da população que não tem nenhum acesso. Isso coloca a necessidade de aprofundar a internet livre.” Dessa forma, para pensar o futuro, avaliam os especialistas, é preciso saber lidar com esse avanço que deixa a maior parte da população fora da nova dinâmica dessa vida logada.

“As perdas que tivemos na pandemia, das crianças que não conseguiram acompanhar o ensino, se afastaram da escola, também são materiais. Vínhamos num caminho de ampliar oportunidades. O 5G pode ajudar nesse processo, mas temos de olhar para demandas de produção de equidade, das pessoas que estão fora do acesso digital”, disse Rafaela, defendendo que o acesso à internet e aos equipamentos sejam política pública. “É fundamental para que as tecnologias não aprofundem desigualdades agravadas na pandemia.”

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