Doe Agora!

'Diálogos sobre a África' destaca a resistência das mulheres da Guiné-Bissau

A antropóloga Peti Mama, discutiu as formas de resistência das mulheres guineenses, ressaltando como seus saberes tradicionais moldam novas práticas políticas e sociais


'Diálogos sobre a África' destaca a resistência das mulheres da Guiné-Bissau

Na última quinta-feira (9), o Instituto Lula realizou mais uma edição do 'Diálogos sobre a África', com a participação da professora Peti Mama, doutora em Antropologia Social pela UFPA e docente da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).


O encontro abordou a luta das mulheres da Guiné-Bissau, destacando as estratégias de resistência e os desafios que enfrentam em espaços políticos e sociais.


Trajetória e pesquisa

Peti Mama dedica sua produção acadêmica à análise das relações de gênero e dos modos de organização política comunitária na Guiné-Bissau. Sua pesquisa concentra-se na participação de mulheres guineenses, examinando como constroem redes de solidariedade e exercem liderança em distintas esferas da vida social e econômica.


Seu trabalho analisa práticas femininas que articulam preservação cultural, partilha de saberes e atuação coletiva, ressaltando de que maneiras essas dinâmicas são apresentadas para transformar estruturas e ampliar espaços de decisão para as mulheres no contexto pós-colonial. Ao estudar as experiências e estratégias adotadas pelas mulheres guineenses, Peti Mama evidencia como tais práticas políticas desafiam padrões históricos de exclusão, fortalecendo processos de reconhecimento e empoderamento social no país.


A professora iniciou sua fala apresentando o contexto histórico e as bases de sua pesquisa, centrada no papel das mulheres guineenses na transformação social. “Mesmo diante das limitações colocadas, as mulheres continuaram a encontrar formas resilientes e criativas de atuar, resistir e influenciar a sociedade bissau-guineense.”


Unindo reflexão antropológica e análise social, a professora investiga como a participação feminina é fundamental para compreender as mudanças recentes na Guiné-Bissau, revelando o papel ativo das mulheres na construção de alternativas e avanços em contextos marcados por adversidades históricas e desafios institucionais.


 Além disso, destacou o papel das mulheres nas lutas de libertação e na preservação das identidades culturais: “As mulheres sempre foram agentes de resistência, preservadoras da nossa identidade cultural, religiosa, linguística e, dentre outros, desempenharam papéis de extrema importância, seja nas frentes de combate, seja na organização comunitária, no cuidado com os demais combatentes”.


Resistência e apagamento político

No contexto político da Guiné-Bissau, as mulheres enfrentam sérios obstáculos para ocupar espaços de poder. Apesar da existência de uma legislação que exige a participação feminina nos partidos políticos, na prática esse avanço é limitado e muitas vezes simbolicamente desconsiderado. A presença efetiva das mulheres nas decisões políticas permanece reduzida, o que reflete um apagamento que vai além do formalismo institucional.


Ao discutir o período pós-independência, Peti Mama ressaltou o impacto da Lei da Paridade, aprovada em 2018, e suas limitações práticas: “Apesar da aprovação da lei de paridade, que estabelece uma cota mínima de 36% de mulheres nas candidaturas, a implementação tem enfrentado sérias dificuldades. Muitos partidos políticos não cumprem integralmente a lei, e as sanções raramente são aplicadas”. 


Essa exclusão configura um desafio contínuo para as mulheres, que buscam formas de afirmar sua agência política tanto nas instituições oficiais quanto nas práticas comunitárias e nos saberes tradicionais.


 “As estruturas coloniais não desapareceram completamente. Elas se transformaram de forma tanto visível como invisível, sutilmente, mas estão presentes em diversas formas, tanto no nosso sistema de ensino quanto na organização política e nas relações de poder.”


Oralidade e saberes tradicionais

O encontro reforçou a importância de dar visibilidade a modos de conhecimento marginalizados socialmente e excluídos do meio acadêmico. Esses saberes são pilares da cultura e da resistência das mulheres guineenses. A oralidade e os saberes ligados às práticas comunitárias e coletivas sustentam identidades e estratégias de enfrentamento frente às dinâmicas sociais e políticas adversas.


“Os saberes a partir da oralidade, que se convencionou academicamente em dizer saberes tradicionais, englobam conhecimento sobre saúde, agricultura, educação, e se tornaram instrumentos de transformação social”, destacou a professora.


Esses saberes, segundo ela, estruturam formas de poder e organização coletiva: “O saber feminino não se insere somente no conhecimento técnico ou cultural, mas é um instrumento estratégico de poder, porque está nas experiências reais sobre a organização social, política, étnica e religiosa”.


Essas formas de conhecimento oferecem alternativas ao saber eurocêntrico e ampliam o entendimento sobre o papel das mulheres na construção e preservação das comunidades, ressaltando sua capacidade de ação e protagonismo mesmo diante da invisibilidade social.


 “O saber das mulheres guineenses é uma forma de poder comunitário que sustenta a vida e mantém viva a memória social do país.”


Diálogo entre Brasil e África

O 'Diálogos sobre a África' faz parte da Iniciativa África do Instituto Lula, que promove intercâmbios culturais e acadêmicos entre o Brasil e países africanos. A participação de Peti Mama reafirma o compromisso da iniciativa em valorizar as vozes africanas, especialmente das mulheres, promovendo um diálogo que reconhece as especificidades locais e fomenta a cooperação baseada na equidade epistemológica.


Assista abaixo ao debate completo:




RECOMENDADAS PARA VOCÊ