O valor monetário global desse trabalho não remunerado é de 10,8 trilhões de dólares por ano, relata a cientista social Ezequiela Scapini
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09/08/2022 22:08
O valor monetário global desse trabalho não remunerado é de 10,8 trilhões de dólares por ano, relata a cientista social Ezequiela Scapini
A nova face da economia dos cuidados foi a pauta do webinário promovido pelo Instituto Lula nesta terça-feira (9). A cientista social Ezequiela Scapini, mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), integrante do Observatório do Mundo do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit-Unicamp), falou sobre a manutenção da invisibilidade dos trabalhadores nas plataformas digitais de cuidados. Os comentários sobre o estudo foram feitos pela professora e ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Márcia Lopes, conselheira do Instituto Lula, assistente social e integrante da Frente Nacional de Defesa do SUS e da Seguridade Social.
O trabalho de cuidados, destacou Ezequiela, é um tema estratégico com necessidade ímpar de aprofundamento e reconhecimento. Ele envolve o trabalho doméstico quanto o trabalho de cuidados propriamente dito: limpar, passar, cozinhar, lavar, cuidados com crianças, idosos, enfermos, pessoas com deficiência, explica ela. “Antes da invisibilização, o trabalho de cuidados é desvalorizado”, observou a pesquisadora em seu estudo a partir de pesquisas com plataformas digitais no Rio Grande do Sul, por exemplo.
A pandemia, para ela, deixa mais evidente a dimensão do trabalho de cuidados. “Estamos vivendo a crise de cuidados. Temos uma sociedade demandante de cuidados e uma sobrecarga de quem está cuidando. E uma sobrecarga também em relação à disponibilidade desses cuidados.”
A pesquisadora aborda como a economia hegemônica considera trabalho somente o realizado dentro do mercado e critica a divisão sexual do trabalho. “Não só determina quem vai fazer, como hierarquiza”, diz, lembrando que o trabalho produtivo, sob esse ponto de vista, é destinado aos homens, e o trabalho reprodutivo que é realizado na esfera doméstico e destinado às mulheres. São as tarefas de reprodução da vida, o trabalho de cuidados.
Cuidado que gera riqueza
Assim, esse trabalho, com uma enorme quantidade de tarefas realizadas no âmbito da família, acaba sendo visto como um ato de amor, um dever moral das mulheres. “Não é tido como um trabalho de valor econômico”, afirma.
Mas para a economia feminista, remunerada ou não, as atividades de cuidado são trabalho, sim. “As tarefas de cuidados geram bens e serviços, ou seja, geram riqueza mesmo quando esse trabalho não é remunerado”, explica, citando um relatório da Oxfam, de 2020. “O valor monetário global do trabalho de cuidados não remunerado prestado por mulheres a partir dos 15 anos de idade é de 10,8 trilhões de dólares por ano. Uma quantia enorme três vezes superior a o setor de tecnologia.”
Sobre o trabalho mercantilizado, conta a pesquisadora, no Brasil o trabalho doméstico emprego emprega 5,7 milhões de brasileiras (Pnad 2021). “Falo brasileiras porque é uma categoria majoritariamente constituída por mulheres. Em torno de 92% de presença feminina. E 65% dessas mulheres são negras.”
Ezequiela destaca ser imprescindível fazer intersecções entre gênero, classe e raça quando se fala em trabalho de cuidados. E lembra: “Se ele não é considerado nas estatísticas, o número de políticas públicas vai ser menor”.
Plataformas invisibilizam
Resultado de décadas de transformações no mundo do trabalho, as plataformas digitais trazem marcas importantes da informalidade e precarização do trabalho. “Estamos falando em retirada de direitos dos trabalhadores. A forma como essa plataformização se estrutura vai possuir direta conexão com esse período do capitalismo de dominação financeira.”
Além disso, as plataformas descentralizam e fragmentam a organização do trabalho. Controlam o trabalho, não fazem apenas a mediação, avalia Ezequiela. E estão cada vez mais presentes num mundo em que mais de 2 milhões de pessoas precisam de cuidados. “É um nicho de mercado gigantesco a ser explorado”, afirma ela, criticando a falta de transparência dessas empresas, que dificultam o acesso a dados para pesquisas sobre o setor.
“Nossa preocupação é que o trabalho de cuidados possa sair desse lugar de invisibilidade da agenda política, dos espaços acadêmicos, da pesquisa científica. Essa invisibilidade contribui para perpetuar essas desigualdades brutais que marcam esse setor”, ressalta a pesquisadora.
E clama que o trabalho de cuidados esteja no centro da construção de políticas públicas. “A economia de cuidados não é um apêndice da economia nacional. Precisa ter responsabilização do Estado.”
Desigualdade em pauta
Este segundo ciclo de seminários aborda o tema Desigualdades: Identidades e Cuidados. No primeiro debate dessa série , o pesquisador Annibal Coelho de Amorim falou sobre as lutas das pessoas com deficiência. “É fundamental que as políticas públicas sejam efetivadas mas a partir das vozes e do protagonismo da luta dessas pessoas”, disse ele.
Soluções alimentares no combate à fome diante das mudanças climáticas será a pauta do dia 12 de agosto. Depois, no dia 17, em pauta a teoria da privacidade LGBTQIA+. Movimentos identitários na era digital: estratégias no combate à pobreza no Brasil será o webinário do dia 19 de agosto.
Acompanhe a primeira série com quatro webinários sobre o tema Soberania e Segurança na Era Digital
Outros webinários
Nos dias 22, 24, 26, 29, 31 de agosto e 2 de setembro, entra em pauta o tema Desafios da Ordem Global. Para encerrar o ciclo de debates, nos dias 5, 13 e 15 de setembro, o tema será Inclusão e Combate às Desigualdades.
Com transmissão pelo youtube do Instituto Lula , os webinários têm início sempre às 19h.
Contribuição à sociedade
Fruto do Ciclo de Estudos e Pesquisas do Instituto Lula que trata das novas e velhas desigualdades na era digital, 18 webinários apresentam e debatem estudos aprovados em chamadas públicas realizadas pelo IL no final de 2021. O edital PesquisAção ofereceu quatro bolsas de R$ 6 mil cada para a realização de pesquisas. Um segundo edital ofereceu 15 bolsas de R$ 3 mil para a produção de artigos. Os contemplados agora dividem seu conhecimento com o público também por meio dessa série de seminários em nosso canal do Youtube. Além dos webinários, serão publicados três livros com uma coletânea desses artigos e pesquisas.
“Depois de alguns meses de trabalho e discussões internas, esse é um momento oportuno para os autores receberem comentários, críticas e sugestões de convidados externos sobre seus trabalhos”, afirma o professor Luís Vitagliano, coordenador do núcleo de articulação e integração do projeto Velhas e Novas Desigualdades da Era Digital , do Instituto Lula.
“São estudos e pesquisas diretamente relacionados aos propósitos de atuação do Instituto Lula. O objetivo é contribuir para o esclarecimento e a solução de problemas relacionados ao desenvolvimento e soberania nacional, a redução das desigualdades e ao avanço social, político, econômico e ambiental do Brasil na era digital”, destaca Jorge Abrahão de Castro, doutor em Economia, integrante do Grupo de Acompanhamento de Temas Estratégicos (Gate) e curador dos debates.