Alexandre Padilha em foto de abril de 2012, quando era ministro. Foto: Elza Fiúza/ABr
27/07/2018 15:07
O ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha leu nesta sexta-feira (27) no Rio uma carta que o ex-presidente Lula enviou ao Congresso da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
Segue o documento, sem as falas eleitorais:
CARTA AO POVO BRASILEIRO,
AO CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA,
Curitiba, 27 de julho de 2018.
Queridos participantes do Congresso da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, querido companheiro Professor Gastão Wagner, atual Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, querida Presidenta da Fundação Oswaldo Cruz, eleita pela comunidade de professores, pesquisadores, estudantes e trabalhadores da Fiocruz, Dra Nísia Trindade Lima em nome de quem eu saúdo todas e todos os presentes a este debate.
Antes de mais nada, vocês não tem a dimensão da dor, de onde eu estou, da proibição de estar nesta manhã com vocês. Gostaria de estar de novo, neste belo Campus de Manguinhos da nossa Fiocruz, que tantas vezes visitei seja para debatermos os rumos da saúde pública do nosso país ou, na condição de presidente da República, para investirmos e ampliarmos a capacidade da nossa Fiocruz em produzir conhecimento crítico, qualificação de profissionais e tecnologia em vacinas e medicamentos para os desafios da construção do SUS.
Digo para vocês que tenho muito orgulho de ter sido o presidente da República que levou e ampliou a estrutura de unidades da Fiocruz para todas as regiões do país: Sudeste, Sul, Norte, Nordeste e Centro- Oeste. De termos alcançado a excelência na produção de vacinas e medicamentos estratégicos para a saúde pública com a expansão e qualificação de Farmanguinhos da Fiocruz.
De, no meu governo e da Presidenta Dilma, termos colocado a Fiocruz e o Brasil no seleto grupo de países do mundo que passaram a ter produção pública de produtos biológicos, através da nossa Biomanguinhos/Fiocruz.
Como gostaria de estar com vocês e relembrar as inúmeras vezes em que, nas missões internacionais, no G-20, na Unasul e Mercosul, nos BRICS, na CPLP, nas cúpulas com países da África e Oriente Médio, nas Nações Unidas, em que chefes e ministros de Estado vinham pedir, para mim, parcerias de cooperação técnico e científica com a nossa Fiocruz e com o SUS.
De relembrar como vínhamos mobilizando os profissionais e estruturas da saúde para o desafio do combate a fome e a miséria, de como vínhamos reduzindo a mortalidade infantil e da infância, de como ampliávamos e sustentávamos um dos maiores programas públicos de vacinação e de combate a AIDS, a Malária, a Tuberculose e a Hanseníase.
De relembrar como criamos o SAMU, o Brasil Sorridente, a Farmácia Popular, a Política Nacional de Humanização do SUS e o Mais Médicos, para citar alguns exemplos. Relembrar de como enfrentávamos os desafios de expandí-los e qualificar essas políticas por cada canto do nosso enorme pais.
Preciso contar a vocês, que durante estas missões internacionais tive ainda mais orgulho de cada pesquisador e trabalhador da saúde brasileiro. E que ganhei ainda mais consciência da importância de que ao longo destes 30 anos, seja como deputado constituinte, quando votei e participei da criação do SUS, seja como liderança sindical e popular, seja como presidente do PT apoiando nossas experiências municipais exitosas, como a do saudoso David Capiatrano em Santos, seja como Presidente da República, lutamos para que o nosso Sistema Público de Saúde estivesse mais próximo dos ideais do Movimento pela Reforma Sanitária que o fundou: Sistema Público de Saúde para todas e todos, com qualidade, que cuida dos brasileiros e brasileiras na sua integralidade, entendendo a saúde como direito e não como algo que pode ou deve ser comprado ou vendido.
Tenho consciência de que ainda estamos longe deste ideal e, infelizmente, muitos passos para trás ou para uma trilha distante deste foram dados no Brasil, depois do golpe que nos impôs o atual governo e iniciou o mais rápido e profundo desmonte da nossa Constituição e do SUS.
Quero, por conta desta luta, e proibido de forma arbitrária e inconstitucional, de me dirigir pessoalmente a vocês, aproveitar esta carta para também saudar os mais de 200 milhões de brasileiros e brasileiras que de alguma forma usam o SUS: seja no atendimento de saúde, nas ações de urgência, nas campanhas de vacinação, nos bancos de sangue, no monitoramento pela vigilância sanitária da produção de medicamentos, cosméticos , equipamentos de saúde, hotéis e restaurantes.
