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Gate analisa agricultura urbana; leia o boletim

Agricultura urbana e projeto de desenvolvimento. Está no ar a vigésima segunda edição do Boletim Gate,


Gate analisa agricultura urbana; leia o boletim

Imagem do site Outras Palavras



Agricultura urbana e projeto de desenvolvimento. Está no ar a vigésima segunda edição do Boletim Gate, produzido pelo Grupo de Acompanhamento de Temas Estratégicos do Instituto Lula. 

Abaixo, você pode ler o boletim na íntegra e fazer o download do documento. Ao final desta página, você encontra o link para os outros boletins produzidos pelo Gate.

Agricultura urbana e projeto de desenvolvimento

Por Bruno Lima, Felipe Jardim, Nilce Aravecchia-Botas e Raul da Silva Ventura Neto

Até a década de 1940, a fome no Brasil era considerada resultado do aumento populacional e da escassez de alimentos por condições geográficas e climáticas. Josué de Castro, com seu livro Geografia da Fome, de 1946, se contrapôs a essa visão, entendendo o problema de forma sistemática e como questão política e social, tendo o latifúndio e a exploração do trabalho como as causas principaisda desigualdade e da fome.

Em 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome (FAO/ONU), mas, nos últimos quatro anos, em decorrência do aprofundamento das políticas de austeridade fiscal, que se somaram à gestão desastrosa do Governo Federal sobre os impactos econômicos da pandemia de COVID-19, vivemos um retrocesso. Mais da metade dos domicílios brasileiros passaram a conviver com a insegurança alimentar, sendo que em 9% deles as famílias passam fome (dados da pesquisa Insegurança alimentar e COVID-19 no Brasil, realizada em 2021 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).

Assim, o quadro atual não se distancia dos marcos estruturais observados em Geografia da Fome. Entretanto, de lá pra cá, junto com a inversão de população predominantemente rural para urbana, o fenômeno também se urbanizou no Brasil.

Tal processo de urbanização foi um dos mais acelerados do mundo no século XX, e, ainda que as condições sociais e econômicas da população em geral tenham tido algumas oscilações, a concentração de emprego e renda em algumas regiões penaliza os trabalhadores e as populações mais pobres. Hoje, mais de 80% da população vive em cidades, 60% só nas áreas de influência dos grandes centros metropolitanos, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro que, sozinhas, concentram 18% da população do Brasil.

Por sua vez, o fenômeno de metropolização e, mais recentemente, o crescimento das cidades médias no interior do país fez-se acompanhar da degradação do meio ambiente ao privilegiar o setor imobiliário. Ainda, o processo de desindustrialização, a desregulamentação das leis trabalhistas e a aceleração inflacionária dos últimos dois anos agravaram a fome de forma inversamente proporcional à evolução da renda do trabalho.

Mesmo diante dessas transformações, o planejamento urbano tem dialogado pouquíssimo com ferramentas que permitam enfrentar a insegurança alimentar pois, historicamente, preocupa-se muito mais com a regulação das atividades da construção de edifícios. Como o setor da construção civil, sobretudo o mercado imobiliário, ainda é entendido como um dos principais componentes da economia urbana, os processos de elaboração dos planos diretores municipais, mesmo em contextos participativos, consideram pouco ou nada das atividades econômicas que necessitam de áreas não construídas, como é o caso da Agricultura Urbana.

Mas para que a atividade seja ampliada e torne-se um projeto de desenvolvimento para o Brasil, é fundamental: 

- Entender que a agricultura urbana tem múltiplas funções aliadas ao desenvolvimento social e à proteção ambiental: cadeia produtiva de alimentos, garantia de segurança alimentar e nutricional, geração de emprego e renda, manutenção de áreas verdes urbanas, relações mais equilibradas entre o urbano e o rural;

- Garantir acesso à terra urbana através de regularização fundiária, comodato de áreas públicas, ocupação de solo público/privado ocioso, arrecadação de bem vago abandonado etc.;

- Elaborar diagnósticos de agricultura urbana com vistas a verificar as necessidades locais e dos trabalhadores;

- Promover políticas de incentivo à compostagem de resíduos orgânicos e destinação de seus insumos para a cadeia de produção de alimentos;

- Institucionalizar e inserir a agricultura urbana nos instrumentos de regularização e de ordenamento do uso e da ocupação do solo municipal/metropolitano, de forma que possa ter espaço planejado para existir nas cidades (ver Projeto de Lei da Câmara 182/2017 e Projeto de Lei do Senado 353/2017);