Mesmo a todos aqueles que, ao usarem serviços totalmente privados de saúde, são atendidos por profissionais de saúde que, só estão lá, porque um dia praticaram no SUS, ao longo da sua formação.
Quero fazer uma saudação especial e carinhosa as trabalhadoras e trabalhadores de saúde que, em cada canto do Brasil, lutam para superar toda e qualquer adversidade em nome da defesa da vida e do alívio do sofrimento das pessoas e dos seus familiares. Saudar as centenas de milhares de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Endemias que tiveram o seu reconhecimento profissional nos meus governos, e que não se cansam de caminhar pelas regiões mais remotas do nosso país. Saudar as mais de 20 mil equipes de Saúde Bucal, espalhadas pelo país pelo Brasil Sorridente, quando trouxemos definitivamente este cuidado para agenda da Saúde Pública Brasileira.
Saudar os trabalhadores de mais de 30 mil unidades do Aqui Tem Farmácia Popular e de mais de 40 mil farmácias nas Unidades Básicas de Saúde, criadas a partir de uma política de assistência farmacêutica a altura do desafio de um Sistema Público Universal.
Saudar os médicos e profissionais de saúde das mais de 40 mil equipes de saúde da família, dos profissionais do Mais Médcios, do SAMU, das UPAs 24h, para falar de algumas das iniciativas criadas pelos nossos governos.
(...) Ao meu ver, são inadmissíveis as falas do atual governo de considerar que o SUS é muito grande, que seu tamanho tem que ser revisto.
Se há uma revisão a ser feita no tamanho do SUS é para maior, mais forte e com mais qualidade.
Não podemos descansar neste país enquanto uma mãe for desassistida durante o seu pré-natal ou parto, enquanto uma criança morrer de doenças que podem ser evitadas por vacinas conhecidas, enquanto um idoso não conseguir ser cuidado de forma integral na reabilitação de um acidente vascular cerebral, enquanto um trabalhador não tiver seu exame ou sua cirurgia realizadas em tempo adequado, enquanto uma mulher for vítima de violência e, pior ainda, não receber acolhimento, prevenção a uma gravidez não desejada e orientação quanto aos seus direitos sexuais e reprodutivos.
(...). Não podemos naturalizar a brutal desigualdade no acesso aos serviços de saúde que ainda temos, em especial nos níveis de média e alta complexidade da atenção especializada, entre aqueles que podem pagar fortunas para obtê-los e a grande maioria dois brasileiros e brasileiras que dependem exclusivamente do SUS.
Baseado neste compromisso, que considero inadmissível um país como o Brasil ter, através do governo que assumiu a Presidencia da República com um golpe e o Congresso Nacional que dele participou, mudado a nossa Constituição para criar a mais brutal trava nos investimentos públicos pelos próximos 20 anos, em particular nas politicas públicas da saúde, educação e assistência social.
Este governo e seus aliados no Congresso Nacional, com uma mão travam os investimentos na saúde pública e com a outra liberam os lucros dos donos de planos de saúde, as custas de reajustes e medidas que oneram ainda mais os seus usuários. De um lado fala em reduzir o tamanho do SUS e ao mesmo tempo aumenta os impactos nocivos a saúde e ao meio ambiente autorizando o uso de agrotóxicos no Brasil, sem avaliação prévia dos órgãos de saúde.
Vocês podem ter certeza, estarei (...) denunciando os impactos perversos desta Emenda Constitucional 95 para a vida de toda nossa população, mas, sobretudo aos mais pobres, e para o desenvolvimento econômico brasileiro. A cada momento, em cada debate, cobrarei dos meus adversários, todos os que se compõe com as variadas alianças entre golpistas, a necessidade de um novo Congresso Nacional e com mobilização popular para revogarmos tal medida, como todas as outras tomadas pelos golpistas e seus aliados, que retiraram direitos das trabalhadoras e trabalhadores ou atingiram o nosso patrimônio e a soberania nacional.
Sei que não basta revogarmos esta trava absurda por 20 anos que, na prática, como estudos já nos mostraram, significará o aumento das mortes de crianças no nosso país e a destruição de qualquer projeto de um Sistema Público e Universal de Saúde. Precisamos enfrentar o subfinanciamento histórico da saúde pública brasileira. Todos nós sabemos que não é uma tarefa fácil.
Quero relembrar aqui, para memória de todos e todas e, talvez, contar aos mais jovens, aquela que foi a pior noite que eu e a minha saudosa Marisa tivemos ao longo de todos os meus 8 anos de anos de governo. Foi em 2007, quando o Congresso Nacional, contra a minha vontade e decisão, extinguiu a CPMF e na prática impediu a sua aplicação integral na saúde como eu propus. Estima-se, à época, que perdemos mais de R$ 40 bilhões para o Orçamento Federal da Saúde.
Para enfrentarmos o subfinanciamento da saúde pública brasileira, antes de mais nada, precisamos recuperar a prioridade política que estabeleci nos meus primeiros 8 anos de governo: a população pobre tem que estar no orçamento. Naquele período, proibi aos meus Ministros de se usar a palavra gasto, quando se falava em política social. Investir em saúde, educação e políticas sociais são essenciais não apenas para garantir direitos e melhorar a qualidade de vida da nossa população, mas é uma das bases de um novo modelo desenvolvimento econômico.
Investir em saúde é investir na vida e em um desenvolvimento econômico mais justo para o nosso país.
Por um lado, precisamos recuperar as fontes de recursos da saúde provenientes do pré-sal, uma conquista dos meus governos e da nossa presidenta eleita Dilma. Além disso, é necessário e urgente enfrentarmos a profunda desigualdade e injustiça que é o sistema tributário brasileiro, que cobra muito imposto dos mais pobres e de quem vive do trabalho e do esforço próprio de empreendedor e alivia a vida dos mais ricos e daqueles que ganham fortunas no mercado financeiro. Quero, por um lado ampliar a isenção do Imposto de Renda para a classe trabalhadora brasileira e por outro criar um Imposto sobre Grandes Heranças, como existe nas nações que construíram sistemas públicos de saúde similares ao SUS que pretendemos finalmente construir no Brasil.
Depois de ter passado pela experiência de ser Presidente da República e ter colocado em prática algumas das reivindicações que sempre ouvi ou senti serem necessárias para a nossa saúde, vivenciei uma verdadeira revolução na saúde pública na minha cidade São Bernardo do Campo, liderada pelo meu companheiro, então prefeito e hoje pré-candidato a governador de São Paulo, Luís Marinho. Eu e Marisa vivemos ali a expansão das equipes de saúde da família, a organização do programa de vacinação, o impacto da instalação do SAMU, das UPAs e das novas Unidades Básicas de Saúde, dos Consultórios na Rua, dos Centros de Atenção Psicossocial e das Unidades de Acolhimento e reestruturação dos Hospitais. Assistimos a chegada dos médicos, de uma faculdade de medicina e das vagas para formação de especialistas através do Mais Médicos. Para mim ficou muito claro que revoluções na saúde pública de uma cidade não acontecem apenas por desejo do município, mas precisa de forte apoio técnico, financeiro e de gestão do governo federal.
(...)
Sabemos que não se cuida da saúde das pessoas sem profissionais qualificados e valorizados. O que observamos hoje é a desvalorização dos trabalhadores de saúde. Seja por medidas diretas do governo dos golpistas, como a desvalorização dos agentes comunitários de saúde, dos agentes de endemias e dos servidores públicos federais ou pelos impactos dos cortes de investimentos na saúde, que resultam no fechamento de unidades e serviços com a demissão imediata de trabalhadores ou aprofundamento da precarização do trabalho na saúde. A retirada dos direitos trabalhistas, outra medida que lutaremos para sua revogação imediata, começa a chegar com força nos empregos da saúde afetando a renda, a carga de trabalho e a própria saúde de quem deveria cuidar da nossa.
Por isso, acredito que a reconstrução do SUS passa pela valorização e qualificação permanente dos nossos trabalhadores, com carreiras públicas que deem condições adequadas de trabalho e valorização ao longo da vida profissional e por abrirmos mais oportunidades para os jovens, sobretudo o das famílias mais pobres, que queiram fazer uma faculdade de uma profissão da saúde. (...)
Por fim, todos vocês sabem, sobretudo aqueles que participaram diretamente da conquista do SUS durante a redemocratização brasileira ou que lutam nos espaços de controle social e participação popular no SUS, que nada disso será possível sem consolidarmos a democracia, o respeito a Constituição e a vontade popular no nosso país.
Vocês não sabem o que sinto, daqui onde estou, ao ver o Brasil voltar a apresentar crescimento da mortalidade infantil ou vários dos nossos programas serem interrompidos, como o Farmácia Popular.