- Garantir canais de financiamento, capacitação e assessoria técnica que contribuam para a transição de práticas de cultivo orgânico, preocupadas com a regeneração do solo e uso sustentável da água;

- Direcionar (a partir do fomento e da regulação) a produção urbana e periurbana para o consumo local, diminuindo os deslocamentos e barateando os produtos para o consumidor final;

- Criar e fortalecer redes de comercialização, seja pela priorização nas compras públicas, seja na conexão direta dos produtores com consumidores finais (famílias, equipamentos, restaurantes, rede varejista, modelo Comunidade que Sustenta a Agricultura - CSA), de forma a reduzir os atores intermediários na cadeia de fornecimento de alimento;

- Identificar pontos (redes no espaço da cidade) que eventualmente estejam impedindo que a comercialização dos produtos agrícolas atinja os mercados urbanos;

- Tornar (através de políticas de incentivo e subsídios à produção) a renda fundiária dos pequenos estabelecimentos agrícolas superior à renda fundiária obtida com a venda do estabelecimento para a atividade construtiva;

- Buscar a cooperação intermunicipal, interestadual, internacional para melhorias de produtividade (mutirões, trocas de saberes, feiras de sementes);

- Promover a associação com outros programas e políticas públicas como centros de apoio social, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos, restaurantes populares, promoção do consumo de alimentos adequados e saudáveis, agências do trabalho, educação ambiental, cursos populares/profissionalizantes;

- Integrar hortas comunitárias à habitação de interesse social a fim de garantir moradia e renda para as populações atendidas;

- Rever burocracia e custos para emissão de selo de produto orgânico;

- Fomentar a pesquisa nos temas de agricultura urbana;

- Recriar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (criado em 1993, mas extinto pela atual gestão do Governo Federal).

Nesse sentido, entende-se que a Agricultura Urbana e Periurbana devem ser incluídas no planejamento urbano municipal, metropolitano e regional, posto que também faz parte da vida da cidade. É uma atividade que pode ser incorporada como meio de combate à insegurança alimentar com oferta de produtos saudáveis e nutritivos; como meio para alcançar a sustentabilidade, já que muitas produções são compatíveis com a preservação e recuperação ambiental; e como impulsionadora da economia urbana,como mecanismo de geração de emprego e renda. Enfim, é um instrumento de concretização de Direitos Humanos protegidos pela Constituição Federal.

Sobre os autores

Bruno Lima: Arquiteto, Urbanista, Doutorando do MDU/UFPE, Professor da Universidade Federal de Pernambuco.

Felipe Jardim: Doutorando em Direito pela Universidadedo Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e no Instituto de Sociologia da Friedrich-Schiller Universität Jena/Alemanha.

Nilce Aravecchia-Botas: Arquiteta, Urbanista, Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. @nilcearavecchia

Raul da Silva Ventura Neto:Arquiteto, urbanista, doutor em Desenvolvimento Econômico e professor da Universidade Federal do Pará.


Acesse os boletins anteriores:

21) Tensionamento institucional, antipolítica e milícias digitais 

20) Previdência social brasileira: 99 anos de difícil inclusão e atual desmonte  

19) Construindo maiorias sociais para o combate à crise climática

18) Mercado de trabalho e desigualdade: caminhos para superar os desafios da economia capitalista

17) Cidades e retomada do desenvolvimento: um roteiro para o debate

16) Segurança de renda assistencial brasileira na encruzilhada: o futuro pode ser o passado piorado

15) Participação privada: solução para a infraestrutura?

14) Estressamento institucional como método de “governo”

13) Tão perto dos Estados Unidos, tão longe da China: a política externa brasileira no governo Bolsonaro

12) Cinema: o desmonte de uma trajetória em desenvolvimento

11) Brasil perde "cérebros": que falta faz um projeto de desenvolvimento para o país!

10) As cidades serão as mesmas no pós-pandemia? 

9) Quem tem medo do Mercosul?

8) Como fica a democracia no capitalismo de plataforma e vigilância

7) Trabalho nas plataformas digitais

6) A longa queda da indústria brasileira

5) Brasil: nem democracia, nem autoritarismo

4) O papel do planejamento na superação da crise ambiental

3) Mudanças estruturais no mundo do trabalho: determinantes e tendências

2) Teto de gastos e a destruição do Estado Social Cidadão de 1988

1) Brasil e América Latina: dilemas da região a partir da disputa entre EUA e China


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