Nunca imaginei assistir a tudo isso sem poder estar aí, presencialmente para ouvir suas análises, aprender e protestar junto com vocês, construir alternativas e mostrarmos, mais uma vez, que este país pode sair de qualquer crise política, econômica ou institucional, sem sacrificar o povo brasileiro, sobretudo os mais pobres.
Vivo uma perseguição política e os meus adversários optaram por rasgar a Constituição brasileira e todos os preceitos dos procedimentos jurídicos e do estado democrático de direito para me manter privado da minha liberdade.
Mas, se imaginaram que tudo isso iria me esmorecer ou me afastar do povo brasileiro, enganaram-se de novo. Estou mais resistente e disposto do que nunca. E sinto uma ligação cada vez mais forte com o nosso país, sobretudo com aqueles que querem um Brasil maior e mais justo para todos e todas.
A cada dia, sinto que está mais perto o momento de estarmos juntos de novo. Redesenhando a história brasileira, enfrentando os desafios, realizando o que muitos diziam ser impossível, tendo orgulho de representar o Brasil onde quer que seja e de cabeça erguida, junto com vocês, para melhorarmos a qualidade de vida do povo brasileiro.
Saúde e paz para todos e todas.
Um grande abraço,
Luiz Inácio Lula da Silva
O Congresso da Abrasco continua e tem transmissão ao vivo. Conheça programação completa e acompanhe:
Acesse https://www.youtube.com/user/tvabrasco
Confira as atividades que serão transmitidas ao vivo, pela web:
1º DIA, QUINTA-FEIRA, 26 DE JULHO:
08h00 – 11h50
Abertura do Abrascão 2018 e Conferência de Abertura ‘Direitos e democracia: sistemas universais e públicos de saúde’ com Michelle Bachelet.
15h00 – 16h30
Mesa Redonda ‘Olhares femininos sobre o cárcere’
Coordenadora: Nísia Trindade Lima
Expositora: Maria do Carmo Leal
Expositora: Nana Moraes
16:50 – 18:50
Grande Debate ‘Capitalismo, direitos e democracia’
Coordenador: Ary Miranda
Debatedor: Jessé Souza
2º DIA, SEXTA-FEIRA, 27 DE JULHO:
10h20 – 11h50
Mesa Redonda ‘Austeridade e Saúde’
Coordenador: Renato Tasca
Expositor: Rômulo Paes Sousa
Expositor: Davide Rasella
15h00 – 16h30
Mesa Redonda ‘SUS: desafios e perspectivas’
Coordenadora: Luciana Dias de Lima
Expositor: Jairnilson Silva Paim
Expositora: Ligia Bahia
Expositora: Sonia Fleury
16h50 – 18h50
Grande Debate ‘Direito à saúde e sistemas públicos e universais’
Coordenador: Nelson Rodrigues dos Santos
Debatedor: José Gomes Temporão
Debatedor: Gastão Wagner de Sousa Campos
3º DIA, SÁBADO, 28 DE JULHO:
10h20 – 11h50
Mesa Redonda ‘Emergência do Zika Vírus no Brasil: Respostas e Desafios para o SUS e para a Saúde Coletiva’
Coordenador: Kenneth Camargo
Expositora: Celina Maria Turchi Martelli
Expositora: Nísia Trindade Lima
Expositora: Ilana Lowy
Haverá tradução simultânea
13h10 – 14h10
Conferência ‘Desigualdades sociais e estratégias para superá-las’
Coordenador: Antonio José Leal Costa
Expositor: Sir Michael Marmot
Haverá tradução simultânea
16h20 – 18h20
Grande Debate ‘Desafios e perspectivas da saúde coletiva’
Coordenadora: Gulnar Azevedo Silva
Debatedor: Cesar Gomes Victora
Debatedor: Naomar Monteiro de Almeida Filho
Debatedor: Akira Homma
Debatedora: Nísia Trindade Lima
DOMINGO, 29 DE JULHO:
10h20 – 11h50
Mesa Redonda ‘Soberania e privatização na saúde: destinos da universalidade e equidade no SUS’
Coordenador: José Gomes Temporão
Expositora: Ligia Bahia
Expositor: José Carlos de Souza Braga
Expositor: Celio Hiratuka
13h55 – 14h40
Palestra ‘Os direitos reprodutivos das mulheres na era Trump
Coordenadora: Daniela Riva Knauth
Palestrante: Monica Simpson
Haverá tradução simultânea
15h00 – 17h00
Encerramento do Abrascão 2018